Poemas sobre Tempo de Al Berto

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Poemas de tempo de Al Berto. Leia este e outros poemas de Al Berto em Poetris.

Rumor dos Fogos

hoje Ă  noite avistei sobre a folha de papel
o dragĂŁo em celulĂłide da infĂąncia
escuro como o interior polposo das cerejas
antigo como a insĂłnia dos meus trinta e cinco anos…

dantes eu conseguia esconder-me nas paisagens
podia beber a humidade aérea do musgo
derramar sangue nos dedos magoados
foi hĂĄ muito tempo
quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever
o mundo reduzia-se a um berlinde
e as mĂŁos eram pequenas
desvendavam os nocturnos segredos dos pinhais

nĂŁo quero mais perceber as palavras nem os corpos
deixou de me pertencer o choro longĂ­nquo das pedras
prossigo caminho com estes ossos cor de malva
som a som o vegetal silĂȘncio sĂ­laba a sĂ­laba o abandono
desta obra que fica por construir… o receio
de abrir os olhos e as rosas nĂŁo estarem onde as sonhei
e teu rosto ter desaparecido no fundo do mar

ficou-me esta mĂŁo com sua sombra de terra
sobre o papel branco… como Ă© louca esta mĂŁo
tentando aparar a tristeza antiga das lĂĄgrimas

A Invisibilidade de Deus

dizem que em sua boca se realiza a flor
outros afirmam:
a sua invisibilidade Ă© aparente
mas nunca toquei deus nesta escama de peixe
onde podemos compreender todos os oceanos
nunca tive a visĂŁo de sua bondosa mĂŁo

o certo
é que por vezes morremos magros até ao osso
sem amparo e sem deus
apenas um rosto muito belo surge etéreo
na vasta insĂłnia que nos isolou do mundo
e sorri
dizendo que nos amou algumas vezes
mas nĂŁo Ă© o rosto de deus
nem o teu nem aquele outro
que durante anos permaneceu ausente
e o tempo revelou nĂŁo ser o meu

Cromo

andamos pelo mundo
experimentando a morte
dos brancos cabelos das palavras
atravessamos a vida com o nome do medo
e o consolo dalgum vinho que nos sustém
a urgĂȘncia de escrever
nĂŁo se sabe para quem

o fogo a seiva das plantas eivada de astros
a vida policopiada e distribuĂ­da assim
atravĂ©s da lĂ­ngua… gratuitamente
o amargo sabor deste paĂ­s contaminado
as manchas de tinta na boca ferida dos tigres de papel

enquanto durmo Ă  velocidade dos pipelines
esboço cromos para uma colecção de sonhos lunares
e ao acordar… a incoerente cidade odeia
quem deveria amar

o tempo escoa-se na mĂșsica silente deste mar
ah meu amigo… como invejo essa tarde de fogo
em que apetecia morrer e voltar