Passagens sobre Pássaros

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Magnólia Dos Trópicos

A Araújo Figueredo

Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ó magnólia de luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenúfares
Da tua carne ideal, de correções felinas.

O teu colo pagão de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.

Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso através a límpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;

Vem! com a asa de um beijo a boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.

IV

Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria

Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria…

Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora…

Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.

Confissão

Meus lábios, meus olhos (a flor e o veludo…)
Minha ideia turva, minha voz sonora,
Meu corpo vestido, meu sonho desnudo…
Senhor confessor! Sabeis tudo — tudo!
Quanto o vulgo, ingénuo, ao saudar-me, ignora!

Sabeis que em meus beijos a fome dormira
Antes que da orgia a fé despertasse…
Sabeis que sem oiro o mundo é mentira
E, como do fruto que Deus proibira,
Um luar tombou, manchando-me a face.

Pássaro, cativo da noite infinita!
Águia de asa inútil, pela noite presa!
Ó cruz dos poetas! ó noite infinita!
Ó palavra eterna! minha única escrita!
Beleza! Beleza! Beleza! Beleza!

Eis as minhas mãos! Quem pode prendê-las?
São frágeis, mas nelas há dedos inteiros.
Senhor confessor! Quem não conta estrelas?
Meus dedos, um dia, contaram estrelas…
Quem conta as estrelas não conta dinheiros!

A Minha Saudade Tem o Mar Aprisionado

A minha saudade tem o mar aprisionado
na sua teia de datas e lugares.
É uma matéria vibrátil e nostálgica
que não consigo tocar sem receio,
porque queima os dedos,
porque fere os lábios,
porque dilacera os olhos.
E não me venham dizer que é inocente,
passiva e benigna porque não posso acreditar.
A minha saudade tem mulheres
agarradas ao pescoço dos que partem,
crianças a brincarem nos passeios,
amantes ocultando-se nas sebes,
soldados execrando guerras.
Pode ser uma casa ou uma rede
das que não prendem pássaros nem peixes,
das que têm malhas largas
para deixar passar o vento e a pressa
das ondas no corpo da areia.
Seria hipócrita se dissesse
que esta saudade não me vem à boca
com o sabor a fogo das coisas incumpridas.
Imagino-a distante e extinta, e contudo
cresce em mim como um distúrbio da paixão.

A uma Bailarina

Quero escrever meu verso no momento
Em que o limite extremo da ribalta
Silencia teus pés, e um deus se exalta
Como se o corpo fosse um pensamento.

Além do palco, existe o pavimento
Que nunca imaginamos em voz alta,
Onde teu passo puro sobressalta
Os pássaros sutis do movimento.

Amo-te de um amor que tudo pede
No sensual momento em que se explica
O desejo infinito da tristeza,

Sem que jamais se explique ou desenrede,
Mariposa que pousa mas não fica,
A tentação alegre da pureza.

São as Pessoas como Tu

São as pessoas como tu que fazem com que o nada queira dizer-nos algo, as coisas vulgares se tornem coisas importantes e as preocupações maiores sejam de facto mais pequenas. São as pessoas como tu que dão outra dimensão aos dias, transformando a chuva em delirante orvalho e fazendo do inverno uma estação de rosas rubras.
As pessoas como tu possuem não uma, mas todas as vidas. Pessoas que amam e se entregam porque amar é também partilhar as mãos e o corpo. Pessoas que nos escutam e nos beijam e sabem transformar o cansaço numa esperança aliciante, tocando-nos o rosto com dedos de água pura, soltando-nos os cabelos com a leveza do pássaro ou a firmeza da flecha. São as pessoas como tu que nos respiram e nos fazem inspirar com elas o azul que há no dorso das manhãs, e nos estendem os braços e nos apertam até sentirmos o coração transformar o peito numa música infinita. São as pessoas como tu que não nos pedem nada mas têm sempre tudo para dar, e que fazem de nós nem ícaros nem prisioneiros, mas homens e mulheres com a estatura da vida, capazes da beleza e da justiça,

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Dialética

Quando não se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
à saga que se faz senha.

Rio, termômetro da várzea,
geografia de sol e chuva;
linha d’água, arco em curva,
elementos dessa faina.

Um pássaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,

queimando encardidos lírios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo círios.

Pássaros

Eu não sei o nome destes pássaros que viajam alto.
Anjos? Não. Ouve-se-lhes bater o coração.

Os nazis distribuíam sopa aos pobres
(vejo na TV como quem diz «nem tudo foi mau»).
Revejo-me numa foto de 70
dando sopa aos pobres de Cangombe. – «Tu és nazi,
pergunto?»

Não te compete a ti explicares-te, rapaz
sobretudo quando escreves versos
e pensas que em qualquer caso vale sempre a pena
adiar um pouco mais a morte.
E nem nunca mesmo ninguém explicou se um império que morre
morre de imortalidade ou de morte natural.

Tranquiliza-te: a besta que és
tu a suportas cada vez menos. Isso é bom, tão sério sendo?

O Supremo Palhaço da Criação

A velha noção antropomórfica de que todo o universo se centraliza no homem – de que a existência humana é a suprema expressão do processo cósmico – parece galopar alegremente para o baú das ilusões perdidas. O facto é que a vida do homem, quanto mais estudada à luz da biologia geral, parece cada vez mais vazia de significado. O que no passado deu a impressão de ser a principal preocupação e obra-prima dos deuses, a espécie humana começa agora a apresentar o aspecto de um sub-produto acidental das maquinações vastas, inescrutáveis e provavelmente sem sentido desses mesmos deuses.
(…) O que não quer dizer, naturalmente, que um dia a tal teoria seja abandonada pela grande maioria dos homens. Pelo contrário, estes a abraçarão à medida que ela se tornar cada vez mais duvidosa. De fato, hoje, a teoria antropomórfica ainda é mais adoptada do que nas eras de obscurantismo, quando a doutrina de que um homem era um quase Deus foi no mínimo aperfeiçoada pela doutrina de que as mulheres inferiores. O que mais está por trás da caridade, da filantropia, do pacifismo, da “inspiração” e do resto dos atuais sentimentalismos? Uma por uma, todas estas tolices são baseadas na noção de que o homem é um animal glorioso e indescritível,

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Primavera

Ah! quem nos dera que isso, como outrora,
inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
que inda juntos pudéssemos agora
ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora,
e, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
e aos meus beijos de fogo palpitava,
alquebrado de amor e de cansaço…

A alma da terra gorjeava e ria…
Nascia a primavera…E eu te levava,
primavera de carne, pelo braço!

Se um Dia a Juventude Voltasse

se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

sulcaria com as unhas o medo de te perder… eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor

depois… mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco…

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Ciclo

Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol… Sonhar!

Dia. A flor – o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros… Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da idéia em perfeição… Pensar!

Noite. Oh! Saudade!… A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas… Lembrar!

Limitou-se a esticar o braço para receber o cumprimento da mulher, como se só agora ela se tivesse lembrado de o fazer. Sentiu a mão dela na sua, tépida como um pequeno pássaro febril, e teve a estranha certeza de que não voltaria a partir.

Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

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O Meu Retrato

Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.

Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.

Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.

E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.

Povoamento

No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera

A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?»    E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —