Ao PĂ© Do TĂşmulo
Aos meus
Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vĂłs… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ă“ almas de minh’alma abençoadas.Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que nĂŁo tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no cĂ©u repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.
Passagens de Auta de Souza
39 resultadosNoites Amadas
Ă“ noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ă“ noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!VĂłs sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua…Ă“ noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!
CrepĂşsculo
A Julia Lyra
O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruĂna…
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina…E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria…
E que, n’essa hora de saudade imensa,Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.
Eterna Dor
Alma de meu amor, lĂrio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.Ă“ minha mĂŁe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do Céu não têm espinhos,
Quero ir contigo, Ăł lĂrio meu celeste!Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me Ă terra onde nĂŁo corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe…Aqui na vida – que tamanha mágoa! –
O prĂłprio olhar de Deus encheu-se d’água…
Ă“ minha mĂŁe, como este mundo Ă© triste!
Página Triste
Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mĂŁe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!Alma inocente sĂł de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
TambĂ©m, oh Dor, tu queiras, desolada,Erguer um trono, procurar guarida…
Foge do berço! Não magoes a vida
D’esta ave implume, lirial botĂŁo…Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!
SĂşplica
Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demĂŞncia feliz de pobres loucos…Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que nĂŁo morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
Estrada A Fora
Ela passou por mim toda de preto,
Pela mĂŁo conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher nĂŁo cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mĂŁos dadas,
E o berço, Ă s vezes, leva Ă sepultura…No coração, – um horto de martĂrios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lĂrios.
Clarisse
“NĂŁo sei o que Ă© tristeza,” ela me disse…
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do CĂ©u caĂsse!E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possĂvel que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?Será possĂvel que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!
Meu Pai
A Eloy
Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas d’este rosto santo que morreu
Já nĂŁo conservo a mĂnima lembrança.A noite Ă© clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.Se lá no Céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!
Noite Cruel
A meu irmĂŁo Henrique
Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a mĂşsica sonora
Da ilusĂŁo a cantar da vida nos refolhos…Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.Nem ao menos beijar – Ăł supremo desgosto! –
A mĂŁo doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o CĂ©u suspenso de uma Cruz…E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mĂŁos postas no seio e os dois olhos sem luz?!
ManhĂŁ No Campo
A Maria Nunes
Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores Ă© o que a vista alcança…
– Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora. –Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,Recorda um’alma diluĂda em prece,
Um coração feliz que inda estremece
Ă€ luz sagrada do primeiro sonho!
Irineu
Num dia turvo assim foi que partiste
Cheio de dor e de tristeza cheio.
Eu fiquei a chorar num doido anseio
Olhando o espaço merencório, triste.Não sei se mágoa mais profunda existe
Que esta saudade que me oprime o seio,
Pois a amargura que ferir-me veio
Naquele dia, Ăł meu irmĂŁo! persiste.Os anos que se foram! Entanto, eu cismo
A todo o instante, no profundo abismo
Que veio a morte entre nĂłs dois abrir.Mas cada noite, n’asa de uma prece,
Ou num raio de sol quando amanhece,
Vejo tu’alma para o cĂ©u subir…
Passando
Ao Dr. Celestino Wanderley, em agradecimento Ă sua Morte de Cecy
Quando me vĂŞem passar risonha e calma,
Sem um pesar que me anuvie a fronte,
Perdido o olhar na curva do horizonte,
Cuidam que eu tenho o paraĂso n’alma.Mesmo encontrei quem me dissesse um dia:
“Invejo-te a existĂŞncia descuidosa.”
Como se espinhos nĂŁo tivesse a rosa,
Ou fosse a vida isenta de agonia!Porém, enquanto, desdenhosa, altiva,
Eu vou passando, alegre ou pensativa…
A rir, a rir, como um feliz demente,Meu pobre coração dentro do peito
– Triste doente a agonizar no leito –
Vai soluçando dolorosamente…
Noemi
Eu quisera saber em que ela pensa,
Esta mimosa e santa criatura
Quando indeciso o seu olhar procura
Alguma estrela pelo Azul suspensa;E que tristeza, indefinida, imensa,
Do seu olhar na flama, ardente e pura,
Intérmina e suave se condensa
Como as brumas no Céu em noite escura.Pobre criança! Que infinita mágoa
Punge-te o seio e te anuvia os olhos
– Benditos olhos sempre rasos d’água! –Choras… E o mundo te oferece flores…
Deixa os espinhos, lágrimas e abrolhos,
Só para mim, que só conheço dores!
Lydia
A Esther
Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que nĂŁo crĂŞ na vida,
E nĂŁo pensa sequer na mĂŁe querida
Que te contempla cheia de saudade.Pobre inocente! Se alegrar quem há-de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botĂŁo, caĂda,
O que irás tu fazer na eternidade?Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tĂŞ-las,
De certo, não será nas sepulturas.Fica entre nós, irmã das andorinhas:
Deus fez do Céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mães o Céu das criancinhas.
Tudo Passa – I
Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela…Diz que su’alma tĂmida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou… e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.Ela nĂŁo sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração nĂŁo morre: ele adormece…
Natal
às moças da Serra
É meia noite … O sino alvissareiro,
Lá da igrejinha branca pendurado,
Como n’um sonho mĂstico e fagueiro,
Vem relembrar o tempo do passado.Ó velho sino, ó bronze abençoado,
Na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
De menino Jesus imaculado.E enquanto escuto a tua voz dolente,
Meu ser que geme dolorosamente
Da desventura, aos gĂ©lidos açoites …Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
Sino que lembras uma noite santa,
Noite bendita mais que as outras noites!
Oração Da Noite
Ajoelhada, Ăł meu Deus, e as duas mĂŁos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,Maria! Virgem mĂŁe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.
No Jardim Das Oliveiras
“Minh’alma Ă© triste atĂ© Ă morte…” Doce,
Jesus falou… E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etĂ©reo e estrelejado manto.“Pai, tem piedade…” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!