Passagens sobre Noite

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Quem parte treme, quem regressa teme. Tem-se medo de se ter sido vencido pelo Tempo, medo de que a ausência tenha devorado as lembranças. A saudade é um morcego cego que falhou fruto e mordeu a noite.

Espaços em Branco

Ao fim da noite, no frio do táxi, pousas
a cabeça no meu ombro – e assim entramos
duma vez e inteiramente na nossa vida.
Lá fora, pelo contrário, tudo perde realidade;

há em toda a parte um sossego abstracto,
as ruas parecem pintadas – betão entre
as árvores – numa tela baça. Vamos por lugares
que não reconheço, a minha geografia é vaga

e omissa como a dos velhos cartógrafos
que desenhavam um mundo cheio de espaços
em branco. É onde estamos agora, num
intervalo do mapa rente à primeira manhã –

que será a nossa e também a última.

Soneto XXVII

Enfim que me cortais o fio leve
Que me tecia em vão minha esperança,
Quanto me prometeu, quão pouco alcança,
De quão larga me foi quanto hoje é breve,

C’um doce engano um tempo me deteve.
Guardou-me para agora esta mudança,
Mas não me mudará da segurança
Que meu amor a vossos olhos deve.

Mas ai fermosos olhos que tornastes
Descubrir-me esta noite essa lux vossa,
Qual Lua à nau que lida em bravo pego.

Mas não seja essa lux que me mostrastes
Só porque ver o meu naufrágio possa,
Que é menor o pirigo a quem vai cego.

O Amor no Chão

O vento da outra noite derrubou o Amor
Que, no mais misterioso recanto do parque,
Nos sorria, ao esticar malignamente o arco,
E cujo ar nos fez meditar com fervor!

O vento da outra noite derrubou-o! O mármore
com o sopro da manhã, disperso, gira. É triste
Olhar o pedestal, onde o nome do artista
Se lê com muito esforço à sombra de uma árvore,

É triste ver em pé, sozinho, o pedestal!
Melancólicos vêm e vão pensamentos
No meu sonho, onde o mais profundo sofrimento
Evoca um solitário futuro fatal.

É triste! — E mesmo tu, não é? ficas tocada
Plo cenário dolente, embora te divirtas
Com a borboleta rubra e de oiro, que se agita
Sobre a alameda, além, de destroços juncada.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Um Escritor é Uma Contradição

Um escritor é uma coisa curiosa. É uma contradição e, também, um contra-senso. Escrever também é não falar. É calar. É gritar sem ruído. Um escritor é, muitas vezes, repousante: ouve muito. Não fala muito porque é impossível falar a alguém de um livro que se escreveu e, sobretudo, de um livro que se está a escrever.
É impossível. É o oposto do cinema, o oposto do teatro e de outros espectáculos. É o oposto de todas as leituras. É o mais difícil de tudo. É o pior. Porque um livro é o desconhecido, é a noite, é fechado, é assim. É o livro que avança, que cresce, que avança em direcções que julgávamos ter explorado, que avança em direcção ao seu próprio destino e ao do seu autor, então aniquilado pela sua publicação: a sua separação dele, do livro sonhado, como da criança recém-nascida, sempre a mais amada.

Mors Liberatrix

(A Bulhão Pato)

Na tua mão, sombrio cavaleiro,
Cavaleiro vestido de armas pretas,
Brilha uma espada feita de cometas,
Que rasga a escuridão como um luzeiro.

Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo involto na noite que projectas…
Só o gládio de luz com fulvas betas
Emerge do sinistro nevoeiro.

— «Se esta espada que empunho é coruscante,
(Responde o negro cavaleiro-andante)
É porque esta é a espada da Verdade.

Firo, mas salvo… Prostro e desbarato,
Mas consolo… Subverto, mas resgato…
E, sendo a Morte, sou a Liberdade.»

Existe a Noite

Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.

Somos ruínas. Somos o que foi uma casa com gente viva e crianças a crescer, fumo na chaminé, janelas abertas nas noites de verão, e hoje é tijolos espalhados na terra e arredondados pela chuva, telhas partidas na terra, caliça e terra espalhados no soalho podre de madeira, e ervas a crescer entre as tábuas do soalho. Alguma vez teremos sido uma coisa sólida, uma casa viva?

A Mais Bela Noite do Mundo

Hoje,
será o fim!

Hoje
nem este falso silêncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!

Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisão de viver
a lição que me ditavam:
– Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
são perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!

– Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!

(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelão).

Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua…
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.

– Amanhã,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.

Amanhã,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.

(Era esta a voz do papão
que acendia a vela,

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Preciso de Ti

Antes de começar… Acabei de suplicar dez minutos para este bilhete… Terrivelmente, terrivelmente vivo, dorido, e sentindo absolutamente que preciso de ti. Permiti o silêncio deliberadamente, sentindo uma grande necessidade de me retirar em mim mesmo, para escrever, e mil coisas prevalecendo.

Mudei para outra máquina, assustadora; a máquina francesa… maldita, e eu bêbedo com o desejo de te escrever. Ouve, ligo-te de manhã: esta noite ou escrevo ou rebento, mas tenho de te ver. Vejo-te brilhante e maravilhosa e ao mesmo tempo tenho estado a escrever à June e todo dividido mas tu compreenderás — tens de compreender. Vou atirar-me a uma pausa e faço uma chamada. Anais, apoia-me. Não deixes que os silêncios te preocupem: estás toda à minha volta como uma chama clara. Nada a não ser dois pontos, não encontro o ponto nem os apóstrofos. Nenhuma cópia disto também: óptimo: bêbedo… bêbedo de vida… Anais, por Cristo: se tu soubesses o que estou a sentir agora.

