Textos sobre Inglaterra

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Textos de inglaterra escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Se Fosse Alguma Coisa, Não Poderia Imaginar

Monotonizar a existência, para que ela não seja monótona. Tornar anódino o quotidiano, para que a mais pequena coisa seja uma distracção. No meio do meu trabalho de todos os dias, baço, igual e inútil, surgem-me visões de fuga, vestígios sonhados de ilhas longínquas, festas em áleas de parques de outras eras, outras paisagens, outros sentimentos, outro eu.
Mas reconheço, entre dois lançamentos, que se tivesse tudo isso, nada disso seria meu.

Mais vale, na verdade, o patrão Vasques que os Reis do Sonho; mais vale, na verdade, o escritório da Rua dos Douradores do que as grandes áleas dos parques impossíveis. Tendo o patrão Vasques, posso gozar a visão interior das paisagens que não existem. Mas se tivesse os Reis do Sonho, que me ficaria para sonhar? Se tivesse as paisagens impossíveis, que me restaria de possível ?
(…) Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar. O ajudante de guarda-livros pode sonhar-se imperador romano; o Rei de Inglaterra não o pode fazer, porque o Rei de Inglaterra está privado de o ser, em sonhos, outro rei que não o rei que é. A sua realidade não o deixa sentir.

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Amo-te, Portugal

Portugal,

Estou há que séculos para te escrever. A primeira vez que dei por ti foi quando dei pela tua falta. Tinha 19 anos e estava na Inglaterra. De repente, deixei de me sentir um homem do mundo e percebi, com tristeza, que era apenas mais um dos teus desesperados pretendentes.

Apaixonaste-me sem que eu desse por isso. Deve ter sido durante os meus primeiros 18 anos de vida, quando estava em Portugal e só queria sair de ti. Insinuaste-te. Não fui eu que te escolhi. Quando descobri que te amava, já era tarde de mais.

Eu não queria ficar preso a ti; queria correr mundo. Passei a querer correr para ti – e foi para ti que corri, mal pude.

Teria preferido chegar à conclusão que te amava por uma lenta acumulação de razões, emoções e vantagens. Mas foi ao contrário. Apaixonei-me de um dia para o outro, sem qualquer espécie de aviso, e desde esse dia, que remédio, lá fui acumulando, lentamente, as razões por que te amo, retirando-as uma a uma dentre todas as outras razões, para não te amar, ou não querer saber de ti.

Custou-me justificar o meu amor por ti.

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Mediocridade de Espírito

O nosso máximo esforço de independência consiste em opor, por vezes, um pouco de resistência às sugestões quotidianas. A grande massa humana nenhuma resistência opõe e segue as crenças, as opiniões e os preconceitos do seu grupo. Ela obedece-lhe sem ter mais consciência do que a folha seca arrastada pelo vento.
Só numa elite muito restrita se observa a faculdade de possuir, algumas vezes, opiniões pessoais. Todos os progressos da civilização procedem, evidentemente, desses espíritos superiores, mas não se pode desejar a sua multiplicação sucessiva. Inapta a adaptar-se imediatamente a progressos rápidos e profundos em demasia, uma sociedade tornar-se-ia logo anárquica. A estabilidade necessária à sua existência é precisamente estabelecida graças ao grupo compacto dos espíritos lentos e medíocres, governados por influências de tradições e de meio.
É, portanto, útil para uma sociedade que ela se componha de uma maioria de homens médios, desejosos de agir como toda a gente, que têm por guias as opiniões e as crenças gerais. É muito útil também que as opiniões gerais sejam pouco tolerantes, pois o medo do juízo alheio constitui uma das bases mais seguras da nossa moral.
A mediocridade de espírito pode, pois, ser benéfica para um povo,

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Liquidar os Defeitos Pouco a Pouco

