Passagens de Eugénio de Castro

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Amor Verdadeiro

Tua frieza aumenta o meu desejo:
fecho os meus olhos para te esquecer,
mas quanto mais procuro nĂŁo te ver,
quanto mais fecho os olhos mais te vejo.

Humildemente atrás de ti rastejo,
humildemente, sem te convencer,
enquanto sinto para mim crescer
dos teus desdéns o frígido cortejo.

Sei que jamais hei de possuir-te, sei
que outro feliz, ditoso como um rei
enlaçará teu virgem corpo em flor.

Meu coração no entanto não se cansa:
amam metade os que amam com espr’ança,
amar sem espr’ança Ă© o verdadeiro amor.

TrĂŞs Rosas

Sempre, mas sobretudo nas brumosas
Horas da tarde, quando acaba o dia,
Quando se estrela o céu, tenho a mania
De descobrir, de ver almas nas cousas.

Pendem deste gomil trĂŞs lindas rosas;
Uma Ă© rosada, a outra branca e fria,
Rubra a terceira; e a minha fantasia
Torna-as humanas, vivas, amorosas.

Sei que sĂŁo rosas, rosas sĂł! mas nada
Impede, enquanto cai lá fora a chuva,
Que a minha mente a fantasiar se ponha:

Por ser noiva a primeira, Ă© que Ă© rosada;
Branca a segunda está, por ser viúva;
A vermelha pecou … e tem vergonha!

Em que Emprego o Meu Tempo?

Em que emprego o meu tempo? Vou e venho,
Sem dar conta de mim nem dos pastores,
Que deixam de cantar os seus amores,
Quando passo e lhes mostro a dor que tenho.

É de tristezas o torrão que amanho,
Amasso o negro pĂŁo com dissabores,
Em ribeiros de pranto pesco dores,
E guardo de saudades um rebanho.

Meu coração à doce paz resiste,
E, embora fiqueis crendo que motejo,
Alegre vivo por viver tĂŁo triste!

Amor se mostra nesta dor que abrigo:
Quero triste viver, pois vos nĂŁo vejo,
Nem sequer muito ao longe vos lobrigo.

Amores

a Jean Moréas

Judite, a loura e magra que ora vive
Entre palmas e mirra, nas novenas;
Dulce, a de peitos de hidromel e penas,
Com quem libidinosas noites tive;
Maria a ingénua, a plácida e macia,
Ingénua como um pintassilgo e pura
Como um mĂŞs de Maria;
LĂ­dia, a trigueira hostil, severa e dura,
E Fábia, a de olhos perturbantes, lassos,
E de morenas, aprilinas pomas,
Fábia, cujos abraços
Me vestiam de aromas
Todas adorei,
Todas me adoraram
Quando as desprezei.

Antes de as possuir, antes de as subjugar
Co’a força do meu verbo e a luz do meu olhar,
Em cada uma eu via o céu aberto;
Mas apenas ao peito as comprimia,
O meu entusiasmo arrefecia
E o céu sonhado transformava-se em deserto…

Ante a posse, os desejos esmorecem;
Do amor na amarga pugna,
Fui como os doentes que tudo apetecem
E a quem tudo repugna

A LaĂ­s

À ciprina Laís, de quem sou tributário.
A Laís que possui compridas tranças pretas,
P’lo meu escravo mandei, no seu aniversário,
Um cacho moscatel num cabaz de violetas.

Os amantes, que dĂŁo Ă s suas namoradas
Fulgurantes anéis de riqueza estupenda,
Luminosos rocais e redes consteladas,
HĂŁo-de sorrir, bem sei da minha humilde of’renda.

Pensei em dar-lhe, Ă© certo, um precioso colar
E um anel com mais luz do que o incĂŞndio de TrĂłia,
Mas reconsiderei de pronto, ao atentar
Que ainda ninguĂ©m viu dar jĂłias a uma jĂłia…

Engrinalda-me com os Teus Braços

Teu corpo de âmbar, gótico, afilado,
Sempre velado de cheirosos linhos,
Teu corpo, aprilino prado,
Por onde o meu desejo, pastor brando,
Risonho há-de viver, pastoreando
Meus beiços, desinquietos cordeirinhos,
Teu corpo Ă© esbelto, Ăł zagaia esguia,
Como as harpas que o pai de SalomĂŁo tangia!

Teu corpo eléctrico, ogival,
NĂşbil, sequinho, perturbante,
É uma dispensa real:
Os teus olhos sĂŁo duas cabacinhas
Cheias dum vinho estonteante
Os teus dentes sĂŁo alvas camarinhas,
Os teus dedos, suavĂ­ssimos espargos,
E os teus seios, pĂŞssegos verdes mas nĂŁo amargos.

Lira de nervos, glĂłria das trigueiras,
Como tu Ă©s graciosa! As laranjeiras,
Desde que viste o sol com esses sĂłis amados,
SĂł vinte vezes perfumaram noivados!
Nobre e graciosa Ă©s, morena das morenas,
Como as senhoras de olhos belos,
Que passeavam nos jardins de Atenas
Com uma cigarra de ouro nos cabelos!

Como tu, eu sou moço! e atrevido
Com Anceu, rei de Samos,
E jamais caçador me fez vencido,
Quando, caçando o javali, ando entre os ramos.
O meu peito Ă© de jaspe,

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O Anel de Corina

Enquanto espera a hora combinada
De o remeter com flores a Corina,
OvĂ­dio oscĂşla o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.

— « Como eu te invejo, ó prenda afortunada !
« Com ela vais dormir, mimosa e fina,
« Com ela has-de banhar-te na piscina
« Donde sairá, qual Venus, orvalhada,

« O dorso e o seio lhe verás de rosas,
« E selarás as cartas deliciosas
« Com que em minh’alma alento e esp’rança verte…

« E temendo (suprema f’licidade!)
« Que a cera adira á pedra, ai! então ha-de
« Com a ponta da língua humedecer-te! »

O DilĂşvio

Há muitos dias já, há já bem longas noites
que o estalar dos vulcões e o atroar das torrentes
ribombam com furor, quais rábidos açoites,
ao crebro rutilar dos coriscos ardentes.

Pradarias, vergéis, hortos, vinhedos, matos,
tudo desapar’ceu ao rude desabar
das constantes, hostis, raivosas cataratas,
que fizeram da Terra um grande e torvo mar.

Ă€ flor do torvo mar, verde como as gangrenas,
onde homens e leões bóiam agonizantes,
imprecando com fĂşria e angĂşstia, erguem-se apenas,
quais monstros colossais, as montanhas gigantes.

É aí que, ululando, os homens como as feras
refugiar-se vão em trágicos cardumes,
O mar sobe, o mar cresce. e os homens e as panteras,
crianças e reptis caminham para os cumes.

Os fortes, sem haver piedade que os sujeite,
arremessam ao chĂŁo pobres velhos cansados.
e as mães largam. cruéis, os filhinhos de leite,
que os que seguem depois pisam, alucinados.

Um sinistro pavor; crescente e sufocante,
desnorteia, asfixia a turba pertinaz:
ouvem-se urros de dor, e os que vĂŁo adiante
lançam pedras brutais aos que ficam pra trás.

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