Os Portugueses e o Amor Livre

Tipicamente, os Portugueses deixaram arrastar não a revolução socialista, não a revolução interior, não a revolução cultural, mas a revolução sexual. Foi como se tivessem pena de se desfazer dela. Em 89, sem ligar nenhuma à libertação feminina e à SIDA, Portugal, sexualmente falando, continua em 69.
Tanto porfiaram os Portugueses e as Portuguesas nas práticas e noções do «amor livre» que se tornaram nos peritos internacionais das «relações modernas». Cada um «sabe de si» e assobia «l am Free». Ninguém «invade o espaço» de ninguém. Hoje é sempre «o primeiro dia do resto da tua vida». As pessoas vivem «para o momento». Isto é, «curtem» umas com as outras. O lema é «Não te prendas», e a filosofia, na sua expressão mais completa, é «Enquanto der, deu — quando já não der, já não dá».

Tudo isto é alegre e tem a sua graça. A conjunção, no português, de um feitio ciumento e possessivo (palavras portuguesas) com uma aparência, «cool» e «non-chalant» (palavras estrangeiras) até tem piada. E atraente. Numa situação de ciúme ou de brusca afirmação de independência do outro, o português (sobretudo o homem, por ser mais estúpido) encolhe os ombros e diz que «OK, tudo bem, depois diz qualquer coisa, está bem?» Isso é por fora. Por dentro anda uma besta alucinada a uivar pelos bosques, com babugem nas beiças e um facalhão nas unhas, a gritar «Eu mato-te! Eu mato-te!»

Mas está bem, pronto. Se não fosse a ideia de que as pessoas têm o direito de ser independentes e livres, os Portugueses passavam as horas do lazer a fazer cenas macacas em sítios públicos. Não se podia dormir à noite com os gritos de «Puta!» e «Sacana!» a lancinar no prédio inteiro. Não se podia ir pedir uma água de Castello à vizinha sem interromper algum diferendo conjugal, género «Ou pões outra vez a aliança no dedinho ou, tão certo como dois e dois serem quatro, juro que corto a garganta ao nosso filho.» Neste aspecto, a ideologia dos anos 60 inibe-nos um pouco, e isso é bom. Às vezes dá jeito dizer, com as costas quentes das culturas vigentes, «Olha que não estamos na Idade Média eu não te DEVO nada, não te PERTENÇO», e dar à sola.