Cegueira de Olhos Abertos
A cegueira que cega cerrando os olhos, não é a maior cegueira; a que cega deixando os olhos abertos, essa é a mais cega de todas: e tal era a dos Escribas e Fariseus. Homens com os olhos abertos e cegos. Com olhos abertos, porque, como letrados, liam as Escrituras e entendiam os Profetas; e cegos, porque vendo cumpridas as profecias, não viam nem conheciam o profetizado.
(…) Esta mesma cegueira de olhos abertos divide-se em três espécies de cegueira ou, falando medicamente, em cegueira da primeira, da segunda, e da terceira espécie. A primeira é de cegos, que vêem e não vêem juntamente; a segunda de cegos que vêem uma coisa por outra; a terceira de cegos que vendo o demais, só a sua cegueira não vêem.
Passagens de António Vieira
387 resultadosNos grandes são mais avultados os erros, porque erram com grandeza e ignoram com presunção.
Esta é a injustiça da fama, que tanto desacredita com o presumido, como ofende com o verdadeiro.
O amor pesa-se na balança da paciência: padecer menos, é amar menos; padecer mais, é amar mais.
O amor depois da perda vê-se na dor; antes dela, no receio.
Não pode haver modo melhor de conhecer a desigualdade das forças que medindo-as.
A esperança satisfaz-se com a medida do que se espera.
A mim não me faz medo o pó que hei-de ser; faz-me medo o que há-de ser o pó.
O Primeiro Amor
Questão é curiosa nesta Filosofia, qual seja mais precioso e de maiores quilates: se o primeiro amor, ou o segundo? Ao primeiro ninguém pode negar que é o primogénito do coração, o morgado dos afectos, a flor do desejo, e as primícias da vontade. Contudo, eu reconheço grandes vantagens no amor segundo. O primeiro é bisonho, o segundo é experimentado; o primeiro é aprendiz, o segundo é mestre: o primeiro pode ser ímpeto, o segundo não pode ser senão amor. Enfim, o segundo amor, porque é segundo, é confirmação e ratificação do primeiro, e por isso não simples amor, senão duplicado, e amor sobre amor. É verdade que o primeiro amor é o primogénito do coração; porém a vontade sempre livre não tem os seus bens vinculados. Seja o primeiro, mas não por isso o maior.
Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos apenas duramos.
Das obras grandes ou pequenas, das acções generosas ou vis, cada um traz na própria cabeça a verdadeira medida.
No homem o poder é pouco e limitado, e o querer, sempre insaciável e sem limite.
Sendo muito poucos no mundo os homens que podem luzir, aqueles diante dos quais se possa luzir, ainda são muito menos.
Não há poder maior no mundo que o do tempo: tudo sujeita, tudo muda, tudo acaba.
Enquanto Portugal teve homens de “havemos de fazer” (que sempre os teve) não tivemos liberdade, não tivemos reino, não tivemos coroa. Mas tanto que tivemos homens de “quid facimus” (que fazemos), logo tivemos tudo.
Enfim, que neste jogo que o mundo chama da fortuna, não consta o ser má ou boa, senão no bom ou mau uso dela.
Quanto é mais eficaz e poderosa para mover os ânimos dos homens a esperança das coisas próprias, que a memória das alheias?
A admiração é filha da ignorância, porque ninguém se admira senão das coisas que ignora, principalmente se são grandes; e mãe da ciência, porque admirados os homens das coisas que ignoram, inquirem e investigam as causas delas até as alcançar, e isto é o que se chama ciência.
A vista dos bens alheios cresce o sentimento dos males próprios.
Quem não tem poder não tem amigos.