Cantiga de Amigo
Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausĂŞncia tudo liso de espanto
e nem Camões VirgĂlio Shelley Dante
– o meu amigo está longe
e a distância é bastante.Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mĂŁe nem pai
Ah nĂŁo Camões VirgĂlio Shelley Dante!– o meu amigo está longe
e a tristeza Ă© bastante.Nada a nĂŁo ser este silĂŞncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões VirgĂlio Shelley Dante:
o meu amigo está longe
e a saudade Ă© bastante!
Passagens sobre Canto
343 resultadosCantiga de Banheiro
A moça vai tomar banho,
banho domiciliar.
A moça não se dispersa
na piscina nem no mar.
A moça entra no banheiro
e torce a chave e o ferrolho
da porta. (Há na fechadura
um olho que chama outro olho.)
A moça vai tomar banho.
Deixa os chinelos no canto.
Perdeu os itinerários.
Solta os cabelos castanhos.
Fica nua. Dela saltam
peitos agressivos de
bicos rubros, insinuantes,
de leite e amor para as bocas
dos babies e dos amantes.
A moça morena espia
dentro do espelho da pia
a exclusivamente sua
liberta beleza nua.Comprime-se o espelho quando
a moça se distancia.
Na solidĂŁo do banheiro,
vĂŞ-se emparedada viva
nas paredes de azulejo
e nua fica debaixo
do chuveiro de onde a água
humaniza-se e, acrobata,
dá um pulo da cascata
doméstica com a intenção
de levar a moça longe,
de fazer um filho plástico
no ventre virgem lambido
de esponja e de sabonete.Quando a branca toalha asséptica
abriu-se na fĂşria ambiente,
No Jardim Das Oliveiras
“Minh’alma Ă© triste atĂ© Ă morte…” Doce,
Jesus falou… E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etĂ©reo e estrelejado manto.“Pai, tem piedade…” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!
No Crepusculo
Nasce a luz do luar dos derradeiros,
ĂŠrmos, soturnos pincaros sĂłsinhos…
Andam sombras no ar e murmurinhos
E vagidos de luz… e os Pegureiros
Descem, cantando, a encosta dos outeiros…Tangendo amenas frautas amorosas,
Seus vultos, no crepusculo, desmaiam
E assim como os seus canticos, se espraiam
Em ondas de emoção. As fragarosas
Quebradas que o luar beija, misteriosas
Furnas, boccas de terra, murmurantes,
Arvoredos extaticos orando,
Rochedos, na penumbra, meditando,
Desfeitos em ternura, esvoaçantes,
Pairam tambem no espaço comovido,
Das primeiras estrelas já ferido,
Todo em luar e sombra amortalhado…E eu choro sobre um monte abandonado…
E o Phantasma divino da Creança,
Sombra de Anjinho em flor,
Nos longes dos meus olhos aparece,
Como se, por ventura, ele nascesse
Da minha incerta e trémula esperança,
E nĂŁo da minha firme e eterna dĂ´r!E choro; e alem das lagrimas, eu vejo
Aquele dĂ´ce Vulto pequenino,
Em seu leito de morte e soffrimento;
Jesus martirisado, inda Menino…
E Ă© como cinza morte o meu desejo
E como extinta luz meu pensamento!
XLI
Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno…
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o prĂłprio inferno.Cantam esta mansĂŁo, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De Ăşmido pĂł que há de abafar-lhe os cantos…Cada um de nĂłs Ă© a bĂşssola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte…
Vem, oh Noite Sombria
Vem, oh noite sombria, e revolvendo
O longo açoite, que à carreira acende
As fuscas Éguas, sobre a terra estende
De sombras carregado o manto horrendo:Vem: e as brancas papoilas espremendo,
Em letárgico sono os mortais prende;
Que a minha bela Aglaia hoje me atende,
A meu amor mil glórias prometendo.Se às minhas vozes dás benigno ouvido,
Encobrindo com teu escuro manto
Os suaves delĂrios de amor cego;Imolar-te prometo agradecido
Um negro galo, que em contĂnuo canto
Se atreve a perturbar o teu sossego.
Tudo o que disseram sobre mim nĂŁo Ă© importante. Quando eu canto, eu acredito. Sou honesto.
Canto EfĂŞmero
Feliz no mundo eu sĂł!… NinguĂ©m mais Ă© feliz!
NinguĂ©m mais Ă© feliz!… Eu sĂł, sorrio e canto!
Enfim o teu amor!… Quanta coisa! Quem diz,
– quem poderia crer que eu merecesse tanto!Esplendor! a paisagem mudou por encanto!
No negro da minha alma há rabiscos de giz
traçando ante meus olhos trêmulos de espanto.
