Fuga do Ódio
Queres amar a vida e não te deixam. Tens de respirar o ódio, o insulto, o bafo azedo do vexame e isso faz-te mal. Emanações de um pântano de febres, de esgotos a céu aberto com o seu fedor de vómito. Um dos tormentos do inferno medievo era esse, o fedor – a essência da podridão. E o que te fazem respirar de uma flor, do aroma de existires? Porque é que o ódio é assim fundamental para os teus parceiros em humanidade existirem? Têm uma estrutura diferente de serem, Deus fabricou-os num momento de mau génio.
Textos sobre Momentos
473 resultadosSímios Aperfeiçoados
É preciso viver em estado de prevenção. Não ir na enxurrada do colectivismo e morrer afogado num bairro económico ou numa colónia balnear, resistir às pressões políticas mirabolantes, quer sejam de uma banda ou de outra, manter a condição do homem-artista em luta com o homem-massa foi sempre o que em mim se tornou claro desde que aos poucos tomei posse da minha personalidade. É fatal que se caminhe para a sanidade de vida das classes baixas, é humano que isso se faça, no entanto também é humano, mais talvez, que se lute desesperadamente para que a condição mais sagrada do homem evolua libertando-se das massas satisfeitas com a assistência médica, televisão e funeral pago. Essa massa vai criar um novo espírito animal, vai catalogar-se em Darwin e, convencidos que essa massa está feliz, constatamos ao fim de pouco tempo que esses grandes grupos de populações standardizadas deixaram de pensar e o seu sentir é apenas tactual, sem nada de sublimação em momentos mais íntimos.
O mundo que pensa, do artista e do intelectual, tem de libertar-se do incómodo desses homens que trouxeram como contribuição para a humanidade uma ideia abstracta do colectivo em marcha, que passaram a emitir sons,
Viver com o Coração ou com a Razão
Viver segundo a razão, alvitre que os filósofos pregoam, é bom de dizer-se e desejar-se, mas enquanto os filósofos não derem uma razão a cada homem, e essa razão igual à de todos os homens, o apostolado é de todo inútil. Melhor avisados andam os moralistas religiosos, subordinando a humanidade aos ditames de uma mesma fé; todavia, e sem menoscabo dos preceitos evangélicos que altamente venero, parece-me que o homem, sincero crente, e devotado cristão, no meio destes mouros, que vivem à luz do século, e meneiam os negócios temporais a seu sabor, tal homem, se pedir a seu bom juízo religioso a norma dos deveres a respeitar, e dos direitos a reclamar, ganha créditos de parvo, e morre sequestrado dos prazeres da vida, se quiser poupar-se ao desgosto de ser apupado, procurando-os.
Como sabem, eu nunca andei em boas-avenças com a religião de meus pais; e por isso me abstenho de lhe imputar a responsabilidade das minhas quedas, seja dos pináculos aéreos onde o coração me alçou, seja do raso da razão, onde as quedas, bem que baixas, são mais igminiosas. Eu comparo o cair das alturas do coração à queda que se dá dum garboso cavalo: quem nos vê cair pode ser que nos deplore;
Os Portugueses e o Amor Livre
Tipicamente, os Portugueses deixaram arrastar não a revolução socialista, não a revolução interior, não a revolução cultural, mas a revolução sexual. Foi como se tivessem pena de se desfazer dela. Em 89, sem ligar nenhuma à libertação feminina e à SIDA, Portugal, sexualmente falando, continua em 69.
Tanto porfiaram os Portugueses e as Portuguesas nas práticas e noções do «amor livre» que se tornaram nos peritos internacionais das «relações modernas». Cada um «sabe de si» e assobia «l am Free». Ninguém «invade o espaço» de ninguém. Hoje é sempre «o primeiro dia do resto da tua vida». As pessoas vivem «para o momento». Isto é, «curtem» umas com as outras. O lema é «Não te prendas», e a filosofia, na sua expressão mais completa, é «Enquanto der, deu — quando já não der, já não dá».Tudo isto é alegre e tem a sua graça. A conjunção, no português, de um feitio ciumento e possessivo (palavras portuguesas) com uma aparência, «cool» e «non-chalant» (palavras estrangeiras) até tem piada. E atraente. Numa situação de ciúme ou de brusca afirmação de independência do outro, o português (sobretudo o homem, por ser mais estúpido) encolhe os ombros e diz que «OK,
A Dupla Realidade
A mente pregava-nos partidas. Fabricava estímulos, treslia sinais. Lesões e fissuras instalavam-se no corpo caloso dos nossos cérebros, dificultando a comunicação entre as suas duas metades. Confundiam o hemisfério da racionalidade e, nos momentos mais inconvenientes, obrigavam a entrar em acção aquele ao qual cabia o fabrico de histórias.
