Poemas sobre Dia de Mário de Sá-Carneiro

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Além-Tédio

Nada me expira já, nada me vive –
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as nĂŁo ter e de nunca vir a tĂŞ-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, emfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital…
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei Ă  dor,
Pois tudo me ruiu… Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A propria maravilha tinha cĂ´r!

Ecoando-me em silĂŞncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu prĂłprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tedio.

E sĂł me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…

Vislumbre

A horas flĂ©beis, outonais –
Por magoados fins de dia –
A minha Alma é água fria
Em ânforas d’Ouro… entre cristais…

DispersĂŁo

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…

Para mim Ă© sempre ontem,
NĂŁo tenho amanhĂŁ nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo Ă© familia,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
NĂŁo tĂŞm bem-estar nem familia).

O pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traĂ­u a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho,

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Serradura

A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.

E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma estofada.

Pois Ă© assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de RĂşssias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha sĂł pelĂşcias.

Vai aos Cafés, pede um bock,
LĂŞ o “Matin” de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:

Dentro de mim Ă© um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichĂŁo que nĂŁo passa.

Folhetim da “Capital”
Pelo nosso JĂşlio Dantas –
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual…

O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!…

Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta…

Isto assim nĂŁo pode ser…
Mas como achar um remédio?

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Como Eu nĂŁo Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem –
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
SĂŁo ĂŞxtases da cĂ´r que eu fremiria,
Mas a minh’alma pára e nĂŁo os sente!

Quero sentir. NĂŁo sei… perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse – ou homem ou mulher,
E eu nĂŁo logro nunca possuir!…

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo…
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?…

*       *       *       *       *

Como eu desejo a que ali vai na rua,
TĂŁo ágil, tĂŁo agreste, tĂŁo de amor…
Como eu quisera emmaranhá-la nua,
BebĂŞ-la em espasmos d’harmonia e cĂ´r!…

Desejo errado… Se a tivera um dia,

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O Recreio

Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar –
Balouço à beira dum poço,
Bem difĂ­cil de montar…

– E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar…

Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada…

– Cá por mim nĂŁo mudo a corda,
Seria grande estopada…

Se o indez morre, deixá-lo…
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca… Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive…

– Mudar a corda era fácil…
Tal ideia nunca tive…