-“Feliz no mundo, eu sĂł!… NinguĂ©m mais Ă© feliz!”Certo do teu amor, tudo ao redor se anima,
em ouro se transforma a fuligem do pĂł
e a minha alma, a beleza das coisas sublima!Enfim o teu amor!… E o teu amor primeiro!
Meu Deus! eu sou feliz!… Feliz no mundo eu sĂł!
NinguĂ©m mais Ă© feliz, ninguĂ©m!… no mundo inteiro!
Em vez de enumerar os sofrimentos, enumera as dádivas. Por que te queixas se possuis tantas dádivas? Para quem se lembra de agradecer à saúde somente quando fica doente, virá a doença. Do jardim daquele que se lembra de louvar o canto dos passarinhos se vão. O modo de viver da Seicho-No-Ie consiste em agradecer.
XV
Formoso, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturoso rebanho, feliz gado, Que Ă bela
Antandra estais obedecendo;Já de Corino os ecos percebendo
A frente levantais, ouvis parado;
Ou já de Alcino ao canto levantado,
Pouco e pouco vos ides recolhendo;Eu, o mĂsero Alfeu, que em meu destino
Lamento as sem razões da desventura,
A seguir vos também hoje me inclino:Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Sempre faz novidade na espessura.
A AntĂ´nio Nobre
Tu que penaste tanto e em cujo canto
Há a ingenuidade santa do menino;
Que amaste os choupos, o dobrar do sino,
E cujo pranto faz correr o pranto:Com que magoado olhar, magoado espanto
Revejo em teu destino o meu destino!
Essa dor de tossir bebendo o ar fino,
A esmorecer e desejando tanto…Mas tu dormiste em paz como as crianças.
Sorriu a Glória às tuas esperanças
E beijou-te na boca… O lindo som!Quem me dará o beijo que cobiço?
Foste conde aos vinte anos… Eu, nem isso…
Eu, nĂŁo terei a GlĂłria… nem fui bom.
Cristais
Mais claro e fino do que as finas pratas
O som da tua voz deliciava…
Na dolĂŞncia velada das sonatas
Como um perfume a tudo perfumava.Era um som feito luz, eram volatas
Em lânguida espiral que iluminava,
Brancas sonoridades de cascatas…
Tanta harmonia melancolizava.Filtros sutis de melodias, de ondas
De cantos volutuosos como rondas
De silfos leves, sensuais, lascivos…Como que anseios invisĂveis, mudos,
Da brancura das sedas e veludos,
Das virgindades, dos pudores vivos.
Os Amigos Infelizes
Andamos nus, apenas revestidos
Da música inocente dos sentidos.Como nuvens ou pássaros passamos
Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos.No entanto, em nĂłs, o canto Ă© quase mudo.
Nada pedimos. Recusamos tudo.Nunca para vingar as prĂłprias dores
Tiramos sangue ao mundo ou vida Ă s flores.E a noite chega! Ao longe, morre o dia…
A Pátria Ă© o CĂ©u. E o CĂ©u, a Poesia…E há mĂŁos que vĂŞm poisar em nossos ombros
E somos o silĂŞncio dos escombros.Ă“ meus irmĂŁos! em todos os paĂses,
Rezai pelos amigos infelizes!
Os olhos do meu cão enternecem-me. Em que rosto humano, num outro mundo, vi eu já estes olhos de veludo doirado, de cantos ligeiramente macerados, com este mesmo olhar pueril e grave, entre interrogativo e ansioso?
Jogar Ă Bola na Rua
– É triste, sabes? As crianças, hoje em dia, mesmo as mais dadas a jogos de computador e sei lá mais o quĂŞ, alimentam-se melhor, fazem mais exercĂcio, tĂŞm fĂsicos mais equilibrados. Para alĂ©m de tudo, sabem fazer uma triangulação, percebem com toda a facilidade como se joga em quatro-quatro-dois e em quatro-trĂŞs-trĂŞs, acorrem a um pontapĂ© de canto e cumprem a coreografia toda, dançando na grande área como os profissionais. SĂł que, depois, nĂŁo tĂŞm intimidade com a bola. NĂŁo conhecem as suas manias, os movimentos mais imprevistos do seu comportamento, os seus amuos. E sĂł os conheceriam se jogassem Ă bola na rua. Se jogassem Ă bola seis ou sete ou oito horas por dia, como nĂłs chegávamos a jogar. Se fossem ao dentista arrancar um dente e, mesmo assim, precisassem de levar uma bola debaixo do braço, para ocupar os tempos mortos.
