Textos sobre Indivíduo

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Textos de indivíduo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Não Queira Ser Especial

Se uma pessoa se aceitar tal como é e usar as suas capacidades para desenvolver a criatividade – e todas as pessoas nascem com certas capacidades, determinados talentos e alguma criatividade será imensamente feliz apesar de não ser ninguém. Um indivíduo não tem de ser forçosamente feliz só porque se converteu no homem mais rico ou no homem mais poderoso do mundo. Estas são as noções infantis do homem primitivo, um fardo que temos carregado até aos dias de hoje.
Eu gostava de lhe pedir: abandone as palavras «aceitação total». Substitua-as por palavras simples e sinta-se alegre interiormente. No momento em que se alegrar em si mesmo, toda a existência se alegra em si. Terá, então, alcançado a sintonia com a dança harmoniosa que acontece ao seu redor.
Só o homem se desfez em pedaços, e o motivo por que se desfez tem que ver com o facto de querer ser especial. Se quiser ser especial, terá de aceitar algum tipo de loucura.

A Felicidade é tão Cansativa como a Infelicidade

Toda a gente tem o seu método de interpretar a seu favor o balanço das suas impressões, para que daí resulte de algum modo aquele mínimo de prazer necessário às suas existências quotidianas, o suficiente em tempos de normalidade. O prazer da vida de cada um pode ser também constituído por desprazer, essas diferenças de ordem material não têm importância; sabemos que existem tantos melancólicos felizes como marchas fúnebres, que pairam tão suavemente no elemento que lhes é próprio como uma dança no seu. Talvez também se possa afirmar, ao contrário, que muitas pessoas alegres de modo nenhum são mais felizes do que as tristes, porque a felicidade é tão cansativa como a infelicidade; mais ou menos como voar, segundo o princípio do mais leve ou mais pesado do que o ar. Mas haveria ainda uma outra objecção: não terá razão aquela velha sabedoria dos ricos segundo a qual os pobres não têm nada a invejar-lhes, já que é pura fantasia a ideia de que o seu dinheiro os torna mais felizes? Isso só lhes imporia a obrigação de encontrar um sistema de vida diferente do seu, cujo orçamento, em termos de prazer, fecharia apenas com um mínimo excedente de felicidade,

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Todos nós Somos Crentes

Todos os homens da terra estão conscientes do infinito e da eternidade. A única diferença que existe entre eles é saber até que ponto essa consciência abala cada indivíduo considerado isoladamente. Um acredita num deus pessoal acima das coisas e dos homens, o outro acredita no seu próprio querer como no seu deus, uns são humildes, outros revoltam-se, e todos, seja qual for o comportamento individual de cada um – todos são crentes.

O Desejo de Discutir

Se as discussões políticas se tornam facilmente inúteis, é porque quando se fala de um país se pensa tanto no seu governo como na sua população, tanto no Estado como na noção de Estado enquanto tal. Pois o Estado como noção é uma coisa diferente da população que o compõe, igualmente diferente do governo que o dirige. É qualquer coisa a meio caminho entre o físico e o metafísico, entre a realidade e a ideia.
È a esse género de estirilidade que estão geralmente condenadas, tal como acontece com as discussões políticas, as que incidem sobre a religião, pois a religião pode ser sinónima de dogmas, ou de ritual, ou referir-se a posições pessoais do indivíduo sobre questões ditas eternas, o infinito e a eternidade, problemas do livre arbítrio e da responsabilidade ou, como se diz também: Deus.
E o mesmo acontece com as discussões que têm a ver com a maior parte dos assuntos abstractos, sobretudo a ética e os temas filosóficos, mas também com campos de análise mais restritos, incidindo sobre os problemas mais imediatos, como por exemplo o socialismo, o capitalismo, a aristocracia, a democracia, etc…, em que as noções são tomadas tanto no sentido amplo como no restrito,

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A Genética Condiciona a Felicidade

Uma era de felicidade simplesmente não é possível porque as pessoas querem apenas desejá-la, mas não possuí-la, e cada indivíduo aprende durante os seus bons tempos a de facto rezar por inquietações e desconforto. O destino do homem está projetado para momentos felizes — toda a vida os têm —, mas não para eras felizes. Estas, porém, permanecerão fixadas na imaginação humana como “o que está além das montanhas”, como um legado de nossos ancestrais: pois o conceito de uma era de felicidade foi sem dúvida adquirido nos tempos primordiais, a partir da condição em que, depois de um esforço violento na caça e na guerra, o homem se entrega ao repouso, estica os membros e sente as asas do sono roçando a sua pele. Será uma falsa conclusão se, na trilha dessa remota e familiar experiência, o homem imaginar que, após eras inteiras de labor e inquietação, ele poderá usufruir, de modo correspondente, daquela condição de felicidade intensa e prolongada.

