Poemas de Júlio Pomar

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Poemas de Júlio Pomar. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Segunda Nota Explicativa

Se uma palavra toca noutra ou mesmo sem tocar
lhe queda próxima, põem-se as duas
a dedilhar lembranças na ária
da carne azada.

Passa-se isto
na poesia dos poetas e na linguagem
da rua. Os ganhos
são mútuos e ficam mal lembrados

ou julgados inconvenientes se
pouco prosados ultrapassam
a discreta função de fundo
musical na paisagem ambiente.

Ganham em sentidos o que perdem
em concisão. Para que servem os muros
que nos cercam senão para dar ganas
de os saldar?

Olhar e Sentir

Olhar e sentir
por dentro do corpo a massa de que é feito o avesso dele.
Ossos músculos nervos veias
tudo o que está no corpo e mundo é
a pintura contém e depõe na tela e
se acaso aí o pintor deixou reservas
nesse sem nada o avesso do mundo se
recolhe e mostra a face.

Do Fim dos Segredos

Quando se conta a outrem um segredo este
desmaia: a palavra
torna-se pele
sem leão lá dentro.

Não é mais segredo e não o sendo
finge ser lembrança
de fabrico imperfeito:
um cliqueti no silêncio escancara

a dantes inamovível porta
e virada a página acha-se apenas
uma moeda
que não corre já.

Não é para Contar uma Estória que tu Escreves

Não é para contar uma estória que tu escreves
e eu pinto
nem para nos apontarem a dedo que limamos
o bico aos pregos no avesso do mundo, nem a terra
é o centro deste. O universo não usa
adereços de cena
nem liga a espelhos. Tem mais que fazer
que nos copiar e tão-pouco ao fado pois ele é
velho, não tem dentes, e tresanda
ao ranço de uma açorda
salgada e sem coentros.

Se a Luz Tivesse Beiços

Se a luz tivesse beiços rir-se-ia
de quem fecha os olhos para ver
do claro dia apenas sombra e esquivando o perigo
de uma relação íntima com a dúvida

não ousou nunca
dar-lhe o braço, para não sentir
o corpo dela a enlaçar o seu, e provar-lhe
da carne o inesperado gosto.