Nocturno a Duas Vozes
â Que posso eu fazer
senĂŁo beber-te os olhos
enquanto a noite
nĂŁo cessa de crescer?â Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação.â NĂŁo tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciarĂĄ a morte;
a morte
vem sempre doutra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.â NĂŁo Ă© de medo
que tremem os meus lĂĄbios,
tremo por um fruto de lume
e solidĂŁo
que Ă© todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que meus dedos tĂȘm
para colher na noite.â VĂȘ como brilha
a estrela da manhĂŁ,
como a terra
Ă© sĂł um cheiro de eucaliptos,
e um rumor de ĂĄgua
vem no vento.â Tu Ă©s a ĂĄgua, a terra, o vento,
a estrela da manhĂŁ Ă©s tu ainda.â Cala-te, as palavras doem.
Como dĂłi um barco,
como dĂłi um pĂĄssaro
ferido
no limiar do dia.
Poemas sobre Sempre de Eugénio de Andrade
2 resultadosRosto Afogado
Para sempre um luar de naufrĂĄgio
anunciarĂĄ a aurora fria.
Para sempre o teu rosto afogado,
entre retratos e vendedores ambulantes,
entre cigarros e gente sem destino,
flutuarĂĄ rodeado de escamas cintilantes.Se me pudesse matar,
seria pela curva doce dos teus olhos,
pela tua fronte de bosque adormecido,
pela tua voz onde sempre amanhecia,
pelos teus cabelos onde o rumor da sombra
era um rumor de festa,
pela tua boca onde os peixes se esqueciam
de continuar a viagem nupcial.
Mas a minha morte Ă© este vaguear contigo
na parte mais débil do meu corpo,
com uma espinha de silĂȘncio
atravessada na garganta.Não sei se te procuro ou se me esqueço
de ti quando acaso me debruço
nuns olhos subitamente acesos
ao dobrar de uma esquina,
na boca dos anjos embriagados
de tanta solidĂŁo bebida pelos bares,
nas mĂŁos levemente adolescentes
poisadas na indolĂȘncia dos joelhos.
Quem me dirĂĄ que nĂŁo Ă© verdade
o teu rosto afogado, o teu rosto perdido,
de sombra em sombra, nas ruas da cidade?