Poemas sobre PossessĂŁo

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Poemas de possessão escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Amores

a Jean Moréas

Judite, a loura e magra que ora vive
Entre palmas e mirra, nas novenas;
Dulce, a de peitos de hidromel e penas,
Com quem libidinosas noites tive;
Maria a ingénua, a plácida e macia,
Ingénua como um pintassilgo e pura
Como um mĂŞs de Maria;
LĂ­dia, a trigueira hostil, severa e dura,
E Fábia, a de olhos perturbantes, lassos,
E de morenas, aprilinas pomas,
Fábia, cujos abraços
Me vestiam de aromas
Todas adorei,
Todas me adoraram
Quando as desprezei.

Antes de as possuir, antes de as subjugar
Co’a força do meu verbo e a luz do meu olhar,
Em cada uma eu via o céu aberto;
Mas apenas ao peito as comprimia,
O meu entusiasmo arrefecia
E o céu sonhado transformava-se em deserto…

Ante a posse, os desejos esmorecem;
Do amor na amarga pugna,
Fui como os doentes que tudo apetecem
E a quem tudo repugna

Pensamentos

Da propriedade — como se alguém
apto a possuir coisas nĂŁo pudesse
entrar na posse delas Ă  vontade
e incorporá-las, a ele ou a ela;
da vista — pressupõe um olhar para trás,
atravessando o caos em formação
a imaginar a evolução, a plenitude, a vida
a que se chega na jornada agora
(eu porém vejo a estrada continuando,
e a jornada sempre a continuar);
do que uma vez faltava sobre a terra
e que a seu tempo foi propiciado
— e do que ainda está por ser propiciado,
pois tudo o que eu vejo e sei
creio ter seu sentido mais profundo
no que ainda está por ser propiciado.

Por uma Noite de Outomno

Por uma noite de outomno
Lá n’essa nave sombrĂ­a,
Hei-de contigo deitar-me,
Mulher branca e muda e fria!

Hei-de possuir na morte
O teu corpo de marfim,
Mulher que nunca me olhaste,
Que nunca pensaste em mim…

E quando, no fim do mundo,
A trombêta, além, se ouvir,
Apertar-te-hei mais ainda,
– NĂŁo te deixarei partir!

A tua boca formosa
Será sempre dos meus beijos;
E o teu corpo a minha patria,
A patria dos meus desejos.

Elegia do CiĂşme

A tua morte, que me importa,
se o meu desejo nĂŁo morreu?
Sonho contigo, virgem morta,
e assim consigo (mas que importa?)
possuir em sonho quem morreu.

Sonho contigo em sobressalto,
não vás fugir-me, como outrora.
E em cada encontro a que nĂŁo falto
inda me turbo e sobressalto
Ă  tua mĂ­nima demora.

Onde estiveste? Onde? Com quem?
— Acordo, lívido, em furor.
Súbito, sei: com mais ninguém,
ó meu amor!, com mais ninguém
repartirás o teu amor.

E se adormeço novamente
vou, tĂŁo feliz!, sem azedume
— agradecer-te, suavemente,
a tua morte que consente
tranquilidade ao meu ciĂşme.

Infinitude dos Amantes

Se até agora ainda não possuo todo o teu amor,
Querida, nunca o terei de todo.
NĂŁo posso soltar mais um suspiro, comover-me,
Nem suplicar a mais outra lágrima que corra;
E todo o meu tesouro, que deveria comprar-te —
Suspiros, lágrimas, juras e cartas — já gastei.
Porém, nada mais me poderá ser devido,
Além do proposto no negócio acordado:
Se então a tua dádiva de amor foi parcial,
Que parte a mim, parte a outros, caberia,
Querida, nunca te possuirei totalmente.

Mas, se entĂŁo me deste tudo,
Tudo seria apenas o tudo que ao tempo tinhas;
E se em teu coração, desde então, existe ou venha
A existir novo amor gerado por outros homens,
Cujos haveres estejam intactos e possam, em lágrimas,
Em suspiros, em juras e cartas, exceder a minha oferta,
Este novo amor pode suscitar novos receios,
Dado que um tal amor nĂŁo foi jurado por ti.
Mas se foi, sendo as tuas dádivas gerais,
O terreno — o teu coração —, é meu, e o que quer
Que nele cresça, querida, pertence-me totalmente.

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Cabra-Cega

Ă€ volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mĂŁos.
… E foi a vida o seu jogo!

Julguei possuir estrelas
SĂł por vĂŞ-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!

Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade…

— E a que sentimentos vãos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!

PaixĂŁo

— Quanto dura uma paixão?

Uma paixĂŁo nĂŁo dura nada, apenas
a eternidade simples de um sorriso
que, por ser belo, e possuir antenas
capta constantemente o paraĂ­so.

Uma paixĂŁo Ă© sempre um peixe grande,
uma alegria que se torna amarga
quando se perde a noite e, na manhĂŁ
de sol, se perde o anzol na linha larga.

Nem adianta, aĂ­, mudar de isca,
cevar o poço e procurar no fundo:
o peixe da paixĂŁo Ă© sombra arisca
na melhor pescaria deste mundo.

Ela nĂŁo dura muito e, por ser peixe,
não dura na emoção, não dura nada:
se se perde no fundo, Ă© sempre um feixe
de luz
— alguma escama nacarada,
caco de vidro, areia no sol quente
que cintila e se apaga, de repente.

Reduzir a DependĂŞncia das Coisas

Tudo consiste em reduzir a dependĂŞncia das coisas.
Partes amanhĂŁ. NĂŁo mais nos veremos. Um pouco o
desertor a cada passagem da nossa alma ou
quem espera para morrer.

A aquisição de todos estes bens
as espécies de tristeza são o que
acompanha quem espera — quais as pretendidas
vantagens? a juventude ou o mar?

Que te importa o que posso ou nĂŁo fazer? Se
estamos tĂŁo perto quando nas ruas cruzamos e dizemos
o herói de toda a circunstância — a tua vida
precede a minha a tua morte ao abrigo das paixões
mas nada disto Ă© dito
animal que repousa sob o erro.

Pela Ăşltima vez
põe os teus sapatos novos
tão contrários à fonte dos actos e à moral
e vem, mesmo que tenhas andado para lá do som,
lavadinho, para que eu possa passar a minha mĂŁo
pelo pĂŞlo
pelo pêlo lugar também do saber e de toda a possessão.

Rêve Oublié

Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti

Agora na superfĂ­cie da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna

Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo

Contar a vida pelos dedos e perdĂŞ-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada

Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro

E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.

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