A Irrelevância da Escrita Controversa

Suponhamos que amanhã, como consequência de terem lido Henri Miller, todas as pessoas começavam a usar uma linguagem livre, uma linguagem de sarjeta, se quiserem, e a agir de acordo com as suas crenças e convicções. E então ? A minha resposta é que, acontecesse o que acontecesse, seria como nada tivesse ocorrido, nada, insisto, se o compararmos com os efeitos da explosão de uma única bomba atómica. E isto é, confesso, a coisa mais triste que um indivíduo criador como eu pode admitir. É minha convicção que estamos hoje a atravessar um período a que se poderia chamar de «insensibilidade cósmica», um período em que Deus parece, mais do que nunca, ausente do mundo, e o homem se vê condenado a enfrentar o destino que para si próprio criou. Num momento como este, a questão de saber se um homem é ou não culpado de usar de uma linguagem obscena em livros impressos parece-me perfeitamente inconsequente. É quase como se eu, ao atravessar um prado, descobrisse uma erva coberta de esterco e, curvando-me para a ervilha obscura, lhe dissesse em tom de admoestação: «

O Despotismo do Homem Vulgar

A história européia parece, pela primeira vez, entregue à decisão do homem vulgar como tal. Ou dito em voz activa: o homem vulgar, antes dirigido, resolveu governar o mundo. Esta resolução de avançar para o primeiro plano social produziu-se nele, automaticamente, mal chegou a amadurecer o novo tipo de homem que ele representa. Se, atendendo aos defeitos da vida pública, estuda-se a estrutura psicológica deste novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: 1º, uma impressão nativa e radical de que a vida é fácil, abastada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio encontra em si mesmo uma sensação de domínio e triunfo que, 2º, convida-o a afirmar-se a si mesmo tal qual é, a considerar bom e completo o seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo mesmo leva-o a fechar-se em si mesmo para toda a instância exterior, a não ouvir, a não pôr em tela de juízo as suas opiniões e a não contar com os demais. A sua sensação íntima de domínio incita-o constantemente a exercer predomínio. Actuará, pois, como se somente ele e os seus congéneres existissem no mundo; portanto, 3º, intervirá em tudo impondo a sua vulgar opinião, sem considerações, contemplações, trâmites nem reservas; quer dizer,

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A Inteligência e o Sentido Moral

A inteligência é quase inútil para aqueles que só a possuem a ela. O intelectual puro é um ser incompleto, infeliz, pois é incapaz de atingir aquilo que compreende. A capacidade de apreender as relações das coisas só é fecunda quando associada a outras actividades, como o sentido moral, o sentido afectivo, a vontade, o raciocínio, a imaginação e uma certa força orgânica. Só é utilizável à custa de esforço.
Os detentores da ciência preparam-se longamente realizando um duro trabalho. Submetem-se a uma espécie de ascetismo. Sem o exercício da vontade, a inteligência mantém-se dispersa e estéril. Uma vez disciplinada, torna-se capaz de perseguir a verdade. Mas só a atinge plenamente se for ajudada pelo sentido moral. Os grandes cientistas têm sempre uma profunda honestidade intelectual. Seguem a realidade para onde quer que ela os conduza. Nunca procuram substituí-la pelos seus próprios desejos, nem ocultá-la quando se torna opressiva. O homem que quiser contemplar a verdade deve manter a calma dentro de si mesmo. O seu espírito deve ser como a água serena de um lago. As actividades afectivas, contudo, são indispensáveis ao progresso da inteligência. Mas devem reduzir-se a essa paixão que Pasteur chamava deus inteiror, o entusiasmo.

