Poemas sobre Esfarrapados

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Poemas de esfarrapados escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Se a Vida Fosse Sempre Vida

Felizes, cujos corpos sob as árvores
Jazem na úmida terra,
Que nunca mais sofrem o sol, ou sabem
Das doenças da lua.

Verta Eolo a caverna inteira sobre
O orbe esfarrapado,
Lance Netuno, em cheias mãos, ao alto
As ondas estoirando.

Tudo lhe é nada, e o próprio pegureiro
Que passa, finda a tarde,
Sob a árvore onde jaz quem foi a sombra
Imperfeita de um deus,

Não sabe que os seus passos vão cobrindo
O que podia ser,
Se a vida fosse sempre vida, a glória
De uma beleza eterna.

Génios

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E disse-me: Poeta, ao longe no horizonte
Não vês quase a lamber a abóbada do céu
Brilhante e luminoso um túmido escarcéu?
Como alvacento leão, na rápida carreira
Vem sacudindo a juba… A natureza inteira
Cisma, contempla, escuta o cântico profundo
Em trágico silêncio. O Sol já moribundo
Resvala-lhe no dorso, iria-lho de chamas,
Como dum monstro enorme as fúlgidas escamas…
Rugindo enovelada em turbilhão insano,
A vaga colossal, rasoira do oceano,

Lá vem rolando grave, e deixa ao caminhar
Um campo atrás dum monte, um lago atrás dum
[mar!
Qual lúcida serpente agora ei-la decresce
Em curva indefinida;—alonga-se… parece
Que a terra há-de estoirar em brancos estilhaços
No círculo fatal dos seus enormes braços.
Como galope infrene! Ei-la que chega!… voa
Num ímpeto feroz, num salto de leoa
Aos rudes alcantis! e em hórrida tormenta
Na rígida tranqueira o vagalhão rebenta,
Bramindo pelo ar: trepa, vacila, nuta,
E exânime por fim, vencida nesta luta,
Sem voz, sem força, inerte, exausta, esfarrapada   .
Lá vai… aonde a leve a ríspida nortada.

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Desastre

Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trêmulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.

A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.

Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: “Homem não desfaleça!”
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça,
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.

***
Findara honrosamente. As lutas, afinal,
Deixavam repousar essa criança escrava,
E a gente da província, atônita, exclamava:
“Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!”

Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essências vêm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que não entra o dia!

Um fidalgote brada e duas prostitutas:
“Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!”
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.

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Natal Chique

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.

Rosas Vermelhas

Que estranha fantasia!
Comprei rosas encarnadas
às molhadas
dum vermelho estridente,
tão rubras como a febre que eu trazia…
– E vim deitá-las contente
na minha cama vazia!

Toda a noite me piquei
nos seus agudos espinhos!
E toda a noite as beijei
em desalinhos…

A janela toda aberta
meu quarto encheu de luar…
– Na roupa branca de linho,
as rosas,
são corações a sangrar…

Morrem as rosas desfolhadas…
Matei-as!
Apertadas
às mãos-cheias!

Alvorada!
Alvorada!
Veio despertar-me!
Vem acordar-me!

Eu vou morrer…
E não consigo desprender
dos meus desejos,
as rosas encarnadas,
que morrem esfarrapadas,
na fúria dos meus beijos!

A Torpe Sociedade onde Nasci

I

Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II

Que feliz eu era então e que alegria…
Que loucura a brincar, santo delírio!…
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p’ra o martírio!

III

Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz…

IV

E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V

Tuberculoso!… Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte…