Meu coração tombou na vida, tal qual uma estrela ferida pela flecha de um caçador.
Passagens de Cecília Meireles
133 resultadosMúsica
Noite perdida,
não te lamento:
embarco a vidano pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,puro e sem nada,
– rosa encarnada,
intacta, ao vento.Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,e ressuscitada…
(Asa da lua
quase parada,mostra-me a sua
sombra escondida,
que continuaa minha vida
num chão profundo!
– raiz prendidaa um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,muda alvorada
que o pensamento
deixa confiadaao tempo lento…
Minha partida,
minha chegada,é tudo vento…
Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada…
Chorei pelas gentes perdidas de loucura e orgulho. Depois por minhas visões, por meus gestos. E, finalmente, por nós dois.
Quero ver-te à luz do dia
para saber se é verdade
o que a noite me dizia
com tanta seguridade.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio
E minha alma, sem luz nem tenda, passa errante, na noite má, à procura de quem me entenda e de quem me consolará…
Toda vez que um justo grita, um carrasco vem calar. Quem não presta fica vivo, quem é bom, mandam matar.
Eu? Bebo o horizonte!
Chorarei quando for preciso… Depois, tudo estará perfeito… Meus olhos secos como pedra.
Eu quero a memória acesa depois da angústia apagada.
Rimance
Onde é que dói na minha vida,
para que eu me sinta tão mal?
quem foi que me deixou ferida
de ferimento tão mortal?Eu parei diante da paisagem:
e levava uma flor na mão.
Eu parei diante da paisagem
procurando um nome de imagem
para dar à minha canção.Nunca existiu sonho tão puro
como o da minha timidez.
Nunca existiu sonho tão puro,
nem também destino tão duro
como o que para mim se fez.Estou caída num vale aberto,
entre serras que não têm fim.
Estou caída num vale aberto:
nunca ninguém passará perto,
nem terá notícias de mim.Eu sinto que não tarda a morte,
e só há por mim esta flor;
eu sinto que não tarda a morte
e não sei como é que suporte
tanta solidão sem pavor.E sofro mais ouvindo um rio
que ao longe canta pelo chão,
que deve ser límpido e frio,
mas sem dó nem recordação,
como a voz cujo murmúrio
morrerá com o meu coração…
Tenho fases, como a Lua; fases de ser sozinha, fases de ser só sua.
Acima de nós, em redor de nós as palavras voam e às vezes pousam.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.
Assovio
Ninguém abra a sua porta
para ver que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu:
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.Vou pelo braço da noite,
levando tudo que é meu:
— a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.
Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
Não te Fies do Tempo nem da Eternidade
Não te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo…
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo…
É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.
Liberdade, essa que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.