Em Memória de Angélica
Quantas vidas possíveis já descansam
Nesta bem pobre e diminuta morte,
Quantas vidas possíveis que outra sorte
Daria ao esquecimento ou à lembrança!Quando eu morrer, morrerá um passado;
Com esta flor, morreu só um futuro
Nas águas que o ignoram, o mais puro
Porvir hoje pios astros arrasado.Eu, como ela, morro em infinitos
Destinos que já não me oferece o acaso;
Procura a minha sombra os gastos mitosDe uma pátria que sempre deu a face.
Um breve mármore diz a sua memória;
Sobre nós todos cresce, atroz, a história.
Passagens sobre Memórias
585 resultadosA Palavra Destino
Deixai vir a mim
a palavra destino.Manhã de surpresas, lascívia e gema.
Acasos felizes, deslizes.
Ovo dentro da ave dentro do ovo.
Palavra folha e flor.Deixai vir a mim palavra
e seus versos, reversos:
metamorfose,
metaformosa.Deixai vir a mim
a palavra pão-de-consolo.
Livre de ataduras, esparadrapos,
choques elétricos
e sutis guardanapos em seco engolidos socos.Deixai vir a mim
a palavra intumescida pelo desejo
a palavra em alvoroço sutil, ardil
e ave na folhagem da memória.
A palavra estremecida entre a palavra.
A palavra entre o som
mas entre o silêncio do som.Deixai vir a mim
a palavra entre homem e homem.
E a palavra entre o homem
e seu coração posto à prova
na liberdade da palavra coração.Deixai vir a mim
a palavra destino.
Não despreze a tradição que vem de anos longínquos; talvez as velhas avós guardem na memória relatos sobre coisas que alguma vez foram úteis para o conhecimento dos sábios.
Creio que nada substitui a leitura de um texto, nada substitui a memória de um texto, nada, nenhum jogo.
Uma cabeça sem memória é uma praça sem guarnição.
O Que os Outros Sabem de Nós
O que sabemos de nós próprios, o que a nossa memória reteve, é menos decisivo do que se pensa para a felicidade da nossa vida. Chega um dia em que surge nela aquilo que, sabem os outros (ou julgam saber), de nós: damo-nos então conta de que a sua opinião é mais poderosa. Arranjamo-nos melhor com a má consciência do que com a má reputação.
A memória é a consciência inserida no tempo.
Mãe
mãe
terminou o tempo
de sorrir
desculpa-me a morte
das plantastatuei a tua antiga
imagem loura
em todos os pulsos
que anjos inclinam de existiresperdi-me noite na planície
branca
sobrevivente das madrugadas
da memóriatrocaram-me os dias
e as ruas de ancas
verticais
e nas minhas mãos incompletas
trouxe-te um naufrágio
de flores cansadas
e o único jardim de amor
que cultivei de navios ancorados ao espaço
Finda
A conclusão de tudo é só a morte
e não há mais epílogo nem finda.
Não se termina o verso nem o curso
mudamos à conversa interrompida.Não findamos o verso nem acaba
o desfazer-se o mar contra esta praia.
A conclusão de tudo é só a morte,
nem o silêncio quebra a sua amarra.Sequer há conclusão? Sequer há morte
nas palavras deixadas pelos recantos
mais sujos e perdidos do seu norte?Amor que nos moveu no desalento,
a pátria destes versos foi só pura
imaginação por dentro da memória.(Mas já outras canções nos estremecem:
longe do coração começa a História.)
A Nada Imploram Tuas Mãos já Coisas
A nada imploram tuas mãos já coisas,
Nem convencem teus lábios já parados,
No abafo subterrâneo
Da úmida imposta terra.Só talvez o sorriso com que amavas
Te embalsama remota, e nas memórias
Te ergue qual eras, hoje
Cortiço apodrecido.E o nome inútil que teu corpo morto
Usou, vivo, na terra, como uma alma,
Não lembra. A ode grava,
Anônimo, um sorriso.
A memória é uma armadilha, pura e simples, que altera, e subtilmente reorganiza o passado, por forma a encaixar-se no presente.
