Os amantes sem dinheiro
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
Passagens sobre Jardim
235 resultadosHoje roubei todas as rosas dos jardins e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.
O Relógio
Ebúrneo é o mostrador: as horas são de prata
Lê-se a firma Breguet por baixo do gracioso
Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata:
Nela o esmalte produz um quadro delicioso.Repara: eis um salão: casquilho malicioso
Das festas cortesãs o mimo, a flor, a nata,
Junto a um cravo sonoro a alegre voz desata.
Uma fidalga o escuta ébria de amor e gozo.Rasga-se ampla a janela; ao longe o olhar descobre
O correto jardim e o parque extenso e nobre.
As nuvens no alto céu flutuam como espumas.Da paisagem no fundo, em lago transparente,
Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,
Um cisne à luz do sol estende as níveas plumas.
Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminheiPor ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraísoCá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempoPor isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
Mãe
mãe
terminou o tempo
de sorrir
desculpa-me a morte
das plantastatuei a tua antiga
imagem loura
em todos os pulsos
que anjos inclinam de existiresperdi-me noite na planície
branca
sobrevivente das madrugadas
da memóriatrocaram-me os dias
e as ruas de ancas
verticais
e nas minhas mãos incompletas
trouxe-te um naufrágio
de flores cansadas
e o único jardim de amor
que cultivei de navios ancorados ao espaço
Se temos uma biblioteca e um jardim temos tudo.
N. H.
Tu não és de Romeu a doce amante,
A triste Julieta, que suspira,
Solto o cabelo aos ventos ondeante,
Inquietas cordas de suspensa lira.Não és Ofélia, a virgem lacrimante,
Que ao luar nos jardins vaga e delira,
E é levada nas águas flutuante,
Como em sonho de amor que cedo expira.És a estátua de mármore de rosa;
Galatéia acordando voluptuosa
Do grego artista ao fogo de mil beijos…És a lânguida Júlia que desmaia,
És Haidéia nos côncavos da praia;
Fosse eu o Dom João dos teus desejos!…
A Sombra da Pessoa
(…) Uma pessoa não está… nítida e imóvel diante dos nossos olhos, com as suas qualidades, os seus defeitos, os seus projectos, as suas intenções para connosco (como um jardim que contemplamos, com todos os seus canteiros, através de um gradil), mas é uma sombra em que não podemos jamais penetrar, para a qual não existe conhecimento directo, a cujo respeito formamos inúmeras crenças, com auxílio de palavras e até de actos, palavras e actos que só nos fornecem informações insuficientes e aliás contraditórias, uma sombra onde podemos alternadamente imaginar, com a mesma verosimilhança, que brilham o ódio e o amor.
No Crepusculo
Nasce a luz do luar dos derradeiros,
Êrmos, soturnos pincaros sósinhos…
Andam sombras no ar e murmurinhos
E vagidos de luz… e os Pegureiros
Descem, cantando, a encosta dos outeiros…Tangendo amenas frautas amorosas,
Seus vultos, no crepusculo, desmaiam
E assim como os seus canticos, se espraiam
Em ondas de emoção. As fragarosas
Quebradas que o luar beija, misteriosas
Furnas, boccas de terra, murmurantes,
Arvoredos extaticos orando,
Rochedos, na penumbra, meditando,
Desfeitos em ternura, esvoaçantes,
Pairam tambem no espaço comovido,
Das primeiras estrelas já ferido,
Todo em luar e sombra amortalhado…E eu choro sobre um monte abandonado…
E o Phantasma divino da Creança,
Sombra de Anjinho em flor,
Nos longes dos meus olhos aparece,
Como se, por ventura, ele nascesse
Da minha incerta e trémula esperança,
E não da minha firme e eterna dôr!E choro; e alem das lagrimas, eu vejo
Aquele dôce Vulto pequenino,
Em seu leito de morte e soffrimento;
Jesus martirisado, inda Menino…
E é como cinza morte o meu desejo
E como extinta luz meu pensamento!
