Como InĂștil Taça Cheia
Como inĂștil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa,
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza.Sonhos de mågoa figura
SĂł para Ter que sentir
E assim nĂŁo tem a amargura
Que se temeu a fingir.Ficção num palco sem tåbuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mågoas
Para que nada suceda.
Poemas sobre InĂșteis de Fernando Pessoa
7 resultadosTeus Olhos Entristecem
Teus olhos entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem…
NĂŁo me ouves, e prossigo.Digo o que jĂĄ, de triste,
Te disse tanta vez…
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estĂĄs a pensar,
Jå quase não sorrindo.Até que neste ocioso
Sumir da tarde fĂștil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inĂștil.
Abdicação
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mĂŁo viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa â eu os deixei
Na antecĂąmara, feitos em pedaçosMinha cota de malha, tĂŁo inĂștil,
Minhas esporas de um tinir tĂŁo fĂștil,
Deixei-as pela fria escadaria.Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei Ă noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Natal
Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.Cega, a CiĂȘncia a inĂștil gleba lavra.
Louca, a FĂ© vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus Ă© sĂł uma palavra.
NĂŁo procures nem creias: tudo Ă© oculto.
Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer
Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.TĂȘnue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saĂșde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razĂŁo.Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.InĂștil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!
Chove ? Nenhuma Chuva Cai…
Chove? Nenhuma chuva cai…
EntĂŁo onde Ă© que eu sinto um dia
Em que ruĂdo da chuva atrai
A minha inĂștil agonia ?Onde Ă© que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e nĂŁo posso,
Ă cĂ©u azul, chamar-te meu…E o escuro ruĂdo da chuva
Ă constante em meu pensamento.
Meu ser Ă© a invisĂvel curva
Traçada pelo som do vento…E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro… E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.Ah, na minha alma sempre chove.
HĂĄ sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim…Os cĂ©us da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em Ăłdio Ă Ăąnsia
PÔe dias de ilhas vistas do convésNo meu cansaço perdido entre os gelos,
Meu coração tardou
Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vĂŁo,
Tanto faz que o amor houvesse ou nĂŁo.
Tardou. Antes, de inĂștil, acabasse.Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu prĂłprio ser do nada houvesse feito,
E a sua prĂłpria essĂȘncia conseguido.Mas nĂŁo. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestĂgio de passagem
Entre um anseio vĂŁo e um sonho vĂŁo.
Parceiros em prestidigitação,
CaĂmos ambos pelo alçapĂŁo.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.