Quando há vento é que se aventeja.
Passagens sobre Vento
818 resultadosAbraça-me
Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.
Nenhuma outra Viajará pela Sombra Comigo
Já és minha. Repousa com teu sono no meu sono.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite em suas rodas invisíveis
e ao meu lado és pura como o âmbar adormecido.Nenhuma outra, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma outra viajará pela sombra comigo,
apenas tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves signos sem rumo,
teus olhos fecharam-se como duas asas cinzentas,enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento fiam o seu destino,
e sem ti já não sou senão apenas o teu sonho.
Saudades
Serei eu alguma hora tão ditoso,
Que os cabelos, que amor laços fazia,
Por prémio de o esperar, veja algum dia
Soltos ao brando vento buliçoso?Verei os olhos, donde o sol formoso
As portas da manhã mais cedo abria,
Mas, em chegando a vê-los, se partia
Ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso?Verei a limpa testa, a quem a Aurora
Graça sempre pediu? E os brancos dentes,
por quem trocara as pérolas que chora?Mas que espero de ver dias contentes,
Se para se pagar de gosto uma hora,
Não bastam mil idades diferentes?
Soneto XVIII
Quem quiser que seus ais o vento leve,
Quem quiser levantar nas águas torre,
Quem semear nas praias onde morre
E onde jamais ser o trigo teve.Morra por vós, que na constância breve
Sois como folha, que c’o vento corre
Só constante em meu mal, porque me forre
De cuidar que sereis ‘té nisto leve.Suspiros de minha alma a quem vos dei,
Dei-vos suspiros meus ao leve vento?
Que foi de vós ó lágrimas cansadas?Assaz pago fiquei com meu tormento,
Já que outro bem por vós não alcancei,
O bem me fica de vos ter choradas.
Soneto Das Alturas
As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar não deságua, nem no rio.Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente é no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidão deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.E embora nada atinja, não se acalma
e, sendo alma, transpõe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefável e não o vento.
Aspiração
Sinto que há na minha alma um vácuo imenso e fundo,
E desta meia morte o frio olhar do mundo
Não vê o que há de triste e de real em mim;
Muita vez, ó poeta, a dor é casta assim;
Refolha-se, não diz no rosto o que ela é,
E nem que o revelasse, o vulgo não põe fé
Nas tristes comoções da verde mocidade,
E responde sorrindo à cruel realidade.Não assim tu, ó alma, ó coração amigo;
Nu, como a consciência, abro-me aqui contigo;
Tu que corres, como eu, na vereda fatal
Em busca do mesmo alvo e do mesmo ideal.
Deixemos que ela ria, a turba ignara e vã;
Nossas almas a sós, como irmã junto a irmã,
Em santa comunhão, sem cárcere, sem véus.
Conversarão no espaço e mais perto de Deus.Deus quando abre ao poeta as portas desta vida
Não lhe depara o gozo e a glória apetecida;
Tarja de luto a folha em que lhe deixa escritas
A suprema saudade e as dores infinitas.
Alma errante e perdida em um fatal desterro,
O vento não se mexe, nem respira ;
Deixam de namorar-se os passarinhos,
Para me ouvir chorar ao som da lira.
O Mar, A Escada E O Homem
“Olha agora, mamífero inferior,
“A luz da epicurista ataraxia,
“O fracasso de tua geografia
“E de teu escafandro esmiuçador!“Ah! jamais saberás ser superior,
“Homem, a mim, conquanto ainda hoje em dia,
“Com a ampla hélice auxiliar com que outrora ia
“Voando ao vento o vastíssimo vapor,“Rasgue a água hórrida a nau árdega e singre-me!”
E a verticalidade da Escada íngreme:
“Homem, já transpuseste os meus degraus?!”E Augusto, o Hércules, o Homem, aos soluços,
Ouvindo a Escada e o Mar, caiu de bruços
No pandemônio aterrador do Caos!
As vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.