Legislasse eu em Inglaterra e a minha obra seria completamente diferente. Dentro das raças, dentro das nacionalidades, há duas espécies de defeitos: os defeitos naturais, que podem ser combatidos mas nunca extirpados violentamente, e que nos farão sempre distinguir um latino dum eslavo ou dum anglo-saxão, e os defeitos incrustados, os vícios adquiridos, que são vícios, sobretudo, de educação, de mentalidade. Ora se é quase inútil fazer guerra aos primeiros, porque eles têm sempre a vitória, já não é tão ideal, tão impossível, como se diz, desincrustar os últimos, liquidá-los pouco a pouco… Veja, por exemplo, como o Japão se transformou no curto espaço da vida dum homem…

Moral Convencional e Moral Verdadeira

A respeitabilidade, a regularidade, a rotina – toda a disciplina de ferro forjada na moderna sociedade industrial – atrofiaram o impulso artístico e aprisionaram o amor de forma tal que não mais pode ser generoso, livre e criador, tendo de ser ou furtivo ou pedante. Aplicou-se controle às coisas que mais deveriam ser livres, enquanto a inveja, a crueldade e o ódio se espraiam à vontade com as bençãos de quase toda a bisparia. O nosso equipamento instintivo consiste em duas partes – uma que tende a beneficiar a nossa própria vida e a dos nossos descendentes, e outra que tende a atrapalhar a vida dos supostos rivais. Na primeira incluem-se a alegria de viver, o amor e a arte, que psicologicamente é uma consequência do amor. A segunda inclui competição, patriotismo e guerra. A moral convencional tudo faz para suprimir a primeira e incentivar a segunda. A moral verdadeira faria exactamente o contrário.
As nossas relações com os que amamos podem ser perfeitamente confiadas ao instinto; são as nossas relações com aqueles que detestamos que deveriam ser postas sob o controle da razão. No mundo moderno, aqueles que de facto detestamos são grupos distantes, especialmente nações estrangeiras. Concebemo-las no abstracto e engodamo-nos para crer que os nossos actos (na verdade manifestações de ódio) são cometidos por amor à justiça ou outro motivo elevado.

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A Monstruosa Amálgama da Identidade Europeia

O mal do totalitarismo é ser uniformizador e impositivo. Há sempre um modelo de perfeição, que os povos mais atrasados terão de seguir e com o qual terão de se comparar. Há sempre uma identidade superior, uma ideologia acima da realidade, um futuro comum aos mais diversos interesses. O totalitarismo é o grande inimigo da diferença e a própria democracia liberal, ao impor e exigir certas igualdades menos naturais, tem aspectos totalitários.
É com horror que assisto à construção da chamada «identidade» europeia, uma monstruosa amálgama beneluxiana que reduz todos os ingredientes nacionais a uma pasta amorfa de argamassa processada. Quando temo pela resistência da nossa diferença à uniformização europeia, não temo a nossa dominação de todas as nacionalidades — temo é a dominação de todas as nacionalidades por um euro-híbrido que não seja escolhido ou amado por nenhuma delas. A verdade é que a Itália está menos italiana, a Alemanha está menos alemã, a Inglaterra está menos inglesa e Portugal está menos português. E nem por isso estão mais parecidos com outra nacionalidade qualquer. O que perderam em carácter não ganharam em mais nada. As nações europeias estão cada vez mais iguais, mais incaracterísticas, mais chatas. Qualquer dia deixa de ter piada viajar.