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Absurdo, Liberdade e Projecto

Uma vez admitidos dois factos: que o devir não tem fim e que não é dirigido por qualquer grande unidade na qual o indivíduo possa mergulhar totalmente como num elemento de valor supremo, resta só uma escapatória possível: condenar todo esse mundo do devir como ilusório e inventar um mundo situado no além, que seria o mundo verdadeiro. Mas, logo que o homem descobre que este mundo não é senão construído sobre as suas próprias necessidades psicológicas e que ele não é de nenhum modo obrigado a acreditar nele, vemos aparecer a última forma do niilismo, que implica a negação do mundo metafísico e que a si mesma se proíbe de crer num mundo verdadeiro. Alcançado este estado, reconhecemos que a realidade do devir é a única realidade e abstemo-nos de todos os caminhos afastados que conduziriam à crença em outros mundos e em falsos deuses – mas não suportamos este mundo que não temos já a vontade de negar.
(…) Que se passou portanto? Chegámos ao sentimento do não valor da existência quando compreendemos que ela não pode interpretar-se, no seu conjunto, nem com a ajuda do conceito de fim, nem com a do conceito de unidade, nem com a do conceito de verdade.

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A Dor e o Tédio São os Dois Maiores Inimigos da Felicidade

O panorama mais amplo mostra-nos a dor e o tédio como os dois inimigos da felicidade humana. Observe-se ainda: à medida que conseguimos afastar-nos de um, mais nos aproximamos do outro, e vice-versa; de modo que a nossa vida, na realidade, expõe uma oscilação mais forte ou mais fraca entre ambos. Isso origina-se do facto de eles se encontrarem reciprocamente num antagonismo duplo, ou seja, um antagonismo exterior ou oubjectivo, e outro interior e subjectivo. De facto, exteriormente, a necessidade e a privação geram a dor; em contrapartida, a segurança e a abundância geram o tédio. Em conformidade com isso, vemos a classe inferior do povo numa luta constante contra a necessidade, portanto contra a dor; o mundo rico e aristocrático, pelo contrário, numa luta persistente, muitas vezes realmente desesperada contra o tédio. O antagonismo interior ou subjectivo entre ambos os sofrimentos baseia-se no facto de que, em cada indivíduo, a susceptibilidade para um encontra-se em proporção inversa à susceptibilidade para o outro, já que ela é determinada pela medida das suas forças espirituais. Com efeito, a obtusidade do espírito está, em geral, associada à da sensação e à ausência da excitabilidade, qualidades que tornam o indivíduo menos susceptível às dores e aflições de qualquer tipo e intensidade.

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O Homem Amesquinhado

Apesar do quadro negro de uma cúpula política e intelectual desvairada e grossa e de um povo abandonado a seu próprio destino, ainda havia ali, no país, naquele espantoso verão de 1955, uma considerável energia vital, uma exaltada alegria de viver, acentuada, em alguns lugares e num ou noutro indivíduo, ainda mais possuído do gozo pleno de um extraodinário senso lúdico tropical. Estávamos, poderíamos nos considerar como estando, num dos últimos redutos do ser humano. Depois disso viria o fim, não, como todos pensavam, com um estrondo, mas com um soluço. A densa nuvem desceria, não, como todos pensavam, feita de moléculas radioativas, mas da grosseria de todos os dias, acumulada, aumentada, transmitida, potenciada. O homem se amesquinharia, vítima da mesquinharia do seu semelhante, cada dia menos atento a um gesto de gentileza, a um ato de beleza, a um olhar de amor desinteressado, a uma palavra dita com uma precisa propriedade. E tudo começou a ficar densamente escuro, porque tudo era terrivelmente patrocinado por enlatadores de banha, fabricantes de chouriço e vendedores de desodorante, de modo que toda a pretensa graça da vida se dirigia apenas à barriga dos gordos, à tripa dos porcos, ou, no máximo de finura e elegância,

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A Realidade Histórica é Equívoca e Inesgotável

O historiador pertence ao devir que descreve. Está situado após os acontecimentos, mas na mesma evolução. A ciência histórica é uma forma de consciência que uma comunidade toma de si mesma, um elemento da vida colectiva, como o conhecimento de si um aspecto da consciência pessoal, um dos factores do destino individual. Não é ela função simultaneamente da situação actual, que por definição muda com o tempo, e da vontade que anima o sábio, incapaz de se destacar de si mesmo e do seu objecto?
Mas, por outro lado, ao contrário, o historiador busca penetrar a consciência de outrem. É, em relação ao ser histórico, o outro. Psicólogo, estratega ou filósofo, observa sempre do exterior. Não pode nem pensar o seu herói, como este se pensa a si mesmo, nem ver a batalha como o general a viu ou viveu, nem compreender uma doutrina do mesmo modo que o criador.
Finalmente, quer se trate de interpretar um acto ou uma obra, devemos reconstuí-los conceptualmente. Ora nós temos sempre de escolher entre múltiplos sistemas, pois a ideia é ao mesmo tempo imanente e transcendente à vida: todos os monumentos existem por eles mesmos num universo espiritual, a lógica jurídica e económica é interna à realidade social e superior à consciência individual.

