No Crepusculo

Nasce a luz do luar dos derradeiros,
Êrmos, soturnos pincaros sósinhos…
Andam sombras no ar e murmurinhos
E vagidos de luz… e os Pegureiros
Descem, cantando, a encosta dos outeiros…

Tangendo amenas frautas amorosas,
Seus vultos, no crepusculo, desmaiam
E assim como os seus canticos, se espraiam
Em ondas de emoção. As fragarosas
Quebradas que o luar beija, misteriosas
Furnas, boccas de terra, murmurantes,
Arvoredos extaticos orando,
Rochedos, na penumbra, meditando,
Desfeitos em ternura, esvoaçantes,
Pairam tambem no espaço comovido,
Das primeiras estrelas já ferido,
Todo em luar e sombra amortalhado…

E eu choro sobre um monte abandonado…

E o Phantasma divino da Creança,
Sombra de Anjinho em flor,
Nos longes dos meus olhos aparece,
Como se, por ventura, ele nascesse
Da minha incerta e trémula esperança,
E não da minha firme e eterna dôr!

E choro; e alem das lagrimas, eu vejo
Aquele dôce Vulto pequenino,
Em seu leito de morte e soffrimento;
Jesus martirisado, inda Menino…
E é como cinza morte o meu desejo
E como extinta luz meu pensamento!

Depois, a sua Imagem soffredôra
Regressa á Vida, veste-se de aurora;
Os seus labios sorriem para mim…
E aquelles verdes olhos cristalinos
Abrem-se radiosos e divinos,
E vejo-o então brincar no meu jardim!

Vejo-o como ele foi, como ele existe
No coração da Mãe por toda a vida!
Anjinho tutelar da nossa casa!
A divina Esperança florescida,
Brilhando além de tudo quanto é triste…
Longinquo Alivio, protectora Asa!

Mas de que serve? Eu choro sem descanço,
No meio da tristêsa indiferente
Das Cousas que têm a alma sempre ausente…

Só eu na minha dôr nunca me canço.

Ó brutêsa das Cousas! No infinito
E gélido silencio, eu ouço um grito!
Na funda solidão que me rodeia,
Um sêr apenas, tétrico, vagueia…

Quem grita? O meu espirito. E que importa?
É ele a errar no mundo solitario,
Sem principio nem fim, sem pae nem mãe!

Ó céu indiferente! Ó terra morta!
Ó grito de Jesus sobre o Calvario,
A subir no Infinito, cada vez
Mais cercado de tragica mudez,
Mas afflicto, mais alto, mais além!…

Cousas que já fizestes companhia
A este espirito meu que, em vós, se via,
Porque me abandonastes? Êrmo Vento,
Insonia do ar correndo o Firmamento,
Só vejo, em ti, loucura inanimada,
Revolta inconsciencia destruidora!

Alta estrela, na noite, incendiada,
Passarinhos do céu, cantos da aurora,
Já não palpita em vós meu coração…
Sois o silencio, a treva, a solidão.

Além de mim já nada avisto. As cousas,
Arvores, nuvens, serras pedregosas,
São penumbras que á luz do meu olhar
Se dissipam, de subito, no ar.

De tal forma meu sêr se concentrou
Na visão da Creança, que além d’ela,
Não vejo flôr ou ave ou luz de estrela,
Limpido céu azul, verde paisagem!
Dir-se-á que o seu Espectro reencarnou
Em mim, – que não sou mais que a sua Imagem!