Passagens sobre Terra

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Frases sobre terra, poemas sobre terra e outras passagens sobre terra para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

A Vida é uma Eternidade

Sabemos que vamos morrer e que estaremos mortos tanto tempo como não estivemos à espera para nascer. É banal dizer-se que a vida é um intervalo ou uma passagem ou um instante. Não é. A vida é uma excepção generosamente comprida à regra nem triste nem alegre da inexistência.
A vida está para o nada como o planeta Terra está para o sistema solar a que pertence. Sim, pode haver vida noutros planetas. Mas será uma vida que vale a pena viver? Ou que apenas vale a pena estudar?

Sabemos que temos muito tempo de vida: muito mais do que precisamos. O direito à preguiça e à procrastinação está consagrado na nossa vida e faz logo, à partida, parte dela.
Sabemos que somos obrigados a pensar, errada e repetidamente, que o tempo em que estamos vivos é importante. E que as nossas noções de declínio (“dantes é que era bom; os jovens de hoje não sabem o que perdem”) são lugares-comuns de todas as gerações antes de nós.

Sabemos que não há ninguém que não envelheça, desde o bebé que nasceu neste segundo até ao velho que, por ter morrido agora mesmo, deixou de envelhecer.

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Caminho da Manhã

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes.

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Independência

Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me às verdades acabadas;
recuso-me, também, às que tiverem
pousadas no sem-fim as sete espadas.

Recuso-me às espadas que não ferem
e às que ferem por não serem dadas.
Recuso-me aos eus-próprios que vierem
e às almas que já foram conquistadas.

Recuso-me a estar lúcido ou comprado
e a estar sozinho ou estar acompanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.

Recuso-me à inocência e ao pecado
como a ser livre ou ser predestinado.
Recuso tudo, ó Terra dividida!

O Tempo Gastador de Mil Idades

O Tempo gastador de mil idades,
Que na décima esfera vive e mora,
Não descansa co’a Fúria tragadora,
De exercitar, feroz, suas crueldades.

Ele destrói as ínclitas cidades,
As egípcias pirâmides devora:
Sua dentada fouce assoladora,
Rompe forças viris, destrói beldades.

O bronze, o ouro, o rígido diamante,
A sua mão pesada amolga e gasta
Levando tudo ao nada, em giro errante.

Como trovão feroz rugindo arrasta,
Quanto cobre na Terra o sol radiante,
Só da Virtude com temor se afasta.

Concebemos apenas Átomos em Comparação com a Realidade das Coisas

A primeira coisa que se oferece ao homem ao contemplar-se a si próprio, é o seu corpo, isto é, certa parcela de matéria que lhe é peculiar. Mas, para compreender o que ela representa e a fixá-la dentro dos seus justos limites, precisa de a comparar a tudo o que se encontra acima ou abaixo dela. Que não se atenha, pois, a olhar para os objetos que o cercam, simplesmente, mas a contemplar a natureza inteira na sua alta e plena majestosidade. Considere esta brilhante luz colocada acima dele como uma lâmpada eterna para iluminar o universo, e que a Terra lhe apareça como um ponto na órbita ampla deste astro e maravilhe-se de ver que essa amplitude não passa de um ponto insignificante na rota dos outros astros que se espalham pelo firmamento. E se nossa vista aí se detém, que a nossa imaginação não pare; mais rapidamente se cansará ela de conceber, que a natureza de revelar . Todo esse mundo visível é apenas um traço perceptível na amplidão da natureza, que nem sequer nos é dado a conhecer de um modo vago. Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projectemos além de espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas.

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Os Grandes Forjam-se na Adversidade

Todo o ambiente é favorável ao forte; de um modo ou de outro ele o ajuda a cumprir a missão que se impôs e a conseguir ir porventura mais além das barreiras marcadas. A derrota deve mais atribuir-se à invalidez do impulso interior do que aos obstáculos que lhe ponham diante, mais à alma incapaz de se bater com vigor e tenazmente do que às resistências, às invejas e às dificuldades que o mundo possa levantar perante Hércules que luta.
O mal que se vê é aguilhão para o bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso; o querer se apura, a visão do futuro nos surge mais intensa a cada golpe novo; o contentamente e a mansa quietude são estufa para homens; por aí se habituaram a ser escravos de outros homens, ou da cega Natureza; e eu quero a terra povoada de rijos corações que seguem os calmos pensamentos e a mais nada se curvam.
Mais custa quebrar rochar do que escavar a terra; mais sólido, porém, o edifício que nela se firmou. A grandeza da obra é quase sempre devida à dificuldade que se encontra nos meios a empregar,

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Segredo

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.

Soneto

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?

Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.

Já não Vivi, Só Penso

Já não vivo, só penso. E o pensamento
é uma teia confusa, complicada,
uma renda subtil feita de nada:
de nuvens, de crepúsculos, de vento.

