A Verdadeira Generosidade
Observo em nós apenas uma única coisa que nos pode dar justa razão para nos estimarmos, a saber: o uso do nosso livre-arbítrio e o domínio que temos sobre as nossas vontades. Pois as acções que dependem desse livre-arbítrio são as únicas pelas quais podemos com razão ser louvados ou censurados, e ele torna-nos de alguma forma semelhante a Deus ao fazer-nos senhores de nós mesmos, desde que por cobardia não percamos os direitos que nos dá.
Assim, creio que a verdadeira generosidade, que faz um homem estimar-se a si mesmo no mais alto grau em que pode legitimamente estimar-se, consiste somente, por uma parte, em que ele sabe que não há algo que realmente lhe pertença a não ser essa livre disposição das suas vontades, nem por que ele deva ser louvado ou censurado a não ser porque faz bom ou mau uso dela; e, por outra parte, em que ele sente em si mesmo uma firme e constante resolução de fazer bom uso dela, isto é, de nunca deixar de ter vontade para empreender e executar todas as coisas que julgar serem as melhores. Isso é seguir perfeitamente a virtude.Nota: O latim generosus designa o homem ou animal que é de boa raça.
Passagens sobre Alma
2567 resultadosDesejo
Oh! quem nos teus braços pudera ditoso
No mundo viver,
Do mundo esquecido no lânguido gozo
D’infindo prazer.Sentir os teus olhos serenos, em calma,
Falando d’além,
D’além! duma vida que sonha minha alma,
Que a terra não tem.Eu dera este mundo, com tudo o que encerra
Por tal galardão:
Tesouros, e glórias, os tronos da terra,
Que valem, que são?A sede que eu tenho não morre apagada
Com tal aridez:
Pudesse eu ganhá-los, e iria seu nada
Depor a teus pés.E só desejando mais doce vitória,
Dizer-te: eis aqui
Meu ceptro e ciência, tesouros e glória:
Ganhei-os por ti.A vida, essa mesma daria contente,
Sem pena, sem dor,
Se um dia embalasses, um dia somente,
Meu sonho d’amor.Isenta do laço que ao mundo nos prende,
A vida que vale?
A vida é só vida se o amor nela acende
Seu doce fanal.Aos mundos que eu sonho pudesse eu contigo,
Voando, subir;
Depois que importava? depois no jazigo
Sorrira ao cair.
O Soneto
Nas formas voluptuosas o soneto
Tem fascinante, cálida fragrância
E as leves, langues curvas de elegância
De extravagante e mórbido esqueleto.A graça nobre e grave do quarteto
Recebe a original intolerância,
Toda a sutil, secreta extravagância
Que transborda terceto por terceto.E como um singular polichinelo
Ondula, ondeia, curioso e belo,
O Soneto , nas formas caprichosas.As rimas dão-lhe a púrpura vetusta
E nas mais rara procissão augusta
Surge o Sonho das almas dolorosas…
Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida – e não aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar a sua humilhação é consentir na humilhação do seu próprio Deus.
A saudade não está na distância das coisas, mas numa súbita fractura de nós, num quebrar de alma em que todas as coisas se afundam.
Para os Deuses as Coisas São Mais Coisas
Para os deuses as coisas são mais coisas.
Não mais longe eles vêem, mas mais claro
Na certa Natureza
E a contornada vida…
Não no vago que mal vêem
Orla misteriosamente os seres,
Mas nos detalhes claros
Estão seus olhos.
A Natureza é só uma superfície.
Na sua superfície ela é profunda
E tudo contém muito
Se os olhos bem olharem.
Aprende, pois, tu, das cristãs angústias,
Ó traidor à multíplice presença
Dos deuses, a não teres
Véus nos olhos nem na alma.
