No embalo do vento palmeiras se abraçam: dois amantes?
Passagens sobre Vento
818 resultadosO Amor em Visita
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,
Ali
Ali sofreste. Ali amaste.
Ali é a pedra do teu lar.
Ali é o teu, bem teu lugar.
Ali a praça onde jogaste
o que o destino te quis dar.Ali ficou tua pegada
impressa, firme, sobre o chão.
Ninguém a vê sob o montão
de cinza fria e poeirada?
Distingue-a, sim, teu coração.Podem talvez o vento, a neve,
roubar a flor que tu criaste?
Ali sofreste. Ali amaste.
Ali sentiste a vida breve.
Ali sorriste. Ali choraste.
Grandeza do Homem
Somos a grande ilha do silêncio de deus
Chovam as estações soprem os ventos
jamais hão-de passar das margens
Caia mesmo uma bota cardada
no grande reduto de deus e não conseguirá
desvanecer a primitiva pegada
É esta a grande humildade a pequena
e pobre grandeza do homem
Eleição
Sou eu e ela, aqui no bairro. Sós,
Quando o luar me acorda e lhe prateia o lombo,
Cantamos nós,
Eu um poema agudo, e ela um rombo.Rã, como a gerou a natureza,
Homem, porque eu assim o quis,
Somos os dois poetas da tristeza
Que há na gente infeliz.Não era terra que a poesia olhasse
O lodo de que é feita e de que sou;
Mas a semente nasce
Onde o vento a deixou…
A fama que se adquire no mundo não passa de um sopro
de vento, que ora vem de uma parte, ora de outra,
e assume um nome diferente segundo a direcção de onde sopra.
Quem tem dinheiro, vela com um vento favorável.
Visão Dezasseis
Deixando nele marcas como se estivesse dentro
de um círculo de fogo. Ou como um assassino
emparedado na cal a quem lançassem musgo
até à morte. Há ali um espaço solto, o sítio onde
os pássaros devoram os peixes. E uma zona escura
com um manto redondo tapando a luz, uma espécie
de cegueira em cujo centro existe um castanheiro
e uma caixa vazia. Um papel voa, desliza junto
a um muro e é daí que a música se espalha presa a
um fio de cobre. É nesse momento que a imagem
dela se forma e se despedaça. O seu corpo
é agora o vento.
Respiro e Vejo
Respiro e vejo. A noite e cada sol
vão rompendo de mim a todo o instante,
tarde e manhã que são tecido tempo,
chuva e colheita. O céu, repouso e vento.Vergel de aves. Vou entre viveiros,
a caçar com o olhar, passarinhagem
dos pequeninos sóis e das estrelas
que emigram neste céu de goiabeiras.mas sigo a jardinagem, podo o tempo,
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo,
as florações da luz e da cegueira.E, no dia, suspensa cachoeira,
neste jogo sagrado, vivo e vejo
o que veio em meus olhos desenhado.
Música
A música vinha duma mansidão de consciência
era como que uma cadeira sentada sem
um não falar de coisa alguma com a palavra por baixo
nada fazia prever que o vento fosse de azul para cima
e que a pose uma nostalgia de movimento deambulante
era-se como se tudo por cima duma vontade de fazer uma asa
nós não movimentamos o espaço mas a vida erige a cifra
constrói por dentro um vocábulo sem se saber
como o que será
era um sinal que vinha duma atmosfera simplificante
silêncio como um pássaro caído a falar do comprimento.
Idílio
Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalidecesO vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.
Rajada
Abram-se as portas do inferno
para o meu amor!
Rasgue-se a terra num rugido eterno
para solver a minha dor!…Trágica cavalgada
do meu pensamento!
Tu andas batalhando o meu tormento
Num rumor de maldição!Oh rajada infernal!
leva-me o coração,
onde vibra a agonia do meu mal…E se amarrada à minha cruz de fogo,
nesta ânsia rubra, eu não vencer a Dor,
dispersa seja a queixa do meu rogo!
– E que o vento e as ondas,
a fiquem gritando
num eterno clamor!…
Para Sempre
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Amigo do bom tempo, muda-se com o vento.
Guerra
São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Via-os chegar, às tardes, comovidos,
nupciais e trementes
do enlace da Vida com os sentidos.Estiveram no meu colo, sonolentos.
Contei-lhes muitas lendas e poemas.
Às vezes, perguntavam por algemas.
Respondia-lhes: mar, astros e ventos.Alguns, os mais ousados, os mais loucos,
desejavam a luta, o caos, a guerra.
Outros sonhavam e acordavam roucos
de gritar contra os muros que há na Terra.São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Nove meses de esperança, lua a lua.Grandes barcos os levam, lentamente…
Corro atrás do tempo Vim de não sei onde Devagar é que não se vai longe Eu semeio o vento Na minha cidade Vou pra rua e bebo a tempestade
Até Amanhã
Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.
A Ronda Noturna
Noite cerrada, tormentosa, escura,
Lá fora. Dormem em trevas o convento.
Queda imoto o arvoredo. Não fulgura
Uma estrela no torvo firmamento.Dentro é tudo mudez. Flébil murmura,
De espaço a espaço, entanto, a voz do vento:
E há um rasgar de sudários pela altura,
Passo de espectros pelo pavimento…Mas, de súbito, os gonzos das pesadas
Portas rangem… Ecoa surdamente
Leve rumor de vozes abafadas.E, ao clarão de uma lâmpada tremente,
Do claustro sob as tácitas arcadas
Passa a ronda noturna, lentamente…
Coração Confiante
O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo…
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no Caminho.Vai no alvoroço, no celeste vinho
Da luz os bosques acordando cedo,
Quando de cada trêmulo arvoredo
Parte o sonoro e matinal carinho.E o Coração vai nobre e vai confiante,
Festivo como a flâmula radiante
Agitada bizarra pelos ventos…Vai palpitando, ardente, emocionado
O velho Coração arrebatado,
Prerso por loucos arrebatamentos!
Se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável.