A Torpe Sociedade onde Nasci
I
Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.II
Que feliz eu era entĂŁo e que alegria…
Que loucura a brincar, santo delĂrio!…
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p’ra o martĂrio!III
Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrĂvel que me impĂ´s
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vĂtima humilde ou ser algoz…IV
E agora Ă© o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas nĂŁo sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!V
Tuberculoso!… Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas nĂŁo quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo Ă morte…
Poemas sobre Esfarrapados
6 resultadosSe a Vida Fosse Sempre Vida
Felizes, cujos corpos sob as árvores
Jazem na Ăşmida terra,
Que nunca mais sofrem o sol, ou sabem
Das doenças da lua.Verta Eolo a caverna inteira sobre
O orbe esfarrapado,
Lance Netuno, em cheias mĂŁos, ao alto
As ondas estoirando.Tudo lhe Ă© nada, e o prĂłprio pegureiro
Que passa, finda a tarde,
Sob a árvore onde jaz quem foi a sombra
Imperfeita de um deus,NĂŁo sabe que os seus passos vĂŁo cobrindo
O que podia ser,
Se a vida fosse sempre vida, a glĂłria
De uma beleza eterna.
Génios
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E disse-me: Poeta, ao longe no horizonte
Não vês quase a lamber a abóbada do céu
Brilhante e luminoso um túmido escarcéu?
Como alvacento leão, na rápida carreira
Vem sacudindo a juba… A natureza inteira
Cisma, contempla, escuta o cântico profundo
Em trágico silêncio. O Sol já moribundo
Resvala-lhe no dorso, iria-lho de chamas,
Como dum monstro enorme as fĂşlgidas escamas…
Rugindo enovelada em turbilhĂŁo insano,
A vaga colossal, rasoira do oceano,Lá vem rolando grave, e deixa ao caminhar
Um campo atrás dum monte, um lago atrás dum
[mar!
Qual lĂşcida serpente agora ei-la decresce
Em curva indefinida;—alonga-se… parece
Que a terra há-de estoirar em brancos estilhaços
No cĂrculo fatal dos seus enormes braços.
Como galope infrene! Ei-la que chega!… voa
Num Ămpeto feroz, num salto de leoa
Aos rudes alcantis! e em hĂłrrida tormenta
Na rĂgida tranqueira o vagalhĂŁo rebenta,
Bramindo pelo ar: trepa, vacila, nuta,
E exânime por fim, vencida nesta luta,
Sem voz, sem força, inerte, exausta, esfarrapada   .
Lá vai… aonde a leve a rĂspida nortada.
Desastre
Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trĂŞmulos queixumes;
CaĂra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mĂŁe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: “Homem nĂŁo desfaleça!”
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça,
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.***
Findara honrosamente. As lutas, afinal,
Deixavam repousar essa criança escrava,
E a gente da provĂncia, atĂ´nita, exclamava:
“Que providĂŞncias! Deus! Lá vai para o hospital!”Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essĂŞncias vĂŞm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que nĂŁo entra o dia!Um fidalgote brada e duas prostitutas:
“Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!”
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.
Natal Chique
Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vĂŁ desaparece
Na muita pressa e pouco amor.Hoje Ă© Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.Valeu-me um prĂncipe esfarrapado
A quem dĂŁo coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
SĂł esse pobre me pareceu Cristo.
Rosas Vermelhas
Que estranha fantasia!
Comprei rosas encarnadas
Ă s molhadas
dum vermelho estridente,
tĂŁo rubras como a febre que eu trazia…
– E vim deitá-las contente
na minha cama vazia!Toda a noite me piquei
nos seus agudos espinhos!
E toda a noite as beijei
em desalinhos…A janela toda aberta
meu quarto encheu de luar…
– Na roupa branca de linho,
as rosas,
sĂŁo corações a sangrar…Morrem as rosas desfolhadas…
Matei-as!
Apertadas
Ă s mĂŁos-cheias!Alvorada!
Alvorada!
Veio despertar-me!
Vem acordar-me!Eu vou morrer…
E nĂŁo consigo desprender
dos meus desejos,
as rosas encarnadas,
que morrem esfarrapadas,
na fĂşria dos meus beijos!