Eu cheguei à conclusão que um único ser humano, compreendido na sua profundidade, que dá generosamente a partir dos tesouros do seu coração, coloca em nós mais riquezas que as que César ou Alexandre poderiam alguma vez conquistar. Aqui é o nosso reino, a melhor das monarquias, a melhor república. Aqui é o nosso jardim, a nossa felicidade.
Em Teu Crespo Jardim Anêmonas Castanhas
Cada pétala ou sépala seja lentamente
acariciada, céu; e a vista pouse,
beijo abstrato, antes do beijo ritual,
na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado
Vastos Campos
Vou fazer-te uma confidência, talvez tenha já começado a envelhecer e o desejo, esse cão, ladra-me agora menos à porta. Nunca precisei de frequentar curandeiros da alma para saber como são vastos os campos do delírio. Agora vou sentar-me no jardim, estou cansado, setembro foi mês de venenosas claridades, mas esta noite, para minha alegria, a terra vai arder comigo. Até ao fim.
Desinferno II
Caísse a montanha e do oiro o brilho
O meigo jardim abolisse a flor
A mãe desmoesse as carnes do filho
Por botão de vídeo se fizesse amorO livro morresse, a obra parasse
Soasse a granizo o que era alegria
A porta do ar se calafetasse
Que eu de amor apenas ressuscitaria
Quem não Ama não Vive
Já na minha alma se apagam
As alegrias que eu tive;
Só quem ama tem tristezas,
Mas quem não ama não vive.Andam pétalas e fôlhas
Bailando no ár sombrío;
E as lágrimas, dos meus olhos,
Vão correndo ao desafio.Em tudo vejo Saudades!
A terra parece mórta.
– Ó vento que tudo lévas,
Não venhas á minha pórta!E as minhas rosas vermelhas,
As rosas, no meu jardim,
Parecem, assim cahidas,
Restos de um grande festim!Meu coração desgraçado,
Bebe ainda mais licôr!
– Que importa morrer amando,
Que importa morrer d’amôr!E vem ouvir bem-amado
Senhor que eu nunca mais vi:
– Morro mas levo commigo
Alguma cousa de ti.
Química
Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.
Os que Morrem por Amor
Os que morrem por amor continuam a pertencer à lenda. Os seus funerais arrastam uma multidão piedosa, tal como decerto aconteceu na cidade de Verona, há seiscentos anos. Ainda que nesse tempo os costumes fossem bastante fáceis, a prática erótica da juventude era muito mais modesta. Reflectindo melhor, é de crer que a própria licença produzisse um tipo de pessoas orgulhosas da sua intimidade afectiva; o que, se não é virtude, algo se parece. Este orgulho da própria intimidade conduz a uma atitude hostil em relação a tudo o que pode burocratizar os sentimentos. Há um sociólogo inclinado a crer que existe muito de romantismo burocrático no amor moderno. É possível. E quando aparecem os contestatários dessa espécie de burocracia, como são os Romeus e Julietas do Candal, a cidade fica-lhes agradecida. No campo dos afectos trata-se da luta obstinada que resulta do choque entre a vida privada e o regime governativo; entre um corpo animado de impulsos e uma autoridade explicada por leis. Através de inquéritos feitos nos meios juvenis para inquirir das transformações que se efectuam no âmbito das relações afectivas, deparam-se declarações bastante confusas. Elas pairam entre uma sinceridade elementar que descura a experiência e teorias perfeitamente viciadas nos lugares-comuns do século.
Em vez de enumerar os sofrimentos, enumera as dádivas. Por que te queixas se possuis tantas dádivas? Para quem se lembra de agradecer à saúde somente quando fica doente, virá a doença. Do jardim daquele que se lembra de louvar o canto dos passarinhos se vão. O modo de viver da Seicho-No-Ie consiste em agradecer.
Seria o Amor Português
Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta…»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
Não és os Outros
Não há-de te salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaramTeus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no FadoE a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente. E assim é com a vida, você mata os sonhos que finge não ver.