O idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu inferno.
Passagens sobre Céu
1151 resultadosTempo Habitual
De nojo, o tempo, o nosso,
A perfídia estrumando
No presumir da carícia branda e sorriso
De todos.De raiva o tempo, o nosso,
Céu, mar e terra abrasando
Em clamor de labareda e navalha afiada
E sangue.De pavor o tempo, o nosso,
A primavera assombrando.
Exílio de ventres a fecundar e tudo o mais
Que a faz.De amor o tempo, o nosso,
Onde uma voz espalhando
A boa nova do pântano fétido da noite
Imposta?
De nojo, de raiva, de pavor,
O tempo transido
Do nosso viver dia-a-dia!
Mas não de amor…
A virtude é da natureza do sol, que fazendo da fama céu, corre o mundo.
Tomou-me Vossa Vista Soberana
Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar a quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.Contudo, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos ela bem pouco está entendido.Pois, inda que eu me achasse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória,
Eu a levo maior de ser vencido.
Viver tão só de momentos Como estas nuvens no céu.
Os Dois Infinitos
Duas coisas enchem a alma de admiração e de respeito sempre renovados e que aumentam à medida que o pensamento mais vezes se concentra nelas: acima de nós, o céu estrelado; no nosso íntimo, a lei moral. Não é necessário buscá-las e adivinhá-las como se estivessem ofuscadas por nuvens ou situadas em região inacessível, para além do meu horizonte; vejo-as ante mim e relaciono-as imediatamente com a consciência da minha existência. A primeira, a partir do lugar que ocupo no mundo exterior, estende a relação do meu ser com as coisas sensíveis a todo esse imenso espaço onde os mundos se sucedem aos mundos e os sistemas aos sistemas e a toda a duração ilimitada dos seus movimentos periódicos. A segunda parte do meu invisível eu, da minha personalidade e do meu posto num mundo que possui a verdadeira infinitude, mas no qual o entendimento mal pode penetrar e ao qual reconheço estar vinculado por uma relação não apenas contingente, mas universal e necessária (relação que também alargo a todos esses mundos visíveis).
Numa, a visão de uma infinidade de mundos quase aniquila a minha importância, na medida em que me considero uma criatura animal que, depois de ter (não se sabe como) gozado a vida durante um breve lapso de tempo,
A Casa Da Rua Abílio
A casa que foi minha, hoje é casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, só, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidadeDeixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;
São as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falaram,E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados à voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.
Vendo-a Sorrir
(A minha filha)
Filha, quando sorris, iluminas a casa
Dum celeste esplendor.
A alegria é na infância o que na ave é asa
E perfume na flor.Ó doirada alegria, ó virgindade santa
Do sorriso infantil!
Quando o teu lábio ri, filha, a minha alma canta
Todo o poema de Abril.Ao ver esse sorriso, ó filha, se concentro
Em ti o meu olhar,
Engolfa-se-me o céu azul pela alma dentro
Com pombas a voar.Sou o Sol que agoniza, e tu, meu anjo loiro,
És o Sol que se eleva.
Inunda-me de luz, sorri, polvilha de oiro
O meu manto de treva!
Ter Certeza é não Estar Vendo
Primeiro prenúncio de trovoada de depois de amanhã.
As primeiras nuvens, brancas, pairam baixas no céu mortiço,
Da trovoada de depois de amanhã?
Tenho a certeza, mas a certeza é mentira.
Ter certeza é não estar vendo.
Depois de amanhã não há.
O que há é isto:
Um céu de azul, um pouco baço, umas nuvens brancas no horizonte,
Com um retoque de sujo embaixo como se viesse negro depois.
Isto é o que hoje é,
E, como hoje por enquanto é tudo, isto é tudo.
Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã?
Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de depois de amanhã
Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse morrido.
Bem sei que a trovoada não cai da minha vista,
Mas se eu não estiver no mundo.
O mundo será diferente —
Haverá eu a menos —
E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a mesma trovoada.
Nas Trevas
Como estou só no mundo! Como tudo
É lagrima e silencio!Ó tristêsa das Cousas, quando é noite
Na terra e em nosso espirito!… Tristêsa
Que se anuncia em vultos de arvoredos,
Em rochas diluidas na penumbra
E soluços de vento perpassando
Na tenebrosa lividez do céu…Ó tristêsa das Cousas! Noite morta!
Pavor! Desolação! Escura noite!
Phantastica Paisagem,
Desde o soturno espaço á fria terra
Toda vestida em sombra de amargura!Êrma noite fechada! Nem um leve
Riso vago de estrela se adivinha…
Sómente as grossas lagrimas da chuva
Escorrem pela face do Silencio…Piedade, noite negra! Não me beijes
Com esses labios mortos de Phantasma!Ó Sol, vem alumiar a minha dôr
Que, perdida na sombra, se dilata
E mais profundamente se enraiza
Nesta carne a sangrar que é a minha alma!Ilumina-te, ó Noite! Ó Vento, cála-te!
