Poemas sobre Låbios de José Luís Peixoto

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Poemas de låbios de José Luís Peixoto. Leia este e outros poemas de José Luís Peixoto em Poetris.

A Mulher Mais Bonita do Mundo

estĂĄs tĂŁo bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estĂĄs bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armĂĄrio,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde estĂĄ o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

hå o céu, a casa, o quarto, e tu estås dentro de mim.

estĂĄs tĂŁo bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lĂĄbios.

estĂĄs dentro de algo que estĂĄ dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lĂĄbios.

de encontro ao silĂȘncio, dentro do mundo,
estĂĄs tĂŁo bonita Ă© aquilo que quero dizer.

fingir que estĂĄ tudo bem

fingir que estĂĄ tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que estĂĄ tudo bem: olhas-me e sĂł tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram Ă© noite: as pessoas
nĂŁo imaginam: sĂŁo tĂŁo ridĂ­culas as pessoas, tĂŁo
desprezĂ­veis: as pessoas falam e nĂŁo imaginam: nĂłs
olhamo-nos: fingir que estĂĄ tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lĂĄbios a sorrir: serĂĄ que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: serĂĄ que vou morrer? olhas-me e sĂł tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silĂȘncio e chuva que nĂŁo se pode dizer:
amor e morte: fingir que estĂĄ tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incĂȘndio que nos afoga.

arte poética

o poema nĂŁo tem mais que o som do seu sentido,
a letra p nĂŁo Ă© a primeira letra da palavra poema,
o poema Ă© esculpido de sentidos e essa Ă© a sua forma,
poema nĂŁo se lĂȘ poema, lĂȘ-se pĂŁo ou flor, lĂȘ-se erva
fresca e os teus lĂĄbios, lĂȘ-se sorriso estendido em mil
ĂĄrvores ou cĂ©u de punhais, ameaça, lĂȘ-se medo e procura
de cegos, lĂȘ-se mĂŁo de criança ou tu, mĂŁe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras que nĂŁo
se escrevem, LĂȘ-se paĂ­s e mar e cĂ©u esquecido e
memĂłria, lĂȘ-se silĂȘncio, sim tantas vezes, poema lĂȘ-se silĂȘncio,
lugar que nĂŁo se diz e que significa, silĂȘncio do teu
olhar doce de menina, silĂȘncio ao domingo entre as conversas,
silĂȘncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silĂȘncio
de ti, pai, que morreste em tudo para sĂł existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o poema nĂŁo Ă© esta caneta de tinta preta, nĂŁo Ă© esta voz,

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