O Progresso Contínuo do Passado
Não existe […] matéria mais resistente nem mais substancial (o tempo). Porque a nossa duração não é apenas um instante a seguir ao outro; se fosse, nunca haveria mais nada além do presente – nenhum prolongamento do passado na actualidade, nenhuma evolução, nenhuma duração concreta. A duração é o progresso contínuo do passado que morde o futuro e vai inchando à medida que avança. E, como o passado cresce sem parar, não há nenhum limite à sua preservação. A memória […] não é uma faculdade de arrumar recordações numa gaveta, ou de inscrevê-las num registo […] Na realidade, o passado preserva-se a si mesmo, automaticamente. Provavelmente acompanha-nos na sua totalidade a cada instante […]
O tempo leva tudo, até mesmo a memória.
Use o Seu Cérebro
Não existe manual de instruções para o cérebro, mas ele precisa de alimento, reparação e da devida manutenção ainda assim. Certos nutrientes são físicos; a atual mania dos alimentos para o cérebro faz as pessoas correrem para vitaminas e enzimas. Mas o devido alimento para o cérebro é tanto mental como físico. O álcool e o tabaco são tóxicos, e sujeitar o cérebro à sua exposição é fazer mau uso dele. A raiva e o medo, o stress e a depressão são igualmente uma forma de má utilização. No momento em que escrevemos este livro, um novo estudo revela que uma rotina de stress diário fecha o córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pela tomada de decisões, correção de erros e avaliação de situações. É por isso que as pessoas dão em doidas em engarrafamentos. É um stress rotineiro, e contudo a fúria, frustração e impotência que alguns condutores sentem indicam que o córtex pré-frontal deixou de dominar os impulsos primários por cujo controlo é responsável.
Damos constantemente connosco a voltar à mesma questão: use o seu cérebro, não deixe que o seu cérebro o use a si. As fúrias com o trânsito são um exemplo do seu cérebro a usá-lo,
“O Cinema é o espelho da vida”. E não só é o espelho da vida como não há outro, é o único espelho da vida. E sendo-o é também a memória da vida.
A atenção é o buril da memória.
Da Leitura
Não leiais para refutar ou contradizer, para aceitar ou aquiescer, para perorar ou discursar, mas para ponderar e considerar. Certos livros devem ser provados; outros engolidos; uns poucos mastigados e digeridos. Quer dizer: devemos ler certos livros apenas parceladamente; outros incuriosamente, e uns poucos da primeira à última página, com diligência e atenção. Alguns livros podem mesmo ser lidos por terceiros, que nos farão deles um apanhado, mas isso somente no caso de assuntos desimportantes, e de livros medíocres, pois livros resumidos são como água destilada: insípidos.
O ler faz um homem completo, o conferir destro, o escrever exacto. Bem por isso, se alguém escreve pouco, deve ter boa memória; se confere pouco, muita sagacidade; se lê pouco, muita manha para afectar saber o que não sabe.
Marília De Dirceu
Soneto 8
Nascer no berço da maior grandeza,
De palmas e de louros rodeado,
Deve-se aos grandes pais, ao tronco honrado,
Que ilustra deste longe a natureza.Se porém muito mais se adora e preza
O Dom que o nobre sangue traz herdado,
Pela própria virtude sustentado,
Feliz o objeto da presente empresa.De mil heróis, no Tejo vencedores,
Um ramo nasce, um ramo que a memória
Faz imortal de seus progenitores.Eu leio em vaticínio a sua história:
Une Francisco, a par de seus maiores
Ao herdado esplendor a própria glória.
Soneto XXXXV
Ecos de minhas glórias, que ficastes
Nos vales, onde foram sepultadas,
Pois morreram sem tempo malogradas,
Porque com elas não vos sepultastes?Se, como a brados de Leão, cuidastes
Que poderiam ser ressuscitadas,
São vozes essas no deserto dadas
Que a conjunção dos dias já passastes.E se ficastes para me ajudardes
A renovar meu sentimento esquivo,
Não desacrediteis minhas memórias,Que se c’os Ecos meus vos encontrardes,
Achareis, que servis mais para um vivo,
E que eles servem sós a mortas glórias.
As lendas hão de sempre viver, como raios de luz na treva amontoada do passado, mas a beleza delas não está em sua verdade, que é sempre pequena; está no esforço que a humanidade faz para assim reter alguns episódios de uma vida tão extensa que para abrangê-la não há memória possível…