Amo-te Sempre
Amo-te sempre
com um pouco de barco e de vento
com uma humildade de mar à tua volta
dentro do meu corpo; com o desespero
de ser tempo;com um pouco de sol e uma fonte
adormecida na ternura.Merecer este minuto de palavras habitando
o que há sem fim no teu retrato;
Este mesmo minuto em que chegam e partem navios
– nesta mesma cidade deste
minuto, desta língua, deste
romance diário dos teus olhos –(e chegarão com armas? refugiados? trigo?
partirão com noivas? missionários? guerras? discursos?)Merecer a densa beleza do teu corpo
que tem água e ternura, células, penumbra,
que dormiu no berço, dormiu na memória,
que teve soluços, febre, e absurdos desejos
maiores que os braços,merecer os dias subindo das florestas – e vêm
banhar-se, lentos, nos teus olhos…Merecer a Igreja, o ajoelhar das palavras,
entre estes cinemas visitando, em duas horas, a alma,
estes eléctricos parando atrás do infinito
para subirem os namorados, a viúva, o cobrador da luz, a
costureira
entre estes homens que ganham dinheiro,
Nada Tem Sentido
Nos altos ramos de árvores frondosas
O vento faz um rumor frio e alto,
Nesta floresta, em este som me perco
E sozinho medito.Assim no mundo, acima do que sinto,
Um vento faz a vida, e a deixa, e a toma,
E nada tem sentido — nem a alma
Com que penso sozinho.
Soneto Italiano
Frescuras das sereias e do orvalho,
Graça dos brancos pes dos pequeninos,
Voz das anhãs cantando pelos sinos,
Rosa mais alta no mais alto galho:De quem me valerei, se não me valho
De ti, que tens a chave dos destinos
Em que arderam meus sonhos cristalinos
Feitos cinza que em pranto ao vento espalho?Também te vi chorar… Também sofreste
A dor de ver secarem pela estrada
As fontes da esperança… E não cedeste!Antes, pobre, despida e trespassada,
Soubeste dar à vida, em que morreste,
Tudo – à vida, que nunca te deu nada!
Canção da Inocência Perdida
1
O que a minha mãe dizia
Não pode ser bem verdade:
Que uma vez emporcalhada
Nunca passa a sujidade.
Se isto não vale pra a roupa
Também não vale pra mim.
Que o rio lhe passe por cima
Breve fica branca, assim.2
Como qualquer pataqueira
Aos onze anos já pecava.
Mas só ao fazer catorze
O meu corpo castigava.
A roupa já estava parda,
No rio a fui mergulhar.
No cesto está virginal
C’mo sem ninguém lhe tocar.3
Sem ter conhecido algum
Já eu tinha escorregado.
Fedia aos Céus, como uma
Babilónia de pecado.
A roupa branca no rio
Enxaguada à roda, à roda,
Sente que as ondas a beijam:
«Volta-me a brancura toda».4
Quando o primeiro me amou
Abracei-o eu também.
Senti no ventre e no peito
Ir-se a maldade pra além.
Assim acontece à roupa
E a mim acontecerá.
A água corre depressa,
Sujidade diz: Vem cá!5
Mas quando os outros vieram
Um ano mau começou.
O Amor no Chão
O vento da outra noite derrubou o Amor
Que, no mais misterioso recanto do parque,
Nos sorria, ao esticar malignamente o arco,
E cujo ar nos fez meditar com fervor!O vento da outra noite derrubou-o! O mármore
com o sopro da manhã, disperso, gira. É triste
Olhar o pedestal, onde o nome do artista
Se lê com muito esforço à sombra de uma árvore,É triste ver em pé, sozinho, o pedestal!
Melancólicos vêm e vão pensamentos
No meu sonho, onde o mais profundo sofrimento
Evoca um solitário futuro fatal.É triste! — E mesmo tu, não é? ficas tocada
Plo cenário dolente, embora te divirtas
Com a borboleta rubra e de oiro, que se agita
Sobre a alameda, além, de destroços juncada.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
O amor-próprio é um balão cheio de vento, do qual saem tempestades quando o picam.
Imperfeição
Sou eu poeta? Às vezes, penso e digo,
Não sou poeta, não.
Não sou poeta porque não consigo
Vencer o que em mim há de imperfeição.Sou eu poeta? E muitas vezes penso
E sinto que o não sou.
