Poemas sobre InĂșteis de Fernando Pessoa

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Poemas de inĂșteis de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mĂŁo viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecùmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tĂŁo inĂștil,
Minhas esporas de um tinir tĂŁo fĂștil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei Ă  noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Natal

Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a CiĂȘncia a inĂștil gleba lavra.
Louca, a FĂ© vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus Ă© sĂł uma palavra.
NĂŁo procures nem creias: tudo Ă© oculto.

Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.

TĂȘnue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saĂșde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razĂŁo.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.

InĂștil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!

Chove ? Nenhuma Chuva Cai…

Chove? Nenhuma chuva cai…
EntĂŁo onde Ă© que eu sinto um dia
Em que ruĂ­do da chuva atrai
A minha inĂștil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e nĂŁo posso,
Ó cĂ©u azul, chamar-te meu…

E o escuro ruĂ­do da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser Ă© a invisĂ­vel curva
Traçada pelo som do vento…

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro… E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
HĂĄ sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim…

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…

No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em Ăłdio Ă  Ăąnsia
PÔe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,

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Meu coração tardou

Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vĂŁo,
Tanto faz que o amor houvesse ou nĂŁo.
Tardou. Antes, de inĂștil, acabasse.

Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu prĂłprio ser do nada houvesse feito,
E a sua prĂłpria essĂȘncia conseguido.

Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestĂ­gio de passagem
Entre um anseio vĂŁo e um sonho vĂŁo.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.

Como InĂștil Taça Cheia

Como inĂștil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa,
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza.

Sonhos de mĂĄgoa figura
SĂł para Ter que sentir
E assim nĂŁo tem a amargura
Que se temeu a fingir.

Ficção num palco sem tåbuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mågoas
Para que nada suceda.

Teus Olhos Entristecem

Teus olhos entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem…
NĂŁo me ouves, e prossigo.

Digo o que jĂĄ, de triste,
Te disse tanta vez…
Creio que nunca o ouviste
De tĂŁo tua que Ă©s.

Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.

Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estĂĄs a pensar,
JĂĄ quase nĂŁo sorrindo.

Até que neste ocioso
Sumir da tarde fĂștil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inĂștil.