Soneto XV
Triste do que em tristeza passa o dia,
Feliz porém, se a passa, e enfim lhe passa,
Mas quem ventura teve tão escassa
Que em nada ache prazer nem alegria.Nos ais, alívio tem quem n’alma os cria,
A quem em trevas vive, a luz dá graça,
Há quem do fogo e Sol se satisfaça,
E quem se satisfaça d’água fria.Restaura o ar, na calma, o fraco alento,
Conforta o cheiro de ua flor suave,
Convida a sombra, a erva a grato assento,Suspende da Ave o canto a pena grave;
Ai que não aliviam meu termento
Ais, luz, Sol, fogo, água, ar, flor, sombra, erva, Ave.
Sentimentos Carnais
Sentimentos carnais, esses que agitam
Todo o teu ser e o tornam convulsivo…
Sentimentos indômitos que gritam
Na febre intensa de um desejo altivo.Ânsias mortais, angústias que palpitam,
Vãs dilacerações de um sonho esquivo,
Perdido, errante, pelos céus, que fitam
Do alto, nas almas, o tormento vivo.Vãs dilacerações de um Sonho estranho,
Errante, como ovelhas de um rebanho,
Na noite de hóstias de astros constelada…Errante, errante, ao turbilhão dos ventos,
Sentimentos carnais, vãos sentimentos
De chama pelos tempos apagada…
Regresso ao Lar
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!…
Foi há vinte?… Há trinta?… Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!…Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida…
Só achei enganos, decepções, pesar…
Oh, a ingénua alma tão desiludida!…
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!…Trago de amargura o coração desfeito…
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!…
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!…Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!…
Minha velha ama, sou um pobrezinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!…Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!…), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!…Canta-me cantigas manso, muito manso…
tristes, muito tristes, como à noite o mar…
Parece Que Nasceste, Oh! Pálida Divina
Parece que nasceste, oh! pálida divina,
Para seres o farol, a luz das puras almas!…
Parece que ao estridor, ao frêmito das palmas
Exalças-te feliz a plaga cristalina!…Parece que se partem, angélica Bambina,
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas,
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas
Transmutas em vulcão, em raio que fulmina!…E quando majestosa, em lance sublimado
Dardejas do olhar, olímpico, sagrado
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!…Então sente-se n’alma o trêmulo nervoso
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso
Nos grossos vagalhões, indômitos, frementes!!…
Gênio Das Trevas Lúgubres, Acolhe-me
Gênio das trevas lúgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e à ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tênebras recolhe-me!Aqui há muita luz e muita aurora,
Há perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,E as trevas moram, e, onde d’água raso
O olhar não trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que é o meu ocaso!
Não existe pureza quando se fala da espécie humana. Não há economia actual que não se alicerce em trocas. Pois não há cultura humana que não se fundamente em profundas trocas de alma.
Cruzada Nova
Vamos saber das almas os segredos,
Os círculos patéticos da Vida,
Dar-lhes a luz do Amor compadecida
E defendê-las dos secretos medos.Vamos fazer dos áridos rochedos
Manar a água lustral e apetecida,
Pelos ansiosos corações bebida
No silêncio e na sombra d’arvoredos.Essas irmãs furtivas das estrelas,
Se não formos depressa defendê-las,
Morrerão sem encanto e sem carinho.Paladinos da límpida Cruzada!
Conquistemos, sem lança e sem espada,
As almas que encontrarmos no Caminho.
Que Aziago que Foi, que Dia Infausto
Que aziago que foi, que dia infausto
Aquele, em que vi tua formosura!
Em que cheio de amor e de ternura
Esta alma te ofertei em holocausto!
Teus olhos m’o fizeram ter por fausto,
Teus belos olhos cheios de doçura,
Mas logo me fez ver minha loucura
Teu peito de rigores nunca exausto.
Ai! e quão mesquinho é, quão desgraçado
Aquele, que como as mostras vão se engana
De um angélico rosto sossegado!Pois mil vezes encobre a vista humana
Qual áspide cruel florido prado,
Um coração uma alma desumana.
Conceitos de Perfeição
Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita. A cada modo de a ter por imperfeita corresponderá, por contraste e semelhança, um conceito de perfeição. É a esse conceito de perfeição que se dá o nome de ideal.
