Poemas sobre Vez de Mário de Sá-Carneiro

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Poemas de vez de Mário de Sá-Carneiro. Leia este e outros poemas de Mário de Sá-Carneiro em Poetris.

Além-Tédio

Nada me expira já, nada me vive –
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as nĂŁo ter e de nunca vir a tĂŞ-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, emfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital…
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei Ă  dor,
Pois tudo me ruiu… Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A propria maravilha tinha cĂ´r!

Ecoando-me em silĂŞncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu prĂłprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tedio.

E sĂł me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…

Torniquete

A tĂ´mbola anda depressa,
Nem sei quando irá parar –
Aonde, pouco me importa;
O importante Ă© que pare…
– A minha vida nĂŁo cessa
De ser sempre a mesma porta
Eternamente a abanar…

Abriu-se agora o salĂŁo
Onde há gente a conversar.
Entrei sem hesitação –
Somente o que se vai dar?
A meio da reuniĂŁo,
Pela certa disparato,
Volvo a mim a todo o pano:

Ă€s cambalhotas desato,
E salto sobre o piano…
– Vai ser bonita a função!
Esfrangalho as partituras,
Quebro toda a caqueirada,
Arrebento Ă  gargalhada,
E fujo pelo saguĂŁo…

Meses depois, as gazetas
DarĂŁo crĂ­ticas completas,
Indecentes e patetas,
Da minha Ăşltima obra…
E eu – prĂ  cama outra vez,
Curtindo febre e revés,
Tocado de Estrela e Cobra…

Campainhada

As duas ou trĂŞs vezes que me abriram
A porta do salão onde está gente,
Eu entrei, triste de mim, contente –
E Ă  entrada sempre me sorriram…

Partida

Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me Ă s vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.

Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam reflectir.

A minh’alma nostálgica de alĂ©m,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a fôrça de sumir também.

Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que sĂŁo para o artista? Coisa alguma.
O que devemos Ă© saltar na bruma,
Correr no azul á busca da beleza.

É subir, é subir àlem dos céus
Que as nossas almas sĂł acumularam,
E prostrados resar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.

É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d’irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.

É suscitar côres endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d’alma ampliada,

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Escavação

Numa ânsia de ter alguma cousa,
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh’alma perdida nĂŁo repousa.

Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente Ă  fĂ´rça de sonhar…

Mas a vitĂłria fulva esvai-se logo…
E cinzas, cinzas sĂł, em vez do fogo…
– Onde existo que nĂŁo existo em mim?

. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .

Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d’amor sem bĂ´cas esmagadas –
Tudo outro espasmo que princĂ­pio ou fim…

A Queda

E eu que sou o rei de toda esta incoerĂŞncia,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro atĂ© partir… Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolĂŞncia.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de ouro,
Volve-se logo falso… ao longe o arremesso…
Eu morro de desdém em frente dum tesouro,
Morro á mingua, de excesso.

Alteio-me na côr à fôrça de quebranto,
Estendo os braços de alma – e nem um espasmo venço!…
Peneiro-me na sombra – em nada me condenso…
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

NĂŁo me pude vencer, mas posso-me esmagar,
– Vencer ás vezes Ă© o mesmo que tombar –
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais, ascendo até ao fim:
Olho do alto o gĂŞlo, ao gĂŞlo me arremesso…

. . . . . . . . . . . . . . .

Tombei…
E fico sĂł esmagado sobre mim!…

Alcool

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longamente em procissĂŁo;
Volteiam-me crepĂşsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidĂŁo.

Batem asas d’aurĂ©ola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cĂ´r e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo –
Luto, estrebucho… Em vĂŁo! Silvo pra alĂ©m…

Corro em volta de mim sem me encontrar…
Tudo oscila e se abate como espuma…
Um disco de ouro surge a voltear…
Fecho os meus olhos com pavor da bruma…

Que droga foi a que me inoculei?
Ă“pio d’inferno em vez de paraĂ­so?…
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como Ă© que em dor genial eu me eterizo?

Nem Ăłpio nem morfina. O que me ardeu,
Foi alcool mais raro e penetrante:
É sĂł de mim que eu ando delirante –
ManhĂŁ tĂŁo forte que me anoiteceu.

O Recreio

Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar –
Balouço à beira dum poço,
Bem difĂ­cil de montar…

– E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar…

Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada…

– Cá por mim nĂŁo mudo a corda,
Seria grande estopada…

Se o indez morre, deixá-lo…
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca… Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive…

– Mudar a corda era fácil…
Tal ideia nunca tive…