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A Piedade

A piedade é um sentimento natural, que, moderando em cada indivíduo a actividade do amor de si próprio, concorre para a conservação mútua de toda a espécie. É ela que nos leva sem reflexão em socorro daqueles que vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza, faz as vezes de lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer à sua doce voz; é ela que impede todo o selvagem robusto de arrebatar a uma criança fraca ou a um velho enfermo a sua subsistência adquirida com sacrifício, se ele mesmo espera poder encontrar a sua alhures; é ela que, em vez desta máxima sublime de justiça raciocinada, faz a outrem o que queres que te façam, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, porém mais útil, talvez, do que a precedente: faz o teu bem com o menor mal possível a outrem. Em uma palavra, é nesse sentimento natural, mais do que em argumentos subtis, que é preciso buscar a causa da repugnância que todo o homem experimentaria em fazer mal, mesmo independentemente das máximas da educação. Embora possa competir a Sócrates e aos espíritos da sua têmpera adquirir a virtude pela razão,

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A Psicologia de Grupo

O indivíduo num grupo está sujeito, através da influência deste, ao que com frequência constitui uma profunda alteração na sua actividade mental. A sua submissão à emoção torna-se extraordinariamente intensificada, enquanto que a sua capacidade intelectual é acentuadamente reduzida, com ambos os processos evidentemente dirigindo-se para uma aproximação com os outros indivíduos do grupo; e esse resultado só pode ser alcançado pela remoção daquelas inibições aos instintos que são peculiares a cada indivíduo, e pela resignação deste àquelas expressões de inclinações que são especialmente suas. Aprendemos que essas consequências, amiúde importunas, são, até certo ponto pelo menos, evitadas por uma «organização» superior do grupo, mas isto não contradiz o fato fundamental da psicologia de grupo: as duas teses relativas à intensificação das emoções e à inibição do intelecto nos grupos primitivos.

Como Manipular um Público

Segundo uma lei conhecida, os homens, considerados colectivamente, são mais estúpidos do que tomados individualmente. Numa conversa a dois, convém que respeitemos o parceiro, mas essa regra de conduta já não é tão indispensável num debate público em que se trata de dispor as massas a nosso favor.

Há uns anos, um político pagou a figurantes para o aplaudirem numa concentração. Como bom profissional, compreendera que uma claque, embora não melhore o discurso, predispõe melhor os espectadores a descobrirem os seus méritos. O mimetismo é a mola principal para mover as massas no sentido do entusiasmo, do respeito ou do ódio. Mesmo perante um pequeno público de trinta pessoas, há sempre algo de religioso que provém da coagulação dos sentimentos individuais em expressão colectiva. No meio de um grupo, é necessária uma certa energia para pensar contra a maioria e coragem para exprimir abertamente essa opinião.
Os manipuladores de opinião ou, para utilizar uma palavra mais delicada, os comunicadores, sabem que, para conduzir mentalmente uma assembleia numa determinada direcção, é necessário começar por agir sobre os seus líderes. A primeira tarefa consiste em determinar quem são, apesar de eles próprios não o saberem. Um manipulador não tarda a distinguir o punhado de indivíduos em que pode apoiar-se para influenciar os outros.

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No Fundo Somos Bons Mas Abusam de Nós

O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade. As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício. É o que normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma «civilização planetária»? Que significa o regionalismo em face da rádio e da TV? O rasoiro que nivela a província é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte. Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma realidade. Como no Egipto, na Grécia,

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Civilização de Especialistas