Por muitas que pareça que devem ser as maneiras por que se pode ter a vida por imperfeita, elas são, fundamentalmente, apenas três. Com efeito, há só três conceitos possíveis de imperfeição, e, portanto, da perfeição que se lhe opõe.Podemos ter qualquer coisa por imperfeita simplesmente por ela ser imperfeita; é a imperfeição que imputamos a um artefacto mal fabricado. Podemos, por contra, tê-la por imperfeita porque a imperfeição resida, não na realização, senão na essência. Será quantitativa ou qualitativa a diferença entre a essência dessa coisa imperfeita e a essência do que consideramos perfeição; quantitativa como se disséssemos da noite, comparando-a ao dia, que é imperfeita porque é menos clara; qualitativa como se, no mesmo caso, disséssemos que a noite é imperfeita porque é o contrário do dia.
Pelo primeiro destes critérios, aplicando-o ao conjunto da vida,
Vícios de Corpo e Alma
Se descobrires em ti um ponto fraco, em vez de o dissimulares reduz-te às tuas próprias dimensões e corrige-te. Ah!, se a alma tivesse de combater só o corpo ?! Porque ela também tem as suas inclinações viciosas e é necessário que uma das suas partes – a mais pequena, mas ao mesmo tempo a mais divina – combata a outra, sem cessar. Todas as paixões do corpo são vis. As da alma, que são vis, tornam-se verdadeiros cancros: a inveja, etc. A cobardia é tão vil que deve ser comum a ambos.
O Afecto não é Real
O afecto é um fabricante de ilusões, e quem quer que deseje o real deverá ser uma pessoa desinteressada. A partir do momento que sabemos que uma coisa é real, já não conseguimos estar ligados a ela.
O afecto não é mais do que a insuficiência do sentimento da realidade. Estamos envolvidos com a posse de uma coisa porque acreditamos que se deixarmos de a possuir, ela deixa de ser. Muitas são as pessoas que não sentem, com toda a sua alma, que existe uma diferença absoluta entre a destruição de uma cidade e o seu exílio irremediável longe desta mesma cidade.
Gata Angorá
Sobre a almofada rica e em veludo estofada
caprichosa e indolente como uma odalisca
ela estira seu corpo de pelúcia, – e risca
um estranho bordado ao centro da almofada…Mal eu chego, ela vem… ( nunca a encontrei arisca)
-sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada
como uma pluma solta, pelo chão deixada,
e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca!Mal eu chego, ela vem… lânguida, preguiçosa,
roçar pelos meus pés a pelúcia prata,
como a implorar carícias, tímida e medrosa…E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer,
– que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata
traz no corpo escondida uma alma de mulher!
No País
no país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obscenoe no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho
ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames indestrutíveis
para que eu escreva com ela, só até à ilharga,
a grande história do amor só até ao pescoçoe no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma – ora aí está –
não é outro senão a divina criança (prometida)
uso os meus olhos grandes bons e abertos
e vejo a noite (on ne passe pas)
diz que grandeza de alma.
Vivemos Para os Momentos Futuros, e Não o Presente
A ânsia de matar tempo, de liquidar o espaço de dias entre um acontecimento e o que lhe sucede, transmite, tanto em casos de amor como em outros, fins importantes, um estado de alma que se preocupa exclusivamente em atingir esse alvo previamente estabelecido. Não se pensa em mais nada. Semelhante à situação criada quando se sabe de antemão que se vai encontrar determinada pessoa que nos interessa muito. Fica-se incapaz de articular palavra, de estreitar vínculo com quem quer que seja que se nos atravesse no caminho. Está-se a viver em outrem, num estado fora da relação humana do dia a dia. Nem sequer ouvimos os sons, arrepiamos a pele ao tomar conhecimento consciente de notícias que já sabíamos de antemão pertencerem ao domínio público. Esta é também a ânsia do suicida que nada mais faz entre a decisão de cometer o homicídio e a prática do acto extremo.