Ser poeta é ter um voo mais extenso,
É ter um outro voo.Sou eu poeta? Às vezes isso mesmo
Me custa acreditar.
Que ser poeta é amar a vida inteira, a esmo,
E infelizmente eu não a posso amar.Sou eu poeta? Um vento de sol-posto
Passa junto a mim, numa vertigem.
E como o vento eu sofro de um desgosto
De que não sei nem saberei a origem.Mas ser poeta é qualquer coisa mais.
É ter sublimes adivinhações.
É ser, tal como são os imortais,
Da estirpe de Camões.
Se Pudesses Estar Comigo Vinte e Quatro horas do Dia
Se pudesses estar comigo durante as vinte e quatro horas do dia, observar cada gesto meu, dormir comigo, comer comigo, trabalhar comigo, tudo isto não poderia ter lugar. Quando me vejo afastado de ti, penso em ti constantemente e isso dá cor a tudo o que eu diga ou faça. Se soubesses o quão fiel te sou! Não apenas fisicamente, mas mentalmente, moralmente, espiritualmente. Aqui não há qualquer tentação para mim, absolutamente nenhuma. Estou imune a Nova Iorque, aos meus velhos amigos, ao passado, a tudo. Pela primeira vez na minha vida, estou completamente centrado em outro ser… Em ti. Sinto-me capaz de dar tudo, sem ter medo de ficar exaurido ou de me ver perdido. Quando ontem escrevi no meu artigo que «se eu nunca tivesse ido para a Europa…», não era a Europa que tinha em mente, mas sim tu.
Mas não posso dizer isso ao mundo num artigo. Tu és a Europa. Pegaste em mim, um homem despedaçado, e tornaste-me completo. E não hei-de desintegrar-me — não existe o menor perigo disso. Mas agora vejo-me mais sensível, mais receptivo a qualquer sinal de perigo. Se te persigo loucamente, se te imploro para ouvires, se fico à tua porta e espero por ti,
Amar é Raro
Amar é dar, derramar-me num vaso que nada retém e sou um fio de cana por onde circulam ventos e marés. Amar é aspirar as forças generosas que me rodeiam, o sol e os lumes, as fontes ubérrimas que vêm do fundo e do alto, água e ar, e derramá-las no corpo irmão, no cadinho que tudo guarda e transforma para que nada se perca e haja um equilíbrio perfeito entre o mesmo e o outro que tu iluminas. Dar tudo ao outro, dar-lhe tanta verdade quanta ele possa suportar, e mais e mais; obrigar o outro a elevar-se a um grau superior de eminência, fulguração, mas não tanto que o fira ou destrua em overdose que o leve a romper o contrato — o difícil equilíbrio dos amantes! Amar é raro porque poucos somos capazes de respirar as vastas planícies com a metade do seu pulmão; e amar é raro porque poucos aceitam a presença do seu gémeo, a boca insaciável de um irmão que todos os dias o vento esculpe e destrói.
O Fim da Civilização
Quando se extinguirá esta sociedade corrompida por todas as devassidões, devassidões de espírito, de corpo e de alma? Quando morrer esse vampiro mentiroso e hipócrita a que se chama civilização, haverá sem dúvida alegria sobre a terra; abandonar-se-á o manto real, o ceptro, os diamantes, o palácio em ruínas, a cidade a desmoronar-se, para se ir ao encontro da égua e da loba.
Depois de ter passado a vida nos palácios e gasto os pés nas lajes das grandes cidades, o homem irá morrer nos bosques. A terra estará ressequida pelos incêncios que a devastaram e coberta pela poeira dos combates; o sopro da desolação que passou sobre os homens terá passado sobre ela e só dará frutos amargos e rosas com espinhos, e as raças extinguir-se-ão no berço, como as plantas fustigadas pelos ventos, que morrem antes de ter florido.
Porque tudo tem de acabar e a terra, de tanto ser pisada, tem de gastar-se; porque a imensidão deve acabar por cansar-se desse grão de poeira que faz tanto alarido e perturba a majestade do nada. De tanto passar de mãos e de corromper, o outro esgotar-se-á; este vapor de sangue abrandará, o palácio desmoronar-se-á sob o peso das riquezas que oculta,