Prece do Natal
Menino Jesus
De novo nascido,
Baixai o sentido
Para a nossa cruz!Vede que os humanos
Erros e cuidados
Nos sĂŁo tĂŁo pesados
Como há dois mil anos.A nossa ignorância
É um fardo que arde.
Como se faz tarde
Para a nossa ânsia!Nós somos da Terra,
Coisa fria e dura.
Olhai a amargura
Que esse olhar encerra.Colai o ouvido
Ă€ alma que sofre;
Abri esse cofre
Do sonho escondido.Pegai nessa mĂŁo
Que treme de medo;
Sondai o segredo
Da minha oração.Esta pobre gente
Que mal Ă© que fez?
NĂłs somos, talvez,
Um povo «inocente»…Menino Jesus
Que andais distraĂdo
Baixai o sentido
Para a nossa cruz!A mais insofrida
De tantas misérias
– Não termos mais férias
Ao longo da vida –Trocai por amenas
ManhĂŁs sem cuidados,
SilĂŞncios banhados
De ideias serenas;Por cantos e flores
Risonhas imagens
Macias paisagens
Felizes amores!
A Jovem Cativa
(André Chenier)
— “Respeita a foice a espiga que desponta;
Sem receio ao lagar o tenro pâmpano
Bebe no estio as lágrimas da aurora;
Jovem e bela também sou; turvada
A hora presente de infortúnio e tédio
Seja embora: morrer nĂŁo quero ainda!De olhos secos o estĂłico abrace a morte;
Eu choro e espero; ao vendaval que ruge
Curvo e levanto a tĂmida cabeça.
Se há dias maus, também os há felizes!
Que mel nĂŁo deixa um travo de desgosto?
Que mar nĂŁo incha a um temporal desfeito?Tu, fecunda ilusĂŁo, vives comigo.
Pesa em vão sobre mim cárcere escuro,
Eu tenho, eu tenho as asas da esperança:
Escapa da prisĂŁo do algoz humano,
Nas campinas do céu, mais venturosa,
Mais viva canta e rompe a filomela.Deve acaso morrer ? TranqĂĽila durmo,
TranqĂĽila velo; e a fera do remorso
NĂŁo me perturba na vigĂlia ou sono;
Terno afago me ri nos olhos todos
Quando apareço, e as frontes abatidas
Quase reanima um desusado jĂşbilo.Desta bela jornada Ă© longe o termo.
Beleza Morta
De leve, louro e enlanguescido helianto
Tens a flĂłrea dolĂŞncia contristada…
Há no teu riso amargo um certo encanto
De antiga formosura destronada.No corpo, de um letárgico quebranto,
Corpo de essĂŞncia fina, delicada,
Sente-se ainda o harmonioso canto
Da carne virginal, clara e rosada.Sente-se o canto errante, as harmonias
Quase apagadas, vagas, fugidias
E uns restos de clarĂŁo de Estrela acesa…Como que ainda os derradeiros haustos
De opulĂŞncias, de pompas e de faustos,
As relĂquias saudosas da beleza.
Violada
PossuĂram-te nas ervas,
Deitada ao comprido
Ou lĂvida a pĂ©:
Do estupro conservas
O sangue e o gemido
Na morte da fé.Chegaste a cavalo
Trémula de espanto:
Esperavas levá-lo
Com modos de amor:
O fátum, num canto,
Violento ceifou-te
O pĂşbis em flor:
Dou-te
O acalanto
Mas não há palavras
Para tal horror!Vem ainda em cĂłs, mulher,
Limpa as tuas lágrimas no meu lenço:
Nem pela dor sequer
Eu te pertenço.O cavalo fugiu,
Deixou-te em fogo a fralda:
Que malfeliz RoldĂŁo
Para tal Alda!
Ao frio, ao frio,
Tinta de ti é a água e sangue o chão.Ponta Delgada a arder
Do prĂłprio pejo, quis
Em verde converter
O incĂŞndio do teu pĂşbis.Mulher, nĂŁo me dĂŞs guerra,
Oh trágica enganada:
Tu és a minha terra
Na carne devastada
Como a Ilha queimada.
Viola Azulada
Sempre que houver saco retiro a viola,
e ponho a cantoria no sereno
da noite, em serenata que se evola
em sons antigos, raros, que enveneno.Nos acordes do pinho, a mĂŁo que sola
repete a melodia no azul pleno
dessa paixĂŁo azul, de ontens e agoras,
azulando a saudade e seu terreno.Carlos Pena Filho pintou de azul
os seus sapatos por ser impossĂvel
pintar de azul as ruas do seu rumo,e a trova azul que eu canto agora aqui
mundo afora vai na nuvem que assume
chover de azul os sonhos por aĂ.