Sonetos sobre Fados de Luís de CamÔes

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Sonetos de fados de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?

Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lĂĄgrimas vertidas,
Tantos suspiros vĂŁos vĂŁmente dados,

Como nĂŁo sois vĂłs jĂĄ desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?

Se nĂŁo tivĂ©reis jĂĄ longa exp’riĂȘncia
Das sem-razÔes de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vĂłs a resistĂȘncia.

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo nĂŁo curou, nem larga ausĂȘncia,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?

Este Amor Que Vos Tenho, Limpo E Puro

Este amor que vos tenho, limpo e puro,
de pensamento vil nunca tocado,
em minha tenra idade começado,
tĂȘ-lo dentro nesta alma sĂł procuro.

De haver nele mudança estou seguro,
sem temer nenhum caso ou duro Fado,
nem o supremo bem ou baixo estado,
nem o tempo presente nem futuro.

A bonina e a flor asinha passa;
tudo por terra o Inverno e Estio
deita, sĂł para meu amor Ă© sempre Maio.

Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
e que essa ingratidĂŁo tudo me enjeita,
traz este meu amor sempre em desmaio.

Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!

Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
QuĂŁo asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.

Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
entĂŁo nĂŒ’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.

Ah! quanto milhor fora nĂŁo vos ver,
gostos, que assi passais tĂŁo de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:

sem vĂłs jĂĄ me nĂŁo fica que perder,
se nĂŁo se for esta cansada vida,
que por mor perda minha nĂŁo perdi.

Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos

Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?

Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mĂĄgoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tĂŁo fermosos!

Das outras que serĂĄ, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?

Mas o mundo nĂŁo era dino dela,
por isso mais na terra nĂŁo esteve;
ao CĂ©u subiu, que jĂĄ *se* lhe devia.

Correm Turvas As Águas Deste Rio

Correm turvas as ĂĄguas deste rio,
que as do CĂ©u e as do monte as enturbaram;
os campos florecidos se secaram,
intratĂĄvel se fez o vale, e frio.

Passou o VerĂŁo, passou o ardente Estio,
ĂŒas cousas por outras se trocaram;
os fementidos Fados jĂĄ deixaram
do mundo o regimento, ou desvario.

Tem o tempo sua ordem jĂĄ sabida;
o mundo, nĂŁo; mas anda tĂŁo confuso,
que parece que dele Deus se esquece.

Casos, opiniÔes, natura e uso
fazem que nos pareça desta vida
que nĂŁo hĂĄ nela mais que o que parece.

Os Vestidos Elisa Revolvia

Os vestidos Elisa revolvia
que lh’Eneias deixara por memĂłria:
doces despojos da passada glĂłria,
doces, quando seu Fado o consentia.

Entr’eles a fermosa espada via
que instrumento foi da triste histĂłria;
e, como quem de si tinha a vitĂłria,
falando sĂł com ela, assi dezia:

-Fermosa e nova espada, se ficaste
sĂł para executares os enganos
de quem te quis deixar, em minha vida,

Sabe que tu comigo t’enganaste;
que, para me tirar de tantos danos,
sobeja me a tristeza da partida.

O Raio Cristalino S’estendia

O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.

Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lĂĄgrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no CĂ©u, assi dezia:

-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;

que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tĂŁo triste nenhĂŒa outra pastora.

Quem Quiser Ver D’amor Üa ExcelĂȘncia

Quem quiser ver d’Amor ĂŒa excelĂȘncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me pÔe minha ventura,
por ter de minha fĂ© experiĂȘncia.

Onde lembranças mata a longa ausĂȘncia,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade estĂĄ segura,
quando mor risco corre a paciĂȘncia.

Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;

Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂ­ngua o nome, n’alma a vista pura.

MemĂłria De Meu Bem, Cortado Em Flores

MemĂłria de meu bem, cortado em flores
por ordem de meus tristes e maus Fados,
deixai-me descansar com meus cuidados
nesta inquietação de meus amores.

Basta-me o mal presente, e os temores
dos sucessos que espero infortunados,
sem que venham, de novo, bens passados
afrontar meu repouso com suas dores.

Perdi nua hora quanto em termos
tĂŁo vagarosos e largos alcancei;
leixai-me, pois, lembranças desta glória.

Cumpre acabe a vida nestes ermos,
porque neles com meu mal acabarei
mil vidas, nĂŁo ua sĂł, dura memĂłria!

Cantando Estava Um Dia Bem Seguro Quando

Cantando estava um dia bem seguro quando,
passando, SĂ­lvio me dizia
(SĂ­lvio, pastor antigo, que sabia
pelo canto das aves o futuro):

-MĂ©ris, quando quiser o fado escuro,
oprimir-te virĂŁo em um sĂł dia
dous lobos; logo a voz e a melodia
te fugirĂŁo, e o som suave e puro.

Bem foi assi: porque um me degolou
quanto gado vacum pastava e tinha,
de que grandes soldadas esperava;

E outro por meu dano me matou
a cordeira gentil que eu tanto amava,
perpétua saudade da alma minha!

Ilustre O Dino Ramo Dos Meneses

Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo CĂ©u
(que errar nĂŁo sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;

desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.

Oprimi com tĂŁo firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.

Dai nova causa Ă  cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja sĂł co sangue de Turquia!