N. H.
Tu não és de Romeu a doce amante,
A triste Julieta, que suspira,
Solto o cabelo aos ventos ondeante,
Inquietas cordas de suspensa lira.Não és Ofélia, a virgem lacrimante,
Que ao luar nos jardins vaga e delira,
E é levada nas águas flutuante,
Como em sonho de amor que cedo expira.És a estátua de mármore de rosa;
Galatéia acordando voluptuosa
Do grego artista ao fogo de mil beijos…És a lânguida Júlia que desmaia,
És Haidéia nos côncavos da praia;
Fosse eu o Dom João dos teus desejos!…
Passagens sobre Vento
818 resultadosComo epígrafes num alfabeto indecifrável, do qual metade das letras tenham sido apagadas pelo esmeril do vento pesado de areia, assim permanecereis, perfumarias, para o homem futuro sem nariz.
Liberdade não é quebrar as formalidades. Saber ajustar-se docilmente a elas é possuir uma liberdade bem maior. As árvores altas que se opões ao vento perdem a liberdade e se quebram. Os salgueiros não se quebram com o peso da neve acumulada. A água é livre porque se acomoda a recipientes de qualquer formato.
Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.
Lembra-te que há um Querer Doloroso
Lembra-te que há um querer doloroso
E de fastio a que chamam de amor.
E outro de tulipas e de espelhos
Licencioso, indigno, a que chamam desejo.
Há o caminhar um descaminho, um arrastar-se
Em direção aos ventos, aos açoites
E um único extraordinário turbilhão.
Porque me queres sempre nos espelhos
Naquele descaminhar, no pó dos impossíveis
Se só me quero viva nas tuas veias?
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes não ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pés n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mãos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
Inscrição
Dos vastos horizontes me invocaram,
Noutras formas artísticas imersos,
Revoltos pensamentos que formaram
Todo o amor e pureza dos meus versos.Melodias que os ventos orquestraram
Foram verbo dos átomos dispersos:
Palavras que meus olhos soletraram
Num indizível sonho de universos.Foram aromas das fecundas messes:
Como se tu, ó Terra, mos dissesses
Numa profunda comunhão de mágoas.Geraram-mos os génios das Montanhas
Na sua fé de catedrais estranhas,
Na panteísta devoção das Águas.
Praia
Minha praia ardorosa e solitária
aberta ao grande vento e ao largo mar
tu me viste querer-lhe com a doce
piedade das sombras do luarteus cabos se adiantam como braços
para abraçar as ninfas receosas
que fugindo oferecem sobre as vagas
suas nítidas formas amorosasbraços paralisados por desejo
que o mundo e sua lei não permitiu
ou suspendeu amor que livre jogo
maior que posse em fugaz tempo viue como vós me alongo e como tu
areia me ofereço a toda sorte
por sua liberdade ou por destino
que por só dela seja belo e forte.
Horas Breves de Meu Contentamento
Horas breves de meu contentamento,
Nunca me pareceo, quando vos tinha,
Que vos visse tornadas tão asinha,
Em tão compridos dias de tormento.
Aquelas torres, que fundei no vento,
O vento as levou já, que as sostinha;
Do mal, que me ficou, a culpa é minha,
Que sobre coisas vãs fiz fundamento.
Amor, com rosto ledo e vista branda,
Promete quanto dele se deseja,
Tudo possível faz, tudo segura;
Mas des que dentro n’alma reina e manda,
Como na minha fez, quer que se veja
Quão fugitivo é, quão pouco dura.
As Coisas Transitórias
Irmão,
nada é eterno, nada sobrevive.
Recorda isto, e alegra-te.A nossa vida
não é só a carga dos anos.
A nossa vereda
não é só o caminho interminável.
Nenhum poeta tem o dever
de cantar a antiga canção.
A flor murcha e morre;
mas aquele que a leva
não deve chorá-la sempre…
Irmão, recorda isto, e alegra-te.Chegará um silêncio absoluto,
e, então, a música será perfeita.
A vida inclinar-se-á ao poente
para afogar-se em sombras doiradas.
O amor há-de ser chamado do seu jogo
para beber o sofrimento
e subir ao céu das lágrimas …
Irmão, recorda isto, e alegra-te.Apanhemos, no ar, as nossas flores,
não no-las arrebate o vento que passa.
Arde-nos o sangue e brilham nossos olhos
roubando beijos que murchariam
se os esquecêssemos.É ânsia a nossa vida
e força o nosso desejo,
porque o tempo toca a finados.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.Não podemos, num momento, abraçar as coisas,
parti-las e atirá-las ao chão.
Passam rápidas as horas,
Cacida da Mão Impossível
Não quero mais que uma mão,
mão ferida, se possível.
Não quero mais que uma mão,
inda que passe noites mil sem cama.Seria um lírio pálido de cal,
uma pomba atada ao meu coração,
o guarda que na noite do meu trânsito
de todo vetaria o acesso à lua.Não quero mais que essa mão
para os diários óleos e a mortalha de minha agonia.
Não quero mais que essa mão
para de minha morte ter uma asa.Tudo mais passa.
Rubor sem nome mais, astro perpétuo.
O demais é o outro; vento triste
enquanto as folhas fogem debandadas.Tradução de Oscar Mendes
Nuvens correndo num rio
Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.
Ser ou não ser
Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca
se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.Até quando? Até quando?
Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.
O Livro dos Amantes
IX
Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.
Ciclo Terreno
Só morta a natureza se comporta
na expectativa podre dessas frutas
amolecidas no chão que as conforta
para o vôo de moscas dissolutas.Esse tempo ruído rói a crosta
de rugas ventiladas na disputa
de asas amaciando a pele morta
deixando à mostra o feto do desfruto.O cheiro cavo amaro pousa às costas
do vento que carrega no azedume
sementes de tanino em seu curtume.São muitos comensais nesse repasto
velando o transitório na certeza
sabendo que outra fruta volta à mesa.
Dia de Março, dia de três ventos.
Poema Melancólico a não sei que Mulher
Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão…
Bastava-nos Amar
Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirara tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.
O vento do meu espírito soprou sobre a vida. E tudo o que era efêmero se desfez. e só ficastes tu que és eterno.
Como um Adeus Português
Meu amor, desaparecido no sono como sonho de outro sonho,
meu amor, perdido na música dos versos que faço e recomeço,
meu amor por fim perdido.Nenhuma lâmpada se acende na câmara escura do esquecimento,
onde revelo em banho de prata as imagens que guardo de ti,
imagens que se desfiam na memória de haver corpos,
na memória da alegria que sempre guardamos para dar a alguém,
tremendo de medo, tropeçando de angústia,
enternecidos,
entontecidos,
como aves canoras soltas nos vendavais.Perdi-te no momento certo de perder-te.
Aqui estão os augúrios, além o discernimento.
O amor em surdina desfez-se no seu dizer,
entre versos pobres, um corpo cansado,
e a doença sem fim do desejo mortal.Apagaram-se as luzes. Nunca o vento da indiferença
me abrirá as mãos.
Nunca abdicarei deste quinhão de luz, o meu amor.
E agora vejo bem como as palavras caem,
não valem,
se desfolham e são pisadas por qualquer afirmação da vida,
da vida que não era para nós.