Negras nuvens do sul, limpae os olhos,
Desanuviae a bronzea face morta!Oh, mas que noite amarga, toda cheia
Do teu Phantasma angelico e divino;
Espirito que,
Às Vezes Entre a Tormenta
Às vezes entre a tormenta,
quando já umedeceu,
raia uma nesga no céu,
com que a alma se alimenta.E às vezes entre o torpor
que não é tormenta da alma,
raia uma espécie de calma
que não conhece o langor.E, quer num quer noutro caso,
como o mal feito está feito,
restam os versos que deito,
vinho no copo do acaso.Porque verdadeiramente
sentir é tão complicado
que só andando enganado
é que se crê que se sente.Sofremos? Os versos pecam.
Mentimos? Os versos falham.
E tudo é chuvas que orvalham
folhas caídas que secam.
Sob o toldo do céu, não há paz de Deus possível, mas sim guerra de todos contra todos e de tudo contra tudo. O pior é que, no fim, depois de tanta mudança, as coisas continuam mais ou menos iguais.
Os últimos clarões da minha razão mostraram-me que a fortuna e a desgraça são eventualidades que não tem sanção no céu nem no inferno. Todas as religiões são mentirosas, todas as misérias vêm do acaso, e não ha juiz que abençoe ou condene, fora do homem. Tirai-lhe a consciência, e o homem dará um abraço nas feras, e irá com elas devorar o animal seu semelhante.
Os Pastores
Guardavam certos pastores
seus rebanhos, ao relento,
sobre os céus consoladores
pondo a vista e o pensamento.Quando viram que descia,
cheio de glória fulgente,
um anjo do céu do Oriente,
que era mais claro que o dia.Jamais os cegara assim
luz do meio-dia ou manhã.
Dir-se-ia o audaz Serafim,
que um dia venceu Satã.Cheios de assombro e terror,
rolaram na erva rasteira.
– Mas ele, com voz fagueira,
lhes diz, com suave amor:«Erguei-vos, simples, daí,
humildes peitos da aldeia!
Nasceu o vosso Rabi,
que é Cristo – na Galileia!Num berço, o filho real,
não o vereis reclinado.
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
sobre as palhas de um curral!Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
ao que traz uma joeira
das estrelas e das almas!»Foi-se o anjo: e nas neblinas,
então celestes legiões
soltam místicas canções,
sobre violas divinas.Erguem-se, enfim, os pastores
e vão caminhos dalém,
com palmas, rolas, e flores,
LVIII
Altas serras, que ao Céu estais servindo
De muralhas, que o tempo não profana,
Se Gigantes não sois, que a forma humana
Em duras penhas foram confundindo?lá sobre o vosso cume se está rindo
O Monarca da luz, que esta alma engana;
Pois na face, que ostenta, soberana,
O rosto de meu bem me vai fingindo.Que alegre, que mimoso, que brilhante
Ele se me afigura! Ah qual efeito
Em minha alma se sente neste instante!Mas ai! a que delírios me sujeito!
Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Em vós descubro ó penhas o seu peito?
Uma Beleza Dificílima
O silêncio
abre
o coração das sombras.
Por tal sossego, as árvores
caminham. Mas são as mulheres quem lhes assegura
a elegância do porte.A harmonia vem do peso da luz
sob a cabeça. Das mãos em arco: os ramos seguram.
Altas são as folhas. Simples.
Lisa a copa.Não há rumor na terra.
As feras não nasceram ainda. Apenas os peixes.
Fora de água
respiram.Sim.
O mundo pode ser belo,
apesar de só.Basta-lhe o fulgor no mais escalvado da noite
e meninos esbeltos e
gelados no sol.
E uma beleza dificílima. E um cauteloso
azul nas garças abatidas pelo céu.
E um primeiro espanto,
uma primeira alegria nas fendas
em direcção
ao pó.
À Fragilidade da Vida Humana
Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse estio em vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave em doce agrado.Se a nau, o sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,Olha, cego imortal, e considera
Que és rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.
Pouco te Ama
Na metade do Céu subido ardia
O claro, almo Pastor, quando deixavam
O verde pasto as cabras, e buscavam
A frescura suave da água fria.Com a folha das árvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavam;
O módulo cantar, de que cessavam,
Só nas roucas cigarras se sentia.Quando Liso Pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.Porque te vás de quem por ti se perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.
Na Aldeia
A Cristóvão Aires
Duas horas da tarde. Um sol ardente
Nos colmos dardejando, e nos eirados.
Sobreleva aos sussurros abafados
O grito das bigornas estridente.A taberna é vazia; mansamente
Treme o loureiro nos umbrais pintados;
Zumbem à porta insectos variegados,
Envolvidos do sol na luz tremente.Fia à soleira uma velhinha: o filho
No céu mal acordou da aurora o brilho
Saiu para os cansaços da lavoura.A nora lava na ribeira, e os netos
Ao longe correm seminus, inquietos,
No mar ondeante da seara loura.
Garotas boas vão para o céu, as más vão para todo lugar