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O Provincianismo Português (I)

Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do “Orpheu”, disse a Mário de Sá-Carneiro: “V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris,

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O que Leva o Homem a Suspeitar Muito é o Saber Pouco

As suspeitas são entre os pensamentos o que os morcegos são entre os pássaros; voam sempre ao crepúsculo. Certamente, devem ser reprimidos, ou pelo menos bem vigiados, porque ofuscam o espírito. As suspeitas afastam-nos dos amigos e vão de encontro aos nossos negócios, que afastam do caminho normal e direito. As suspeitas impelem os reis à tirania, os maridos ao ciúme, os sábios à irresolução e à melancolia. São fraquezas não do coração, mas do cérebro, porque se alojam nos carácteres mais intrépidos, como no exemplo de Henrique VII de Inglaterra, que, entre os homens, foi também o mais suspeitoso e também o mais intrépido. As suspeitas fazem muito mal a estes homens. Nas outras pessoas, as suspeitas só são admitidas depois de exame à sua verosimilhança, mas nas pessoas timoratas elas rapidamente adquirem fundamento. O que leva o homem a suspeitar muito é o saber pouco; por isso os homens deveriam dar remédio às suspeitas procurando saber mais, em vez de se deixarem sufocar por elas.
Que querem eles? Pensarão talvez que são santas as pessoas que empregam e com quem tratam? Que elas não pensam em atingir os seus fins, e que serão mais leais para com os outros do que para consigo próprias?

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A Influência dos Livros e dos Jornais

Os jornais e os livros exercem no nascimento e na propagação das opiniões uma influência imensa, conquanto inferior à dos discursos. Os livros actuam muito menos que os jornais, pois a multidão não os lê. Alguns foram, contudo, bastante poderosos pela sua influência sugestiva para provocar a morte de milhares de homens. Tais são as obras de Rousseau, verdadeira bíblia dos chefes do Terror, ou A Cabana do Pai Tomás, que contribuiu muito para a sanguinolenta guerra de secessão na América do Norte. Outras obras como Robinson Crusóe e os romances de Júlio Verne exerceram grande influência nas opiniões da juventude e determinaram muitas carreiras.
Essa força dos livros era, sobretudo, considerável quando se lia pouco. A leitura da Bíblia no tempo de Cromwel criou na Inglaterra um número avultado de fanáticos. Sabe-se que na época em que foi escrito Dom Quixote, os romances de cavalaria exerciam uma acção tão perniciosa em todos os cérebros que os soberanos espanhóis vedaram, finalmente, a venda desses livros.
Hoje, a influência dos jornais é muito superior à força dos livros. São em número incalculável as pessoas que têm unicamente a opinião do jornal que elas lêem.

A Dependência é a Raiz de Todos os Males

O que deve um cão a um cão, um cavalo a um cavalo? Nada. Nenhum animal depende do seu semelhante. Tendo porém o homem recebido o raio da Divindade a que se chama razão, qual foi o resultado? Ser escravo em quase toda a terra. Se o mundo fosse o que parece dever ser, isto é, se em toda parte os homens encontrassem subsistência fácil e certa e clima apropriado à sua natureza, impossível teria sido a um homem servir-se de outro. Cobrisse-se o mundo de frutos salutares. Não fosse veículo de doenças e morte o ar que contribui para a existência humana. Prescindisse o homem de outra morada e de outro leito além do dos gansos e cabras monteses, não teriam os Gengis Cãs e Tamerlões vassalos senão os próprios filhos, os quais seriam bastante virtuosos para auxiliá-los na velhice.
No estado natural de que gozam os quadrúpedes, aves e répteis, tão feliz como eles seria o homem, e a dominação, quimera, absurdo em que ninguém pensaria: para quê servidores se não tivésseis necessidade de nenhum serviço? Ainda que passasse pelo espírito de algum indivíduo de bofes tirânicos e braços impacientes por submeter o seu vizinho menos forte que ele,

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Infecção de Banalidade

O homem do século XIX, o Europeu, porque só ele é essencialmente do século XIX (diz Fradique numa carta a Carlos Mayer), vive dentro de uma pálida e morna infecção de banalidade, cansado pelos quarenta mil volumes que todos os anos, suando e gemendo, a Inglaterra, a França e a Alemanha depositam às esquinas, e em que interminavelmente e monotonamente reproduzem, com um ou outro arrebique sobreposto, as quatro ideias e as quatro impressões legadas pela Antiguidade e pela Renascença.