Talvez eu tenha um sentido fatalista da vida. Mesmo quando era novo, eu dizia a mim próprio que aquilo que fosse para mim viria parar-me às mãos. Não tenho de ir à procura, é só estar atento. Se há alguma sabedoria na minha vida, é saber esperar.
Passagens de José Saramago
397 resultadosVivemos num sistema de mentiras organizadas, entrelaçadas umas nas outras. E o milagre é que, apesar de tudo, consigamos construir as nossas pequenas verdades, com as quais vivemos, e das quais vivemos.
O que as pessoas não conseguiram, e alguma razão têm, foi vencer o medo de perder o emprego. E o resultado é a neutralização do espírito de militância que durante gerações caracterizou a classe operária.
O mundo não é bom – ele não tem a responsabilidade, pobre mundo, somos nós que não somos bons. O ser humano comporta-se como um animal enfermo de superstições, de rotinas, preconceitos, de que parece não sermos capazes de nos libertarmos.
… como se o tempo houvesse encolhido todo, de trás para diante e de diante para trás, comprimido em um instante compacto…
Passado, Presente, Futuro
Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
Cada homem que morre é uma morte de Deus. E quando o último homem morrer, Deus não ressuscitará.
Tolerância não é Igualdade
Eu sou contra a tolerância, porque ela não basta. Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Sobre a intolerância já fizemos muitas reflexões. A intolerância é péssima, mas a tolerância não é tão boa quanto parece. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância.
Voltei – timidamente – ao Ensaio (escrita do «Ensaio sobre a Cegueira»). Modifiquei umas quantas coisas, e o capítulo ficou bastante melhor: a importância que pode ter usar uma palavra em vez de outra, aqui, além, um verbo mais certeiro, um adjectivo menos visível, parece nada e afinal é quase tudo.
Deus, o diabo, o bom, o ruim, tudo está na nossa cabeça, não no céu ou no inferno, que também inventamos. Não percebemos que, tendo inventado Deus, imediatamente nos escravizamos a ele.
Nada me chateia mais do que ouvir um político dizer que não devemos criar alarme social. A sociedade tem de estar alarmada, que é a sua forma de estar viva.
A maior dificuldade para chegar a viver razoavelmente no inferno é o cheiro que lá há.
Arte de Amar
Metidos nesta pele que nos refuta,
Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já o diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.
Há sempre um zarolho ou um esperto que nos governa.
O Mercado Pode Tornar-se uma Ditadura
A diferença (entre a ditadura e o capitalismo) é que não é a ditadura como nós conhecemos. É o que eu chamo de «capitalismo autoritário». A ditadura tinha cara, e nós dizíamos é aquela, ou aqueles militares, o Hitler, o Franco, o Pinochet, mas agora não tem cara. E como não tem cara não sabemos contra quem lutar. Não há contra quem lutar. O mercado não tem cara, só tem nome. Está em toda a parte e não podemos identificá-lo, dizer «és tu». Mesmo as pessoas que lutaram contra a ditadura, entrando na democracia acham que não têm mais que lutar. E os problemas estão todos aí. O mercado pode tornar-se uma ditadura.
Toda a gente fala de direitos humanos e ninguém de deveres, talvez fosse uma boa ideia inventar um Dia dos Deveres Humanos.
Não romantizo nada o ofício de escrever. No fundo, romantizá-lo é outra maneira de parecer interessante.
O meu comportamento é absurdo: não sei defender-me, entrego-me a cada entrevista como se tivesse a vida em jogo. Às vezes parece-me surpreender na cara dos jornalistas uma expressão de assombro. Imagino que estarão a pensar: «Por que tomará ele isto tão a peito?».
Se começássemos a dizer claramente que a democracia é uma piada, um engano, uma fachada, uma falácia e uma mentira, talvez pudéssemos nos entender melhor.
Somos Irracionais
No meu tempo de escola primária, algumas crédulas e ingénuas pessoas, a quem dávamos o respeitoso nome de mestres, ensinaram-me que o homem, além de ser um animal racional, era, também, por graça particular de Deus, o único que de tal fortuna se podia gabar. Ora, sendo as primeiras lições aquelas que mais perduram no nosso espírito, ainda que, muitas vezes, ao longo da vida, julguemos tê-las esquecido, vivi durante muitos anos aferrado à crença de que, apesar de umas tantas contrariedades e contradições, esta espécie de que faço parte usava a cabeça como aposento e escritório da razão. Certo era que o pintor Goya, surdo e sábio, me protestava que é no sono dela que se engendram os monstros, mas eu argumentava que, não podendo ser negado o surgimento dessas avantesmas, tal só acontecia quando a razão, pobrezinha, cansada da obrigação de ser razonável, se deixava vencer pela fadiga e mergulhava no esquecimento de si própria. Chegado agora a estes dias, os meus e os do mundo, vejo-me diante de duas probabilidades: ou a razão, no homem, não faz senão dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também indubitavelmente, o mais irracional de todos eles.