Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escuraAfinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócioAfinal o que importa não é ser novo e galante
– ele há tanta maneira de compor uma estante!Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vícioNão é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parolaQue afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que comeQue afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudoNo riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
Poemas sobre Gente de Mário Cesariny
3 resultadosUma Certa Quantidade
Uma certa quantidade de gente à procura
de gente à procura duma certa quantidadeSoma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-aviãoEntretanto
e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são
Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:
dói aqui
dói acoláE resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurarQue susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse um adolescente
como se é uma nuvem um atelier um astro
you are welcome to elsinore
Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipícioAo longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posiçãoEntre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeitaEntre nós e as palavras,