As lágrimas são, muitas vezes, as lentes através das quais os homens enxergam o céu.
Passagens sobre Céu
1151 resultadosA Rua Dos Cataventos – XII – Para Erico Verissimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado…Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo… CĂ©u Ă© que lhes falta
Pra suportarem a existĂŞncia rude!E eles sonham, imĂłveis, deslumbrados,
Que sĂŁo dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqĂĽila de um açude…
No Teu Colo
No teu colo cabem todos os meus medos.
E se Deus existir, Ă© a calma do teus ombros, o sossego divino que vai do teu pescoço ao teu peito. E eu ali, tĂŁo pequeno que nem meço os centĂmetros que tenho, e ainda assim tĂŁo grande que nem o cĂ©u teria espaço para me guardar assim. Somos criaturas para alĂ©m do mundo, pares Ăşnicos de uma viagem que nem o final dos corpos conseguirá parar.
Até o pior da vida se acalma quando estou nos teus olhos.
Há pessoas más, mãe. Pessoas que não imaginam o que é resistir por dentro deste corpo, por trás destes ossos, sob os escombros de uma idade por descobrir. Há pessoas que não sabem que sou uma criança com medo como todas as crianças (uma pessoa com medo como todas as pessoas: os adultos também têm medo, não têm, mãe?, toda a gente tem medo, não tem, mãe?), e ontem um adulto disse-me para crescer e aparecer, e uma criança menos criança do que eu agarrou-me pelos cabelos e atirou-me ao chão, a escola toda a olhar e a rir, e o adulto a dizer «cresce e aparece» e a criança a dizer «toma lá que é para aprenderes».
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes nĂŁo ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pĂ©s n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mĂŁos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
O eterno mistério do céu estrelado e as maravilhas da mecânica celeste são lei mas não evangelho. A misericórdia cresce nas fundações da vida.
8A Sombra – Ăšltimo Fantasma
Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada…
Sobre as nĂ©voas te libras vaporoso …Baixas do cĂ©u num vĂ´o harmonioso!…
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, Ăł ser misterioso! …Onde nos vimos nĂłs? És doutra esfera ?
És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .
Por quem meu peito em sonhos desespera?Quem Ă©s tu? Quem Ă©s tu? – És minha sorte!
És talvez o ideal que est’alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!
Soneto Da Mulher E A Nuvem
A JoĂŁo Cabral de Melo Neto
Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
– assim era o amor, Ă minha espreita,
e era a mulher, de nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.Não pude amá-la, pois não era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pântanos se deita.Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.Nunca foi minha, e sĂł em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.
As Coisas TransitĂłrias
IrmĂŁo,
nada Ă© eterno, nada sobrevive.
Recorda isto, e alegra-te.A nossa vida
nĂŁo Ă© sĂł a carga dos anos.
A nossa vereda
não é só o caminho interminável.
Nenhum poeta tem o dever
de cantar a antiga canção.
A flor murcha e morre;
mas aquele que a leva
nĂŁo deve chorá-la sempre…
Irmão, recorda isto, e alegra-te.Chegará um silêncio absoluto,
e, então, a música será perfeita.
A vida inclinar-se-á ao poente
para afogar-se em sombras doiradas.
O amor há-de ser chamado do seu jogo
para beber o sofrimento
e subir ao cĂ©u das lágrimas …
IrmĂŁo, recorda isto, e alegra-te.Apanhemos, no ar, as nossas flores,
nĂŁo no-las arrebate o vento que passa.
Arde-nos o sangue e brilham nossos olhos
roubando beijos que murchariam
se os esquecêssemos.É ânsia a nossa vida
e força o nosso desejo,
porque o tempo toca a finados.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.Não podemos, num momento, abraçar as coisas,
parti-las e atirá-las ao chão.
Passam rápidas as horas,
Dormindo
De qual de vĂłs desceu para o exĂlio do mundo
A alma desta mulher, astros do céu profundo?
Dorme talvez agora… AlvĂssimas, serenas,
Cruzam-se numa prece as suas mĂŁos pequenas.
Para a respiração suavĂssima lhe ouvir,
A noite se debruça… E, a oscilar e a fulgir,
Brande o gládio de luz, que a escuridão recorta,
Um arcanjo, de pé, guardando a sua porta.
Versos! podeis voar em torno desse leito,
E pairar sobre o alvor virginal de seu peito,
Aves, tontas de luz, sobre um fresco pomar…
Dorme… Rimas febris, podeis febris voar…
Como ela, num livor de névoas misteriosas,
Dorme o céu, campo azul semeado de rosas;
E dois anjos do céu, alvos e pequeninos,
VĂŞm dormir nos dois cĂ©us dos seus olhos divinos…
Dorme… Estrelas, velai, inundando-a de luz!
Caravana, que Deus pelo espaço conduz!
Todo o vosso dano nesta pequena alcova
Sobre ela, como um nimbo esplĂŞndido, se mova:
E, a sorrir e a sonhar, sua leve cabeça
Como a da Virgem Mie repouse e resplandeça!
Houve uma Ilha em Ti
Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidĂŁo.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vĂŁo.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
TambĂ©m nĂŁo sei da ilha, nĂŁo sei, nĂŁo.SĂł sei de mim, coberto de raĂzes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.
