Regresso ao Lar
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!…
Foi há vinte?… Há trinta?… Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!…Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida…
Só achei enganos, decepções, pesar…
Oh, a ingénua alma tão desiludida!…
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!…Trago de amargura o coração desfeito…
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!…
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!…Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!…
Minha velha ama, sou um pobrezinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!…Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!…), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!…Canta-me cantigas manso, muito manso…
tristes, muito tristes, como à noite o mar…
Exclamativos
2657 resultadosParece Que Nasceste, Oh! Pálida Divina
Parece que nasceste, oh! pálida divina,
Para seres o farol, a luz das puras almas!…
Parece que ao estridor, ao frêmito das palmas
Exalças-te feliz a plaga cristalina!…Parece que se partem, angélica Bambina,
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas,
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas
Transmutas em vulcão, em raio que fulmina!…E quando majestosa, em lance sublimado
Dardejas do olhar, olímpico, sagrado
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!…Então sente-se n’alma o trêmulo nervoso
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso
Nos grossos vagalhões, indômitos, frementes!!…
Tarde De Música
Só Schumann, meu Amor! Serenidade…
Não assustes os sonhos…Ah! não varras
As quimeras…Amor, senão esbarras
Na minha vaga imaterialidade…Liszt, agora o brilhante; o piano arde…
Beijos alados…ecos de fanfarras…
Pétalas dos teus dedos feitos garras…
Como cai em pó de oiro o ar da tarde!Eu olhava para ti…”é lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
— Havia rosas cor-de-rosa aos molhos —Falavas de Liszt e eu…da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos…
Ser Pontual
Não sou pontual, porque não sinto os sofrimentos da espera. Espero que nem um boi. Porque se eu sinto uma finalidade na minha existência actual, mesmo que seja muito incerta, sinto-me na minha fraqueza tão vaidoso que era capaz de aguentar tudo só para ter esta finalidade à minha frente. Mesmo se estivesse apaixonado, o que eu então não faria! Quanto tempo não esperei, há anos, debaixo das arcadas do Ring até M. passar, mesmo para a ver andar com o namorado. Tenho chegado atrasado a encontros em parte por descuido, em parte pela minha ignorância dos sofrimentos da espera, mas também em parte para obter novas e complicadas finalidades através de uma busca renovada e incerta da pessoa com quem tinha combinado o encontro, e assim conseguir a possibilidade de uma espera incerta e longa. Pelo facto de eu em criança ter um medo terrível de esperar por alguém, poderia concluir-se que estava destinado a qualquer coisa melhor e que previa o meu futuro.
Gênio Das Trevas Lúgubres, Acolhe-me
Gênio das trevas lúgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e à ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tênebras recolhe-me!Aqui há muita luz e muita aurora,
Há perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,E as trevas moram, e, onde d’água raso
O olhar não trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que é o meu ocaso!
Amor
Mulher, teria sido teu filho, para beber-te
o leite dos seios como de um manancial,
para olhar-te e sentir-te a meu lado e ter-te
no riso de ouro e na voz de cristal.Para sentir-te nas veias como Deus num rio
e adorar-te nos ossos tristes de pó e cal,
para que sem esforço teu ser pelo meu passasse
e saísse na estrofe – limpo de todo o mal -.Como saberia amar-te, mulher, como saberia
amar-te, amar-te como nunca soube ninguém!
Morrer e todavia
amar-te mais.
E todavia
amar-te mais
e mais.Tradução de Rui Lage
Cruzada Nova
Vamos saber das almas os segredos,
Os círculos patéticos da Vida,
Dar-lhes a luz do Amor compadecida
E defendê-las dos secretos medos.Vamos fazer dos áridos rochedos
Manar a água lustral e apetecida,
Pelos ansiosos corações bebida
No silêncio e na sombra d’arvoredos.Essas irmãs furtivas das estrelas,
Se não formos depressa defendê-las,
Morrerão sem encanto e sem carinho.Paladinos da límpida Cruzada!
Conquistemos, sem lança e sem espada,
As almas que encontrarmos no Caminho.
Que Aziago que Foi, que Dia Infausto
Que aziago que foi, que dia infausto
Aquele, em que vi tua formosura!
Em que cheio de amor e de ternura
Esta alma te ofertei em holocausto!
Teus olhos m’o fizeram ter por fausto,
Teus belos olhos cheios de doçura,
Mas logo me fez ver minha loucura
Teu peito de rigores nunca exausto.
Ai! e quão mesquinho é, quão desgraçado
Aquele, que como as mostras vão se engana
De um angélico rosto sossegado!Pois mil vezes encobre a vista humana
Qual áspide cruel florido prado,
Um coração uma alma desumana.
Volúpia Imortal
Cuidas que o genesíaco prazer,
Fome do átomo e eurítmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!Surdos destarte a apóstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorções sensuais,Haurindo o gás sulfídrico das covas,
Com essa volúpia das ossadas novas
Hão de ainda se apertar cada vez mais!