Isto foi [escrito] ao chegar [ao escritório]. Agora 3h20 da manhã no quarto do Fred… Toda a força desaparecida e destruída por imagens. O Fred está na cama com a Gaby do chambre 48. Está deitada como um cadáver.

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Se Pudesses Estar Comigo Vinte e Quatro horas do Dia

Se pudesses estar comigo durante as vinte e quatro horas do dia, observar cada gesto meu, dormir comigo, comer comigo, trabalhar comigo, tudo isto não poderia ter lugar. Quando me vejo afastado de ti, penso em ti constantemente e isso dá cor a tudo o que eu diga ou faça. Se soubesses o quão fiel te sou! Não apenas fisicamente, mas mentalmente, moralmente, espiritualmente. Aqui não há qualquer tentação para mim, absolutamente nenhuma. Estou imune a Nova Iorque, aos meus velhos amigos, ao passado, a tudo. Pela primeira vez na minha vida, estou completamente centrado em outro ser… Em ti. Sinto-me capaz de dar tudo, sem ter medo de ficar exaurido ou de me ver perdido. Quando ontem escrevi no meu artigo que «se eu nunca tivesse ido para a Europa…», não era a Europa que tinha em mente, mas sim tu.

Mas não posso dizer isso ao mundo num artigo. Tu és a Europa. Pegaste em mim, um homem despedaçado, e tornaste-me completo. E não hei-de desintegrar-me — não existe o menor perigo disso. Mas agora vejo-me mais sensível, mais receptivo a qualquer sinal de perigo. Se te persigo loucamente, se te imploro para ouvires, se fico à tua porta e espero por ti,

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Procura a maravilha. Onde um beijo sabe a barcos e bruma. No brilho redondo e jovem dos joelhos. Na noite inclinada de melancolia. Procura. Procura a maravilha.

As mãos pressentem…

As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar

ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada

As Saudades que Sinto de Ti

Meu Bebé, meu Bebezinho querido:

Sem saber quando te entregarei esta carta, estou escrevendo em casa, hoje, domingo, depois de acabar de arrumar as coisas para a mudança de amanhã de manhã. Estou outra vez mal da garganta; está um dia de chuva; estou longe de ti — e é isto tudo o que tenho para me entreter hoje, com a perspectiva da maçada da mudança amanhã, com chuva talvez e comigo doente, para uma casa onde não está absolutamente ninguém. Naturalmente (a não ser que esteja já inteiramente bom e arranje as coisas de qualquer modo, o que faço é ir pedir guarida cá na Baixa ao Marianno Sant’Anna, que, além de ma dar de bom grado, me trata da garganta com competência, como fez no dia 19 deste mês quando eu tive a outra angina.

Não imaginas as saudades de ti que sinto nestas ocasiões de doença, de abatimento e de tristeza. O outro dia, quando falei contigo a propósito de eu estar doente, pareceu-me (e creio que com razão) que o assunto te aborrecia, que pouco te importavas com isso. Eu compreendo bem que, estando tu de saúde, pouco te rales com o que os outros sofrem,

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Entre o Bater Rasgado dos Pendões

Entre o bater rasgado dos pendões
E o cessar dos clarins na tarde alheia,
A derrota ficou: como uma cheia
Do mal cobriu os vagos batalhões.

Foi em vão que o Rei louco os seus varões
Trouxe ao prolixo prélio, sem idéia.
Água que mão infiel verteu na areia —
Tudo morreu, sem rastro e sem razões.

A noite cobre o campo, que o Destino
Com a morte tornou abandonado.
Cessou, com cessar tudo, o desatino.

Só no luar que nasce os pendões rotos
Mostram no absurdo campo desolado
Uma derrota heráldica de ignotos.

IRMANDADE Sou homem: duro pouco e é enorme a noite. Mas olho para cima: as estrelas escrevem. Sem entender compreendo: Também sou escritura e neste mesmo instante alguém me soletra.

Insónia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

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Amei-te sem Saberes

No avesso das palavras
na contrária face
da minha solidão
eu te amei
e acariciei
o teu imperceptível crescer
como carne da lua
nos nocturnos lábios entreabertos

E amei-te sem saberes
amei-te sem o saber
amando de te procurar
amando de te inventar

No contorno do fogo
desenhei o teu rosto
e para te reconhecer
mudei de corpo
troquei de noites
juntei crepúsculo e alvorada

Para me acostumar
à tua intermitente ausência
ensinei às timbilas
a espera do silêncio

Escrevias pela Noite Fora

Escrevias pela noite fora. Olhava-te, olhava
o que ia ficando nas pausas entre cada
sorriso. Por ti mudei a razão das coisas,
faz de conta que não sei as coisas que não queres
que saiba, acabei por te pensar com crianças
à volta. Agora há prédios onde havia
laranjeiras e romãs no chão e as palavras
nem o sabem dizer, apenas apontam a rua
que foi comum, o quarto estreito. Um livro
é suficiente neste passeio. Quando não escreves
estás a ler e ao lado das árvores o silêncio
é maior. Decerto te digo o que penso
baixando a cabeça e tu respondes sempre
com a cabeça inclinada e o fumo suspenso
no ar. As verdades nunca se disseram. Queria
prender-te, tornar a perder-te, achar-te
assim por acaso no meu dia livre a meio
da semana. Mantêm-se as causas iguais
das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina
dos sorrisos vem de nenhum vício. Este abandono
custa. Porque estou contigo e me deixas
a tua imagem passa pelas noites sem sono,
está aqui a cadeira em que te sentaste
a escrever lendo.

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