Talvez tivesse sido o caso. Lera sobre isso. O cérebro podia ser mentiroso, e as ilusões ópticas não passavam do menor dos seus truques. Um pequeno desequilíbrio entre o esplénio e o fórnix era suficiente para a instauração de uma espécie de dupla-realidade — pelo menos até que se impusesse o dilema lógico capaz de produzir o curto-circuito capaz de a desmontar. E nem nesse momento um homem poderia considerar-se a salvo, porque, como qualquer curto-circuito, também esse era de consequências imprevisíveis.
No Teu Colo
No teu colo cabem todos os meus medos.
E se Deus existir, é a calma do teus ombros, o sossego divino que vai do teu pescoço ao teu peito. E eu ali, tão pequeno que nem meço os centímetros que tenho, e ainda assim tão grande que nem o céu teria espaço para me guardar assim. Somos criaturas para além do mundo, pares únicos de uma viagem que nem o final dos corpos conseguirá parar.
Até o pior da vida se acalma quando estou nos teus olhos.
Há pessoas más, mãe. Pessoas que não imaginam o que é resistir por dentro deste corpo, por trás destes ossos, sob os escombros de uma idade por descobrir. Há pessoas que não sabem que sou uma criança com medo como todas as crianças (uma pessoa com medo como todas as pessoas: os adultos também têm medo, não têm, mãe?, toda a gente tem medo, não tem, mãe?), e ontem um adulto disse-me para crescer e aparecer, e uma criança menos criança do que eu agarrou-me pelos cabelos e atirou-me ao chão, a escola toda a olhar e a rir, e o adulto a dizer «cresce e aparece» e a criança a dizer «toma lá que é para aprenderes».
A Grande Vantagem da Vida
– A grande vantagem da vida é ensinar-nos outra vez a chorar. A vida infantiliza. Fica-se maior no que nos faz ser mais pequenos. Cresce-se fora o que se vai perdendo por dentro. Passamos a infância a querer crescer, a adolescência a querer crescer. E depois percebemos que só quer crescer quem ainda se sente pequeno. Um adulto sente-se pequeno mas pensa ao contrário. Sente-se pequeno e quer ficar mais pequeno. Voltar ao tempo em que havia sonhos.
– Onde se perdem os sonhos?
– Todos os sonhos se perdem. Mesmo aqueles que vais ganhar, e vais ganhar muitos, se vão perder. Porque já deixaram de ser sonhos. Sonhaste aquilo, tiveste aquilo. E acabou. Lá se foi o sonho. O segredo é conseguir gerar novos sonhos. Sonhos que consigam ocupar o espaço em branco deixado pelo sonho perdido.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Queria ser como tu.
– E eu queria ser como tu. Queria olhar para a frente e ver que o caminho não acaba, o caminho a perder de vista.
– O teu não se perde de vista?
– O meu faz-me perder a vista.
Use o Seu Cérebro
Não existe manual de instruções para o cérebro, mas ele precisa de alimento, reparação e da devida manutenção ainda assim. Certos nutrientes são físicos; a atual mania dos alimentos para o cérebro faz as pessoas correrem para vitaminas e enzimas. Mas o devido alimento para o cérebro é tanto mental como físico. O álcool e o tabaco são tóxicos, e sujeitar o cérebro à sua exposição é fazer mau uso dele. A raiva e o medo, o stress e a depressão são igualmente uma forma de má utilização. No momento em que escrevemos este livro, um novo estudo revela que uma rotina de stress diário fecha o córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pela tomada de decisões, correção de erros e avaliação de situações. É por isso que as pessoas dão em doidas em engarrafamentos. É um stress rotineiro, e contudo a fúria, frustração e impotência que alguns condutores sentem indicam que o córtex pré-frontal deixou de dominar os impulsos primários por cujo controlo é responsável.
