No Teu Colo

No teu colo cabem todos os meus medos.
E se Deus existir, é a calma do teus ombros, o sossego divino que vai do teu pescoço ao teu peito. E eu ali, tão pequeno que nem meço os centímetros que tenho, e ainda assim tão grande que nem o céu teria espaço para me guardar assim. Somos criaturas para além do mundo, pares únicos de uma viagem que nem o final dos corpos conseguirá parar.
Até o pior da vida se acalma quando estou nos teus olhos.
Há pessoas más, mãe. Pessoas que não imaginam o que é resistir por dentro deste corpo, por trás destes ossos, sob os escombros de uma idade por descobrir. Há pessoas que não sabem que sou uma criança com medo como todas as crianças (uma pessoa com medo como todas as pessoas: os adultos também têm medo, não têm, mãe?, toda a gente tem medo, não tem, mãe?), e ontem um adulto disse-me para crescer e aparecer, e uma criança menos criança do que eu agarrou-me pelos cabelos e atirou-me ao chão, a escola toda a olhar e a rir, e o adulto a dizer «cresce e aparece» e a criança a dizer «toma lá que é para aprenderes».
Ninguém sabe o tamanho de uma criança.
E doeu tanto, mãe. A escola toda a rir-se dos meus cabelos com sangue, das palavras cada vez piores («a ver se este filho da puta aprende de uma vez por todas a não ser diferente dos outros todos»), e naquele momento eu percebi, percebi que afinal toda a estupidez tem a mesma idade, todos os homens e todas as mulheres agem da mesma maneira por mais que os corpos cresçam ou deixem de crescer; chama-se escola ao lugar para onde vou todos os dias, mas bem que se podia chamar mundo – porque é lá que toda a sociedade existe por dentro como existe por fora, num coro obediente a uma multidão domesticada.
Nenhuma pessoa sabe o que é a liberdade.
E depois vieste tu, mãe. Tu e o teu olhar, as tuas palavras («amo-te, meu amor; amo-te e ninguém vai mudar isso»), o teu colo (já te disse que no teu colo nem o diabo consegue entrar?), e parece que todo o meu corpo se ergue, toda a minha vida está pronta para mais um adulto mau, para mais uma criança má. Chegas tu e os teus olhos e o teu colo e amanhã é um novo dia. Tudo na vida se resume a acreditar que amanhã é um novo dia.
Se Deus existir chama-se Tu.