Passagens de Auta de Souza

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Eterna Dor

Alma de meu amor, lírio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.

Ó minha mãe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do Céu não têm espinhos,
Quero ir contigo, ó lírio meu celeste!

Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me à terra onde não corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe…

Aqui na vida – que tamanha mágoa! –
O próprio olhar de Deus encheu-se d’água…
Ó minha mãe, como este mundo é triste!

Página Triste

Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mãe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!

Alma inocente só de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
Também, oh Dor, tu queiras, desolada,

Erguer um trono, procurar guarida…
Foge do berço! Não magoes a vida
D’esta ave implume, lirial botão…

Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!

Súplica

Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos…

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?

Estrada A Fora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mão conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher não cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mãos dadas,
E o berço, às vezes, leva à sepultura…

No coração, – um horto de martírios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lírios.

Clarisse

“Não sei o que é tristeza,” ela me disse…
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do Céu caísse!

E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possível que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?

Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!

E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!

Meu Pai

A Eloy

Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.

Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas d’este rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.

A noite é clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.

Se lá no Céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!

Noite Cruel

A meu irmão Henrique

Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos…

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.

Nem ao menos beijar – ó supremo desgosto! –
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o Céu suspenso de uma Cruz…

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

Manhã No Campo

A Maria Nunes

Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores é o que a vista alcança…
– Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora. –

Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,

Recorda um’alma diluída em prece,
Um coração feliz que inda estremece
À luz sagrada do primeiro sonho!

Irineu

Num dia turvo assim foi que partiste
Cheio de dor e de tristeza cheio.
Eu fiquei a chorar num doido anseio
Olhando o espaço merencório, triste.

Não sei se mágoa mais profunda existe
Que esta saudade que me oprime o seio,
Pois a amargura que ferir-me veio
Naquele dia, ó meu irmão! persiste.

Os anos que se foram! Entanto, eu cismo
A todo o instante, no profundo abismo
Que veio a morte entre nós dois abrir.

Mas cada noite, n’asa de uma prece,
Ou num raio de sol quando amanhece,
Vejo tu’alma para o céu subir…

Passando

Ao Dr. Celestino Wanderley, em agradecimento à sua Morte de Cecy

Quando me vêem passar risonha e calma,
Sem um pesar que me anuvie a fronte,
Perdido o olhar na curva do horizonte,
Cuidam que eu tenho o paraíso n’alma.

Mesmo encontrei quem me dissesse um dia:
“Invejo-te a existência descuidosa.”
Como se espinhos não tivesse a rosa,
Ou fosse a vida isenta de agonia!

Porém, enquanto, desdenhosa, altiva,
Eu vou passando, alegre ou pensativa…
A rir, a rir, como um feliz demente,

Meu pobre coração dentro do peito
– Triste doente a agonizar no leito –
Vai soluçando dolorosamente…

Noemi

Eu quisera saber em que ela pensa,
Esta mimosa e santa criatura
Quando indeciso o seu olhar procura
Alguma estrela pelo Azul suspensa;

E que tristeza, indefinida, imensa,
Do seu olhar na flama, ardente e pura,
Intérmina e suave se condensa
Como as brumas no Céu em noite escura.

Pobre criança! Que infinita mágoa
Punge-te o seio e te anuvia os olhos
– Benditos olhos sempre rasos d’água! –

Choras… E o mundo te oferece flores…
Deixa os espinhos, lágrimas e abrolhos,
Só para mim, que só conheço dores!

Lydia

A Esther

Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que não crê na vida,
E não pensa sequer na mãe querida
Que te contempla cheia de saudade.

Pobre inocente! Se alegrar quem há-de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botão, caída,
O que irás tu fazer na eternidade?

Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tê-las,
De certo, não será nas sepulturas.

Fica entre nós, irmã das andorinhas:
Deus fez do Céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mães o Céu das criancinhas.

Tudo Passa – I

Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela…

Diz que su’alma tímida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou… e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.

Ela não sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.

Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração não morre: ele adormece…

Natal

às moças da Serra

É meia noite … O sino alvissareiro,
Lá da igrejinha branca pendurado,
Como n’um sonho místico e fagueiro,
Vem relembrar o tempo do passado.

Ó velho sino, ó bronze abençoado,
Na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
De menino Jesus imaculado.

E enquanto escuto a tua voz dolente,
Meu ser que geme dolorosamente
Da desventura, aos gélidos açoites …

Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
Sino que lembras uma noite santa,
Noite bendita mais que as outras noites!

Oração Da Noite

Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,

Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.

Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,

Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.

No Jardim Das Oliveiras

“Minh’alma é triste até à morte…” Doce,
Jesus falou… E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.

Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.

“Pai, tem piedade…” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.

Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!

Mistério

À memória do pequeno Alberto.

Sei que tu’alma carinhosa e mansa
Voou, sorrindo, para o Azul celeste;
Sei que teu corpo virginal descansa
Aqui da terra n’um cantinho agreste.

Tudo isto sei: mas tu não me disseste
Se lá no Céu, na pátria da Esperança,
Ou aqui no mundo, à sombra do cipreste,
Deixaste o coração, loura criança!

Desceu acaso com o corpo à terra
Ele tão puro e que só luz encerra?
Não creio n’isso e ninguém crê de certo…

Entanto, eu cismo que, num vale ameno,
Talvez o seio de um jasmim pequeno
Sirva de berço ao coração de Alberto.

A Minha Avó

Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias…
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.

Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias…
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!

Minh’alma vai cantar… Transforma o seio
N’um cofre santo de carícias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro… –

Eu quero vê-lo, em desejada calma,
No rico santuário de tu’alma…
– Hóstia guardada n’um cibório de ouro! –

Num Leque

Na gaze loura d’este leque adeja
Não sei que aroma místico e encantado…
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado!

Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado…
Até minh’alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.

E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,

Só me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!