Damos constantemente connosco a voltar à mesma questão: use o seu cérebro, não deixe que o seu cérebro o use a si. As fúrias com o trânsito são um exemplo do seu cérebro a usá-lo,
A Iniciativa Privada
Sou absolutamente hostil a todo o desenvolvimento de actividade económica do Estado em todos os domínios em que não esteja demonstrada a insuficiência dos particulares. Admito, sim, e procuro a cada momento desenvolver a intervenção dos poderes públicos na criação de todas as condições internas ou externas, materiais ou morais, necessárias ao desenvolvimento da produção. Essa intervenção é, mercê das dificuldades da época e dos problemas postos pela economia moderna, não só necessária, como cada vez mais vasta e complexa. Qualquer economia nacional que se encontrasse desacompanhada e desprotegida soçobraria em pouco tempo. Mas isto dificilmente se pode chamar socialismo de Estado.
O Milagre da Vida
Pode ser que um dia deixemos de nos falar…
Mas, enquanto houver amizade,
Faremos as pazes de novo.Pode ser que um dia o tempo passe…
Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.Pode ser que um dia nos afastemos…
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.Pode ser que um dia não mais existamos…
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.Pode ser que um dia tudo acabe…
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,
Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.
A Força do Presente
Fosse a tua vida três mil anos e até mesmo dez mil, lembra-te sempre que ninguém perde outra vida que aquela que lhe tocou viver e que só se vive aquela que se perde. Assim a mais longa e a mais curta vida se equivalem. O presente é igual para todos, e o que se perde é, por isso mesmo, igual, e o que se perde surge como a perda de um segundo. Com efeito, não é o passado ou o futuro que perdemos; como poderia alguém arrebatar-nos o que não temos?
Por isso toma sentido, a toda a hora, nestas duas coisas: primeiramente, que tudo, desde toda a eternidade, apresenta aspecto idêntico e passa pelos mesmos ciclos, e pouco importa assistir ao mesmo espectáculo em duzentos anos ou toda a eternidade; depois, que tanto perde o homem que morre carregado de anos como o que conta breves dias, consistindo a perda no momento presente; não se pode perder o que não se tem.
O Desespero de Ser Português
Deus, dá-me força para delinear, para perceber a síntese total da psicologia e da história psicológica da nação portuguesa! Todos os dias os jornais me trazem notícias de factos que são humilhantes, para nós, Portugueses. Ninguém pode conceber como eu sofro com eles. Ninguém pode imaginar o profundo desespero, a enorme dor que perante isto se apodera de mim. Oh, como eu sonho com aquele Marquês de Távora que poderia vir redimir a nação — um salvador, um verdadeiro homem, grande e dominador que nos endireitaria. Mas nenhum sofrimento pode igualar aquele que me leva a perceber que isto não é mais do que um sonho.
Eu nunca sou feliz, nem nos meus momentos egoístas nem nos meus momentos não egoístas. A minha consolação é ler Antero de Quental. Finalmente, em mim, o espírito de Lutero. Oh, como eu compreendo o profundo sofrimento que era o seu.
Devo escrever o meu livro. Tremo de pensar qual possa ser a verdade. Ainda que seja má tenho que escrevê-lo. Queira Deus que a verdade não seja má!
Gostaria de ter escrito isto num melhor estilo, mas a minha capacidade para escrever desapareceu.
Economia sem Sentimentos
A economia que despreza as considerações morais e sentimentais é semelhante às figuras de cera que, parecendo vivas, carecem da vida proporcionada pela carne. Em todos os momentos cruciais, estas novas leis económicas caíram ao serem colocadas em prática. E as nações ou os indivíduos que as aceitarem como guia irão perecer.
O Que Procuro na Literatura
Que é que eu procuro na literatura? Que é que me arrasta para este combate interminável e sempre votado ao fracasso? Como é imbecil pensar-se que se escreve para se «ter nome» e as vantagens que nisso vêm. Espera-se decerto sempre fazer melhor, mas só porque sempre se falhou. Assim se sabe também que se vai falhar de novo. Não se escreve para ninguém, o problema decide-se apenas entre nós e nós. Mas há um lugar inatingível e cada nova tentativa é uma tentativa para o alcançar.
O desejo que nos anima é o de fixar, segurar pela palavra o que entrevemos e se nos furta. Julgamos às vezes que o atingimos, mas logo se sabe que não. Miragem perene de uma presença luminosa, de um absoluto de estarmos inundados dessa evidência, encantamento que nos deslumbra no instante e nesse instante se dissolve.
