Passagens de Manoel de Oliveira

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Há um poeta português que disse que o espírito é como o ar que se respira. Eu fiquei com essa ideia. E, ultimamente, há um outro escritor que diz que o espírito é como o ar que se respira. Fiquei muito emocionado nesse livro, que eu li era muito novo. Fiquei sempre a pensar… E agora, pensando melhor, realmente, quando se morre, solta-se o espírito. O espírito é como o ar que sai. E o espírito sai e junta-se. Ao sair, perde a personalidade, onde está todo o bem e todo o mal, liberta-se desse bem e mal e junta-se ao absoluto, que é a configuração do espírito, o absoluto. É Deus.

A Casa do Homem

Imagine uma pessoa que não tem lugar. Anda perdido, desorientado. E imagine outra pessoa que é filho de família, tem os pais, os irmãos, a casa. A casa é muito importante. Vai sempre seguro de si porque tem um sítio de acolhimento se as coisas lhe falharem. Digamos a casa, digamos o lugar, digamos o sítio. Tal como o Ulisses volta a casa. Ele quer voltar ao recolhimento, à segurança, ao aconchego. O aconchego do ventre da mãe. A casa do homem é o ventre da mãe. Onde ele está e não precisa de fazer nada, tem tudo. E é feliz. E quando o Ulisses vem moribundo e fala na morte, surge a ideia de túnel que é o nascimento do feto, uma reminiscência. Por exemplo, o filme falado termina com o comandante que vê a casa a destruir-se, porque a casa dele é o navio. Mas há o lado ético: o capitão deve ser o último a deixar o barco, e ele tem um passageiro e não pode ir lá substitui-lo. Este é o grande drama. Ele vê arruinar todo o sistema, toda a sua vida, que está concentrada na sua casa. É essa a tragédia que o mundo sofre agora.

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Tenho as minhas convicções, mas tenho sempre medo que essas convicções pareçam demasiado particulares, quando eu queria ter uma visão genérica do que é o cinema.

O mundo é complexo, incompreensível, talvez não tanto para quem tem uma crença nalguma coisa firme, mas para aqueles onde a dúvida prevalece. E o que proponho é a dúvida. A dúvida é uma maneira de ser.

“O Cinema é o espelho da vida”. E não só é o espelho da vida como não há outro, é o único espelho da vida. E sendo-o é também a memória da vida.

Os meus filmes têm histórias um pouco profundas, às vezes difíceis de compreender. Por isso, filmo-os da forma mais clara possível. É preciso que o cinema seja claro, porque tudo o resto (as paixões, a vida), não o é.

Como realizador, estou preso ao contexto. Posso fazer tudo o que quiser, mas sempre dentro do contexto. E do contexto dos filmes da Agustina eu nunca saí. Como do Régio ou do Camilo, também nunca saí. Esse é o meu respeito pelos autores, que é muito forte. Mas eu faço cinema, não faço literatura.

É mais importante a saúde do que o dinheiro. Uma pessoa com saúde pode dormir na soleira de uma porta. E um ricalhaço doente pode não ter posição na cama.

O que mais me marcou, no aspecto social e mundial, foi o 25 de Abril. Foi o acto que mais me marcou. Porquê? Porque o 25 de Abril, em si, tem um momento extraordinário: os militares, que fizeram o 25 de Abril, não desejavam tomar o poder. Fizeram-no para entregar o poder democrático ao país. Este é um caso raro e único.

O que nós hoje vemos numa literatura moderna e apressada é uma multiplicação elevada à sétima potência por muitos autores oportunistas, em trabalhos repetitivos da violência pela violência e da pornografia pela pornografia, apenas por estar em moda e de ser de rentabilidade fácil.

Estupidamente, agora as governações proíbem o milho e acaba por se passar fome. Aqui há tempos faltava o milho e ficou tudo aflito. Agora já se pode cultivar milho outra vez. É incompreensível este desprezo pela natureza, da qual nós dependemos inteiramente.

Vivo muito bem, concerteza. Se eu não tivesse atingido esta idade não apanhava esta quantidade de prémios que me começaram a dar agora, no final da vida.

Há uma coisa que gostei de ouvir do Fellini: tinha uma grande admiração pelas pessoas que falham e persistem. Persistem com a mesma vontade, ou mais forte, com a ideia de alcançarem a finalidade última. Considero-me um pouco dentro dessa classe.

Não uso telemóvel, felizmente. É um vício. Ao contrário do que pensam, as pessoas perdem capacidade de comunicação. Eu fiz um filme sobre isso [a curta-metragem Do Visível ao Invisível].

Para os budistas, quando morre uma pessoa, a alma sai e pode instalar-se num gato. Falei com o Dalai Lama e pus-lhe essa questão: se a pessoa morre e a alma passa de um humano para uma fera, não perde a evolução do raciocínio? Disse-me que não, pois o que conta é o esforço. Percebi que a vida, em si mesmo, é um esforço enorme em tudo que fazemos. Mas é ele que activa a imaginação.