Tudo é silêncio. O arco-íris é cinzento,
e eu cada vez mais vaga, mais alheada.
Percorro o céu e a terra aqui sentada,
sem uma voz, um olhar, um movimento.

Terei morrido já sem o saber?
Seria bom mas não, não pode ser,
ainda me sinto presa por mil laços,

ainda sinto na pele o sol e a lua,
ouço a chuva cair na minha rua,
e a vida ainda me aperta nos seus braços.

Debaixo Minha Vontade

(Sextina)

Ontem pôs-se o sol, e a noute
cobriu de sombra esta terra.
Agora é já outro dia,
tudo torna, torna o sol;
só foi a minha vontade
para não tornar co tempo!

Todalas cousas, per tempo,
passam como dia e noute.
Uma só, minha vontade,
não, que a dor comigo a aterra;
nela cuido enquanto há sol,
nela em quanto não há dia.

Mal quero per um só dia
a todo o outro dia e tempo,
que a mim pôs-se-me o sol
onde eu só temia a noute;
tenho a mim sobre a terra,
debaixo minha vontade.

Dentro da minha vontade
não há momento do dia
que não seja tudo terra;
ora ponho a culpa ao tempo,
ora a torno a pôr à noute.
No melhor pôs-se-me o sol!

Primeiro não haverá sol
que eu descanse na vontade.
Pôs-se-me uma escura noute
sobre a lembrança de um dia,
inda mal, porque houve tempo
e porque tudo foi terra.

Haver de ser tudo terra
quanto há debaixo do sol,

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Mania da Solidão

Como um jantar frugal junto à clara janela,
Na sala já está escuro mas ainda se vê o céu.
Se saísse, as ruas tranquilas deixar-me-iam
ao fim de pouco tempo em pleno campo.
Como e observo o céu — quem sabe quantas mulheres
estão a comer a esta hora — o meu corpo está tranquilo;
o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres.

Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar
a terra na ancha planura. As estrelas são vivas,
mas não valem estas cerejas que como sozinho.
Vejo o céu, mas sei que entre os tectos de ferrugem
brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruídos.
Um grande golo e o meu corpo saboreia a vida
das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo.
Basta um pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se
no seu verdadeiro sítio, como o meu corpo imóvel.

Cada coisa está isolada ante os meus sentidos,
que a aceita impassível: um cicio de silêncio.
Cada coisa na escuridão posso sabê-la,
como sei que o meu sangue circula nas veias.

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Pensamos de Mais e Sentimos de Menos

Queremos todos ajudar-nos uns aos outros. Os seres humanos são assim. Queremos viver a felicidade dos outros e não a sua infelicidade. Não queremos odiar nem desprezar ninguém. Neste mundo há lugar para toda a gente. E a boa terra é rica e pode prover às necessidades de todos.
O caminho da vida pode ser livre e belo, mas desviámo-nos do caminho. A cupidez envenenou a alma humana, ergueu no mundo barreiras de ódio, fez-nos marchar a passo de ganso para a desgraça e a carnificina. Descobrimos a velocidade, mas prendemo-nos demasiado a ela. A máquina que produz a abundância empobreceu-nos. A nossa ciência tornou-nos cínicos; a nossa inteligência, cruéis e impiedosos. Pensamos de mais e sentimos de menos. Precisamos mais de humanidade que de máquinas. Se temos necessidade de inteligência, temos ainda mais necessidade de bondade e doçura. Sem estas qualidades, a vida será violenta e tudo estará perdido.
O avião e a rádio aproximaram-nos. A própria natureza destes inventos é um apelo à fraternidade universal, à união de todos. Neste momento, a minha voz alcança milhões de pessoas através do mundo, milhões de homens sem esperança, de mulheres, de crianças, vítimas dum sistema que leva os homens a torturar e a prender pessoas inocentes.

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Soneto XXI

As Relíquias de S. Cruz de Coimbra

Aquela Águia gentil de vista estranha
A Cristo viu, co’ a mão de estrelas chea,
Solícito, qual anda o que semea
C’os olhos longos no que ao longe apanha.

Lavrador foi no mundo, e com tamanha
Sede que inda de lá fruito granjea.
Mas ai Senhor, em terra e triste area,
Mal estrelas se dão, pouco se ganha.

Bem sabe Cristo o que semea, e onde:
As vivas mortes são de mortas vidas
(Que hoje neste sagrado templo esconde)

Estrelas, que de carne estão vistidas.
A quem semea seu valor responde,
E bem, donde as semea merecidas.