Despois Que Quis Amor Que Eu SĂł Passasse
Despois que quis Amor que eu sĂł passasse
quanto mal já por muitos repartiu,
entregou me Ă Fortuna, porque viu
que nĂŁo tinha mais mal que em mim mostrasse.Ela, porque do Amor se avantajasse
no tormento que o Céu me permitiu,
o que para ninguém se consentiu,
para mim só mandou que se inventasse.Eis me aqui vou com vário som gritando,
copioso exemplário para a gente
que destes dous tiranos Ă© sujeita,desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
que deste tão pequeno está contente!
O céu é que sustenta a Terra.
Da Desigualdade que Existe Entre os Homens
Plutarco diz nalgum lugar que nĂŁo observa entre um animal e outro distância tĂŁo grande como encontra entre um homem e outro. Está a falar do valor da alma e das faculdades interiores. Na verdade, observo tanta distância de Epaminondas, como o imagino, atĂ© alguĂ©m que conheço, quero dizer capaz de senso comum, que de bom grado eu iria alĂ©m de Plutarco e diria que há mais distância entre tal e tal homem do que há entre tal homem e tal animal: Ah! Entre um homem e outro homem, quanta distância! (TerĂŞncio), e que há tantos graus de espĂritos quantas braças há daqui ao cĂ©u, e igualmente inumeráveis.
Mas, a propĂłsito da avaliação dos homens, Ă© espantoso que, excepto nĂłs, todas as coisas sejam avaliadas tĂŁo-somente pelas suas prĂłprias qualidades. Elogiamos um cavalo porque Ă© vigoroso e ágil, e nĂŁo pelos arreios; um galgo pela sua velocidade, nĂŁo pela coleira; um pássaro pela envergadura e nĂŁo pelas suas correias e sinetas. Por que da mesma forma nĂŁo avaliamos um homem pelo que Ă© propriamente seu? Ele tem um alto nĂvel de vida, um belo palácio, tanto de crĂ©dito, tanto de renda: tudo isto está ao redor dele e nĂŁo nele.
Inefável!
Nada há que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no SilĂŞncio borda
D’estrelas todo o cĂ©u em que erra e pensa.Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!
Desobriga
Os meus peccados, Anjo! os meus peccados!
Contar-t’os? Para que, se nĂŁo tĂŞm fim…
Sou santo ao pé dos outros desgraçados,
Mas tu és mais que santa ao pé de mim!A ti accendo cyrios perfumados,
Faço novenas, queimo-te alecrim,
Quando soffro, me vejo com cuidados…
Nas tuas rezas, lembra-te de mim!Que eu seja puro d’alma e pensamento!
E que, em dia do grande julgamento,
Minhas culpas não sejam de maior:Pois tenho, que o céu tudo aponta e marca,
Um processo a correr n’essa comarca,
Cujo delegado Ă© Nosso Senhor…
FrĂgida
I
Balzac Ă© meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a porque odeio as carnações redondas!
Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.II
Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
Expõe a majestade austera dos invernos.
NĂŁo cora no seu todo a tĂmida candura;
Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.III
Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,
Numa das mĂŁos franzindo um lençol de cambraia!…
Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante,
Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!IV
Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!V
Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,
Ó gélida mulher bizarramente estranha,
E trêmulo depor os lábios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!…VI
Cintila ao seu rosto a lucidez das jĂłias.
Ao encarar consigo a fantasia pasma;
Que Há para Lá do Sonhar?
Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
Ă© este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.Mas que há para lá do sonhar?
No Crepusculo
Nasce a luz do luar dos derradeiros,
ĂŠrmos, soturnos pincaros sĂłsinhos…
Andam sombras no ar e murmurinhos
E vagidos de luz… e os Pegureiros
Descem, cantando, a encosta dos outeiros…Tangendo amenas frautas amorosas,
Seus vultos, no crepusculo, desmaiam
E assim como os seus canticos, se espraiam
Em ondas de emoção. As fragarosas
Quebradas que o luar beija, misteriosas
Furnas, boccas de terra, murmurantes,
Arvoredos extaticos orando,
Rochedos, na penumbra, meditando,
Desfeitos em ternura, esvoaçantes,
Pairam tambem no espaço comovido,
Das primeiras estrelas já ferido,
Todo em luar e sombra amortalhado…E eu choro sobre um monte abandonado…
E o Phantasma divino da Creança,
Sombra de Anjinho em flor,
Nos longes dos meus olhos aparece,
Como se, por ventura, ele nascesse
Da minha incerta e trémula esperança,
E nĂŁo da minha firme e eterna dĂ´r!E choro; e alem das lagrimas, eu vejo
Aquele dĂ´ce Vulto pequenino,
Em seu leito de morte e soffrimento;
Jesus martirisado, inda Menino…
E Ă© como cinza morte o meu desejo
E como extinta luz meu pensamento!
XLI
Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno…
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o prĂłprio inferno.Cantam esta mansĂŁo, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De Ăşmido pĂł que há de abafar-lhe os cantos…Cada um de nĂłs Ă© a bĂşssola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte…
Nem Sempre Sou Igual no que Digo e Escrevo
Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas nĂŁo mudo muito.
A cor das flores nĂŁo Ă© a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores sĂŁo cor da sombra.
Mas quem olha bem vĂŞ que sĂŁo as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E Ă minha clara simplicidade de alma …