O que me arrasta nesta luta sem fim é o aceno de uma plenitude de ser, a integração perfeita do que sou no milagre que me entreluz, a transfiguração de mim e do mundo no que fulgura e vai morrer.
Recaído de cada vez no mais baixo, na grossa naturalidade de que sou feito,
A Intrepidez do Pensamento
Convém cultivar com coragem a intrepidez na raiz do pensamento: que cada um se coloque diante de si energicamente como diante dum estrangeiro e quando atingir o limite do suportável, o momento em que é preciso tomar uma decisão total, então compreenderá que a situação limite que conduz ao crime é a insuportabilidade da traição. Dormitam em todo o homem estas faculdades.
A Desgraça do Sonhador
E vocês sabem o que é um sonhador, cavalheiros? É um pecado personificado, uma tragédia misteriosa, escura e selvagem, com todos os seus horrores frenéticos, catástrofes, devaneios e fins infelizes… um sonhador é sempre um tipo difícil de pessoa porque ele é enormemente imprevisível: umas vezes muito alegre, às vezes muito triste, às vezes rude, noutras muito compreensivo e enternecedor, num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honoráveis sentimentos… não é uma vida assim uma tragédia?
A Importância dos Princípios
Entre os homens, alguns há que possuem naturalmente um excelente carácter e que assimilam sem necessidade de longa instrução os princípios tradicionais, que abraçam a via da moralidade desde o primeiro momento em que dela ouvem falar; do meio destes é que surgem aqueles génios que concitam em si toda a gama de virtudes, que produzem eles mesmos virtudes. Mas aos outros, àqueles que têm o espírito embotado, obtuso ou dominado por tradições erróneas, a esses há que raspar a ferrugem que têm na alma. Mais ainda: se transmitirmos os preceitos básicos da filosofia aos primeiros, rapidamente eles atingirão o mais alto nível, pois estão naturalmente inclinados ao bem; se o fizermos aos outros, os de natureza mais fraca, ajudá-los-emos a libertarem-se das suas convicções erradas. Por aqui podes ver como são necessários os princípios básicos. Temos instintos em nós que nos fazem indolentes ante certas coisas, e atrevidos perante outras; ora, nem este atrevimento nem aquela indolência podem ser eliminados se primeiro não removermos as respectivas causas, ou seja, a admiração infundada ou o receio infundado.
Enquanto tivermos em nós esses instintos, bem poderás dizer: “estes são os teus deveres para com teu pai, ou para com os filhos,
O Problema da Sinceridade do Poeta
O poeta superior diz o que efectivamente sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que julga que deve sentir. Nada disto tem que ver com a sinceridade. Em primeiro lugar, ninguém sabe o que verdadeiramente sente: é possível sentirmos alívio com a morte de alguém querido, e julgar que estamos sentindo pena, porque é isso que se deve sentir nessas ocasiões. A maioria da gente sente convencionalmente, embora com a maior sinceridade humana; o que não sente é com qualquer espécie ou grau de sinceridade intelectual, e essa é que importa no poeta. Tanto assim é que não creio que haja, em toda a já longa história da Poesia, mais que uns quatro ou cinco poetas, que dissessem o que verdadeiramente, e não só efectivamente, sentiam. Há alguns, muito grandes, que nunca o disseram, que foram sempre incapazes de o dizer. Quando muito há, em certos poetas, momentos em que dizem o que sentem.
Aqui e ali o disse Wordsworth. Uma ou duas vezes o disse Coleridge; pois a Rima do Velho Nauta e Kubla Khan são mais sinceros que todo o Milton, direi mesmo que todo o Shakespeare. Há apenas uma reserva com respeito a Shakespeare: é que Shakespeare era essencial e estruturalmente factício;
A Alma do Momento
Que emprego dou às energias da minha alma neste instante? Pôr-me esta questão a cada momento, sondar que preocupação se instaura agora nessa parte de mim que aveza nome de guia interior e de quem me chega a alma que tenho agora.
A Pedra de Toque de um Livro
A pedra de toque de um livro (para um escritor) é o momento em que o livro oferece enfim um espaço onde, com toda a naturalidade, se pode dizer o que se quer dizer. Como esta manhã, em que pude dizer o que Rhoda disse. Isto vem provar que o livro tem uma vida própria: porque não esmagou o que eu queria dizer, antes me permitiu intrduzi-lo mansamente, sem uma tensão, sem uma alteração.