O Casulo

No casulo:
uma mesa quatro cinco estantes
livros por centenas ou milhares
tijolos de papel onde as traças
acasalam e o caruncho espreita
sólidas muralhas de elvezires onde
a rua não penetra
uma máquina de escrever olivetti
com a tinta acumulada nas letras mais redondas
cachimbos barros estanhos medalhas fotos
bonecos marafonas lembranças
retratos alguns gente ida ou vinda
gorros usbeques gorros bailundos leques
japoneses arpões açorianos sinos de não sei donde
ou sei esperem sinos da tróica em natais nocturnos
marfins africanos óleos desenhos calendários
feitiços da Baía a mão a fazer figas
tudo do melhor contra raios coriscos mau olhado
retratos dizia Jorge o de Salvador Júlio o da Morgadinha
Berglin o cientista Kostas o dramaturgo
e outros e outros
Afonso Duarte o das ossadas pórtico
destas lamúrias o sorriso sibilino e rugoso
que matou no Nemésio o bicho harmonioso
mais de agora o Umberto Eco barbudo
a filtrar-me com medievismo os gestos tontos
e outros e outros
suecos brasileiros romenos gregos
e ainda aqueles em que a Zita foi escrevendo
a minha sina de andarilho
Tolstoi patrono obcecante um pastor a tocar
pífaro algures nos Balcãs sinais da Bulgária da Polónia
da Finlândia sinais de tantas partes onde
fui um outro de biografia aberrante
sinais da minha terra também
a minha de verdade e não as outras
a que chamam minhas por distraído palpite
o Lima de Freitas num candeeiro alumiando
a mulher verde-azul em casas assombrada
mestre Marques d’Oliveira num esquisso
de alto coturno a carta de Abel Salazar
que o sol foi comendo não se lendo já
o que a censura omitiu
aqui a China também representada
um ícone de Sófia as plácidas cabras
do Calasans o tinteiro de quando
se usavam plumas roubaram-se o missal do Cicogna
um almofariz para esferográficas furta-cores
a caixa de madeira floreada veio da Rússia
deu-ma a Tatiana sob promessa (cumprida)
de a pôr bem em frente das minhas divagações
anémonas nórdicas da Anne
miosótis búlgaros da Rumiana
o poster é alemão Friede den Kindern
nunca pedi a ninguém a decifração
dois horóscopos face a face
cangaceiros nordestinos
o menino ajoelhado do Tó Zé
num gesso já sem braços nem rosto
objectos objectos o pote tem as armas de não lembro
[quem
embora o nome que venha por de cima
seja o meu e eu também no óleo carrancudo
do Zé Lima há um ror de anos
melhor não saber quantos
o molde para o bronze é um perfil onde
desenganadamente me reconheço
tanta bugiganga tanto bazar tanto papel
branco ou impresso uma faca para
apunhalar alguém a cassete de poesias na voz
da Maria Vitorino as esculturas astecas
do Miguel medalhas medalhas outra vez lembranças
agendas sem préstimo canetas gastas mais papéis
letras miúdas ou letras farfalhudas
depende da ocasião
um livro de filigrana
as paredes mal se vêem estantes copiosas já disse
quadros em demasia e ainda
as rendas de minha mãe em molduras destoadas
ela no retrato de cenho descontente
fitando-me até ao miolo dos desvairos
o bordão de régulo justiceiro
obliquando no trono de cactos
amuletos africanos o mata-borrão que foi
de um pide deu-mo o fuzileiro no pós-Abril
uma bela cabeça de mulher do João Fragoso
jarras de sacristia candeias de cobre
sem pavio um samovar de madeira um samurai de
[veludo
os painéis de São Vicente em miniatura
a áurea trombeta do troféu lusíada
de parceria com o Manuel Cargaleiro
áureos pesados troféus o marasmo branco
de Pavia na tela sem idade
livros livros os correios não páram
de mos trazer para maior sufocação
cartas a granel por responder relógio não há mas ouço-o
sem falhar um segundo há cordas cordões medalhas
[medalhões
armas lauréis proibições
perfumes em minaretes levantinos.

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A Poezia do Outomno

Noitinha. O sol, qual brigue em chammas, morre
Nos longes d’agoa… Ó tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poezia escorre
E os bardos, a sonhar, molham a penna!

Ao longe, os rios de agoas prateadas
Por entre os verdes cannaviaes, esguios,
São como estradas liquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!

Os choupos nus, tremendo, arripiadinhos,
O chale pedem a quem vae passando…
E nos seus leitos nupciaes, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!

O orvalho cae do céu, como um unguento.
Abrem as boccas, aparando-o, os goivos…
E a larangeira, aos repellões do vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.

E o orvalho cae… E, á falta d’agoa, rega
O val sem fruto, a terra arida e nua!
E o Padre-Oceano, lá de longe, prega
O seu Sermão de Lagrymas, á Lua!

Tardes de outomno! ó tardes de novena!
Outubro! Mez de Maio, na lareira!
Tardes…
Lá vem a Lua, gratiae plena,
Do convento dos céus, a eterna freira!