Vícios de Corpo e Alma
Se descobrires em ti um ponto fraco, em vez de o dissimulares reduz-te às tuas próprias dimensões e corrige-te. Ah!, se a alma tivesse de combater só o corpo ?! Porque ela também tem as suas inclinações viciosas e é necessário que uma das suas partes – a mais pequena, mas ao mesmo tempo a mais divina – combata a outra, sem cessar. Todas as paixões do corpo são vis. As da alma, que são vis, tornam-se verdadeiros cancros: a inveja, etc. A cobardia é tão vil que deve ser comum a ambos.
Gata Angorá
Sobre a almofada rica e em veludo estofada
caprichosa e indolente como uma odalisca
ela estira seu corpo de pelúcia, – e risca
um estranho bordado ao centro da almofada…Mal eu chego, ela vem… ( nunca a encontrei arisca)
-sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada
como uma pluma solta, pelo chão deixada,
e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca!Mal eu chego, ela vem… lânguida, preguiçosa,
roçar pelos meus pés a pelúcia prata,
como a implorar carícias, tímida e medrosa…E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer,
– que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata
traz no corpo escondida uma alma de mulher!
Ode à Paz
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
Na Casa Defronte
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não sou eu.As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.Que grande felicidade não ser eu!
Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.Nada! Não sei…
Um nada que dói…
Em Memória de Angélica
Quantas vidas possíveis já descansam
Nesta bem pobre e diminuta morte,
Quantas vidas possíveis que outra sorte
Daria ao esquecimento ou à lembrança!Quando eu morrer, morrerá um passado;
Com esta flor, morreu só um futuro
Nas águas que o ignoram, o mais puro
Porvir hoje pios astros arrasado.Eu, como ela, morro em infinitos
Destinos que já não me oferece o acaso;
Procura a minha sombra os gastos mitosDe uma pátria que sempre deu a face.
Um breve mármore diz a sua memória;
Sobre nós todos cresce, atroz, a história.
Soneto X
Vendo da peste o bárbaro flagelo
Mil vidas a ceifar a cada instante,
D’África deixa o solo distante
E veio no Brasil curar Otelo.O semblante imposto negro-amarelo
Cresta do orgulho a chama crepitante,
Traz cheia de vidrinhos o turbante,
E buído punhal por escalpelo.Homeopata é, e o albergue puro
Do puro Martins busca e diz-lhe ardido:
“Doutor, eu quero ter vosso futuro.”— Bravo! grita o Martins enternecido;
Pelas cinzas de Hahnemann te juro
Que não hás de morrer desconhecido.
Vai a Fresca Manhã Alvorecendo
Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.Veio a noite os objectos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
fui coa ausência da luz esmorecendo.Neste espaço, em que dorme a Natureza.
porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!
Desponta A Estrela D’alva, A Noite Morre.
Desponta a estrela d’alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!Porém minh’alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
– Oh! mundo encantador, tu és medonho!
Os Dois
Aos pobres
— Minha mãe, minha mãe, quanta grandeza
Nesses plácidos, quanta majestade;
Como essa gente há de viver, como há de
Ser grande sempre na feliz riqueza.Nem uma lágrima sequer — e à mesa
D’entre as baixelas, d’entre a imensidade
Da prata e do ouro — a azul felicidade
Dos bons manjares de ótima surpresa.Nem um instante os olhos rasos d’água,
Nem a ligeira oscilação da mágoa
Na vida farta de prazer, sonora.— Como o teu louco pensamento expandes
Filho — a ventura não é só dos grandes
Porque, olha, o mar também é grande e… chore!
Caminho Monótono
E por que hei de negar?…Ah! o encanto da estrada
abrindo em cada curva um leque de paisagem,
e o mistério da casa escondida e encantada
que mora sob a sombra amiga da folhagemE por que hei de negar? Se isso é a vida passada;
se o fastio espantou o encanto da miragem
Hoje – o olhar distraído, e a alma já cansada
repetem todo dia e sempre a mesma viagemE por que hei de negar? Ah! Aquelas ânsias loucas
dos beijos que cantavam sempre em nossas bocas
e das mãos, não sabendo nunca onde pousar…Hoje… por mais que venhas, sempre estou sozinho…
E por que hei de negar? Se teu corpo é um caminho
onde de olhos fechados posso caminhar?…
No Mar em que de Novo Amor me Guia
No mar em que de novo amor me guia,
O mais seguro porto é dar à costa;
Aonde todos se perdem, aí está posta
Minha salvação, aí me salvaria.Só fé me há-de salvar nesta porfia
Do vento, que contrário vem de aposta;
E pois sua mor perda é dar à costa
Comigo, eu com Costa me queria.Que vai já o querer, aonde a ventura
Criou tão desigual merecimento?
Valha-me pura fé, vontade pura!Valha-me navegar meu pensamento
Com tal estrela, cuja formosura
Abranda o duro mar de meu tormento.