A verdade é que hoje vivemos numa civilização de especialistas e que é vão todo o empenho de que seja de outro modo. Sob pena de não ser eficiente, o homem das artes, das ciências e das técnicas tem de se especializar, para que domine aqueles segredos de bibliografia ou de prática, e para que obtenha os jeitos e a forte concentração de pensamento que se tornam necessários para que se possa não só manejar o que se herdou mas acrescentar património para as gerações futuras. E, se é certo que por um lado o especialismo favorece aquela preguiça de ser homem que tanto encontramos no mundo, permite ele, por outro lado, aproveitar em tarefas úteis indivíduos que pouco brilhantes seriam no tratamento de conjuntos. O preço, porém, se tem naturalmente de pagar; paga-o o colectivo quando se queixa, e muito justamente, da falta de bons líderes, de homens com uma larga visão de conjunto, que saibam do trabalho de cada um o suficiente para o poderem dirigir e se tenham eles tornado especialistas na difícil arte de não ter especialidade própria senão essa mesma do plano, da previsão e do animar na batalha as tropas que, na maior parte das vezes,

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Falar Sempre, Pensar Nunca

Desde que, com a ajuda do cinema, das soap operas e do horney, a psicologia profunda penetra nos últimos rincões, a cultura organizada corta aos homens o acesso à derradeira possibilidade da experiência de si mesmo. E esclarecimento já pronto transforma não só a reflexão espontânea, mas o discernimento analítico, cuja força é igual à energia e ao sofrimento com que eles se obtêm, em produtos de massas, e os dolorosos segredos da história individual, que o método ortodoxo se inclina já a reduzir a fórmulas, em vulgares convenções.
Até a própria dissolução das racionalizações se torna racionalização. Em vez de realizar o trabalho de autognose, os endoutrinados adquirem a capacidade de subsumir todos os conflitos em conceitos como complexo de inferioridade, dependência materna, extrovertido e introvertido, que, no fundo, são pouco menos que incompreensíveis. O horror em face ao abismo do eu é eliminado mediante a consciência de que não se trata mais do que uma artrite ou de sinus troubles.
Os conflitos perdem assim o seu aspecto ameaçador. São aceites; não sanados, mas encaixados somente na superfície da vida normalizada como seu ingrediente inevitável. São, ao mesmo tempo, absorvidos como um mal universal pelo mecanismo da imediata identificação do indivíduo com a instância social;

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O Dever Para Nós Próprios

Influenciar uma pessoa é dar-lhe a nossa própria alma. O indivíduo deixa de pensar com os seus próprios pensamentos ou de arder com as suas próprias paixões. As suas virtudes não lhe são naturais. Os seus pecados, se é que existe tal coisa, são tomados de empréstimo. Torna-se o eco de uma música alheia, o actor de um papel que não foi escrito para ele. O objectivo da vida é o desenvolvimento próprio, a total percepção da própria natureza, é para isso que cada um de nós vem ao mundo. Hoje em dia as pessoas têm medo de si próprias. Esqueceram o maior de todos os deveres, o dever para consigo mesmos. É verdade que são caridosas. Alimentam os esfomeados e vestem os pobres. Mas as suas próprias almas morrem de fome e estão nuas. A coragem desapareceu da nossa raça e se calhar nunca a tivemos realmente. O temor à sociedade, que é a base da moal, e o temor a Deus, que é o segredo da religião, são as duas coisas que nos governam.

A Essência do Fanatismo

A essência do fanatismo consiste em considerar determinado problema como tão importante que ultrapasse qualquer outro. Os bizantinos, nos dias que precederam a conquista turca, entendiam ser mais importante evitar o uso do pão ázimo na comunhão do que salvar Constantinopla para a cristandade. Muitos habitantes da península indiana estão dispostos a precipitar o seu país na ruína por divergirem numa questão importante: saber se o pecado mais detestável consiste em comer carne de porco ou de vaca. Os reaccionários amercianos prefiririam perder a próxima guerra do que empregar nas investigações atómicas qualquer indivíduo cujo primo em segundo grau tivesse encontrado um comunista nalguma região. Durante a Primeira Guerra Mundial, os escoceses sabatários, a despeito da escassez de víveres provocada pela actividade dos submarinos alemães, protestavam contra a plantação de batatas ao domingo e diziam que a cólera divina, devido a esse pecado, explicava os nossos malogros militares. Os que opõem objecções teológicas à limitação dos nascimentos, consentem que a fome, a miséria e a guerra persistam até ao fim dos tempos porque não podem esquecer um texto, mal interpretado, do Génese. Os partidários entusiastas do comunismo, tal como os seus maiores inimigos, preferem ver a raça humana exterminada pela radioactividade do que chegar a um compromisso com o mal –

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