Poemas sobre InĂșteis de Ricardo Reis

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A Lenta Idéia Voa

Solene passa sobre a fértil terra
A branca, inĂștil nuvem fugidia,
Que um negro instante de entre os campos ergue
Um sopro arrefecido.

Tal me alta na alma a lenta idéia voa
E me enegrece a mente, mas jĂĄ torno,
Como a si mesmo o mesmo campo, ao dia
Da imperfeita vida.

Assim Choram os Deuses

Os deuses desterrados.
Os irmĂŁos de Saturno,
Às vezes, no crepĂșsculo
VĂȘm espreitar a vida.

VĂȘm entĂŁo ter conosco
Remorsos e saudades
E sentimentos falsos.
É a presença deles,
Deuses que o destronĂĄ-los
Tornou espirituais,
De matéria vencida,
LongĂ­nqua e inativa.

VĂȘm, inĂșteis forças,
Solicitar em nĂłs
As dores e os cansaços,
Que nos tiram da mĂŁo,
Como a um bĂȘbedo mole,
A taça da alegria.

VĂȘm fazer-nos crer,
Despeitadas ruĂ­nas
De primitivas forças,
Que o mundo Ă© mais extenso
Que o que se vĂȘ e palpa,
Para que ofendamos
A JĂșpiter e a Apolo.

Assim até à beira
Terrena do horizonte
Hiperion no crepĂșsculo
Vem chorar pelo carro
Que Apolo lhe roubou.

E o poente tem cores
Da dor dum deus longĂ­nquo,
E ouve-se soluçar
Para alĂ©m das esferas…
Assim choram os deuses.

Deixai a Vida aos Crentes Mais Antigos

VĂłs que, crentes em Cristos e Marias,
Turvais da minha fonte as claras ĂĄguas
SĂł para me dizerdes
Que hå åguas de outra espécie

Banhando prados com melhores horas
Dessas outras regiÔes pra que falar-me
Se estas ĂĄguas e prados
SĂŁo de aqui e me agradam?

Esta realidade os deuses deram
E para bem real a deram externa.
Que serĂŁo os meus sonhos
Mais que a obra dos deuses?

Deixai-me a Realidade do momento
E os meus deuses tranqĂŒilos e imediatos
Que nĂŁo moram no Vago
Mas nos campos e rios.

Deixai-me a vida ir-se pagĂŁmente
Acompanhada pelas avenas tĂȘnues
Com que os juncos das margens
Se confessam de PĂŁ.

Vivei nos vossos sonhos e deixai-me
O altar imortal onde Ă© meu culto
E a visível presença
Os meus prĂłximos deuses.

InĂșteis procos do melhor que a vida,
Deixai a vida aos crentes mais antigos
Que a Cristo e a sua cruz
E Maria chorando.

Ceres, dona dos campos, me console
E Apolo e VĂȘnus,

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Vivo uma Vida que nĂŁo Quero nem Amo

SĂșbdito inĂștil de astros dominantes,
Passageiros como eu, vivo uma vida
Que nĂŁo quero nem amo,
Minha porque sou ela,

No ergĂĄstulo de ser quem sou, contudo,
De em mim pensar me livro, olhando no alto
Os astros que dominam
Submissos de os ver brilhar.

VastidĂŁo vĂŁ que finge de infinito
(Como se o infinito se pudesse ver!) —
DĂĄ-me ela a liberdade?
Como, se ela a nĂŁo tem?

Tirem-me os Deuses o Amor, GlĂłria e Riqueza

Tirem-me os deuses
Em seu arbĂ­trio
Superior e urdido Ă s escondidas
O Amor, glĂłria e riqueza.

Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciĂȘncia lĂșcida e solene
Das coisas e dos seres.

Pouco me importa
Amor ou glĂłria,
A riqueza Ă© um metal, a glĂłria Ă© um eco
E o amor uma sombra.

Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e às maneiras dos objetos
Tem abrigo seguro.

Seus fundamentos
SĂŁo todo o mundo,
Seu amor Ă© o plĂĄcido Universo,
Sua riqueza a vida.

A sua glĂłria
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objetos.

O resto passa,
E teme a morte.
SĂł nada teme ou sofre a visĂŁo clara
E inĂștil do Universo.

Essa a si basta,
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver.

Os Grandes Indiferentes

Ouvi contar que outrora, quando a PĂ©rsia
Tinha nĂŁo sei qual guerra,
Quando a invasĂŁo ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contĂ­nuo.

À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversĂĄrio.
Um pĂșcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caĂ­dos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruĂ­do,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distĂąncia prĂłxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,

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A Nada Imploram Tuas MĂŁos jĂĄ Coisas

A nada imploram tuas mĂŁos jĂĄ coisas,
Nem convencem teus lĂĄbios jĂĄ parados,
No abafo subterrĂąneo
Da Ășmida imposta terra.

SĂł talvez o sorriso com que amavas
Te embalsama remota, e nas memĂłrias
Te ergue qual eras, hoje
Cortiço apodrecido.

E o nome inĂștil que teu corpo morto
Usou, vivo, na terra, como uma alma,
NĂŁo lembra. A ode grava,
AnĂŽnimo, um sorriso.