Poemas sobre Vozes

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Poemas de vozes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Cantiga do Campo

Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!

Quando entre as mais raparigas
Vaes cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noutes claras!

Os que andam na descamisa
Gabam a violla tua,
Que, ás vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.

E fallam com tristes vozes
Do teu amor singular
Áquella casa onde cozes,
Com varanda para o mar.

Por isso nada me medra,
Ando curvado e sombrio!
Quem me dera ser a pedra
Em que tu lavas no rio!

E andar comtigo, ó meu pomo,
Exposto ás chuvas e aos soes!
E uma noute morrer como
Se morrem os rouxinoes!

Morrer chorando, n’um choro
Que mais as magoas consolla,
Levando só o thesouro
Da nossa triste violla!

Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!

Culpabilidade

O que é o perdão?

Vivi na esperança
de o ter entre os dedos.
Quem diz que o alcança
só vive de enredos…

Fiz mal? Mas a quem?
Que venham contar-me
as mágoas geradas
por meu vil desdém
e as feridas mostrar-me
na carne rasgadas.

Fiz mal? Mas a quem?
Fui pedra lançada
no vosso caminho?
Barrei-vos a estrada
com traves de pinho?

Só sei que

há vozes gritando
a culpa que sinto
pesar-me na alma,
há ecos cavando
a dor que pressinto
em noites de calma…

Só sei que
suspensos enredos
da minha agonia,
urdida ao serão
em grande segredo,
tornaram vazia
a minha intuição.

Fiz mal? Sim ou não?
Onde e quando?
Dizei-mo, dizei-mo!

Eu sou como a rocha
virada prò norte,
que acolhe a rajada
em concha bem forte
e a atira prò nada…

Fiz mal? Sim ou não?
Até os duendes,
escondidos e aduncos,
me negam razão.

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A Poesia

Difícil, estreita passagem,
força quente perscrutada,
corpo de névoa, de imagem,
com sulcos de tatuagem,
voz absoluta escutada…

Destino de aranha, tece
com fios vários da vida
alegria se amanhece
ou chora se a luz fenece
pela noite perseguida.

Intimidade exterior,
pureza de impuras formas,
conhecimento e amor,
água límpida, estertor,
sem regras feita de normas.

Ser ou não ser

Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca
se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.

Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.

Até quando? Até quando?

Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.

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Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti, como de mim.

Perde-se a vida, a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria…
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz, seria
Matar a sede com água salgada.

Respira Naturalmente

Respira naturalmente como erva
Acordada ao orvalho da manhã.
Voz exacta da noite é o silêncio e a
Seta que trespassa os nossos olhos fundidos
No espanto do milagre
Inominado.
Respira como quem canta.
Natural. Espontâneamente.
Ou como quem apenas vive. Ou
Mente, e apenas mente.
No olhar traído,
A sombra dúctil de ser
Força móvel e irreversível.
Gume de um só lado. Vamos!
Respira. Abre, diurno, à inflexível luz
A dor do teu olhar calado.

O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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Egoísmo

Fui sozinho à minha entrevista,
Quem é esse que me segue
na escuridão calada?

Afasto-me para ele passar,
mas não passa.

Seu andar soberbo
levanta poeira,
sua voz forte
duplica a minha palavra.

Senhor,
é o meu pobre eu!
Ele não se importa com nada.
Mas como sinto vergonha
por ter de vir com ele
à tua porta!

Tradução de Manuel Simões

Em Viagem

Desde aquela dor tamanha
Do momento em que parti
Um só prazer me acompanha,
Filha, o de pensar em ti:

Por sobre a negra paisagem
Do meu ermo coração
O luar branco da tua imagem
Veste um benigno clarão.

A tarde, no azul celeste,
Há uma estrela esmorecida,
Que é o beijo que tu me deste
Na hora da despedida.

Beijo tão longo e dolente,
Tão longo e cortado de ais,
Que o meu coração pressente
Que não te torno a ver mais.

Conto no céu estrelado
Lágrimas de oiro sem fim:
É o pranto que tens chorado,
De dia e noite, por mim…

Quando me deito na cama
E vou quase adormecido,
Oiço a tua voz que me chama,
Num suplicante gemido.

Num gemido tão suave,
Tão triste na noite escura,
Que é como uma queixa d’ave
Presa numa sepultura!…

Em sonho, às vezes, meu Deus,
Cuido que vou expirar,
Sem levar nos olhos meus
O teu derradeiro olhar.

E sem extremo conforto
Que eu ness’hora quero ter:
Beijar a fronte do morto
Aquela que o fez viver.

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Tempo Habitual

De nojo, o tempo, o nosso,
A perfídia estrumando
No presumir da carícia branda e sorriso
De todos.

De raiva o tempo, o nosso,
Céu, mar e terra abrasando
Em clamor de labareda e navalha afiada
E sangue.

De pavor o tempo, o nosso,
A primavera assombrando.
Exílio de ventres a fecundar e tudo o mais
Que a faz.

De amor o tempo, o nosso,
Onde uma voz espalhando
A boa nova do pântano fétido da noite
Imposta?
De nojo, de raiva, de pavor,
O tempo transido
Do nosso viver dia-a-dia!
Mas não de amor…

Enlevo

Não brilha o sol,
Nem póde a lua
Brilhar na sua
Presença d’ella!..
Nenhuma estrella
Brilha deante
Da minha amante,
Da minha amada!

A madrugada
Quanto não perde!
O campo verde
Quanto esmorece!
Quanto parece
A voz da ave
Menos suave
Que a sua falla!

A flôr exhala
Menos perfume
Do que é costume
O seu cabello!
Que basta vêl-o,
Prende-se a gente!
Prende-se e sente
Gosto ineffavel!

Que riso affavel
Aquelle riso!
Que paraíso
Aquella bôca!
Penetra, toca,
Enche de inveja
Um ar que seja
Da sua graça!

Onde ella passa,
Onde ella chega,
Quem lhe não prega
Olhos avaros!
Ha dotes raros,
Rara doçura
N’aquella pura
Casta existencia!

Oh! que innocencia
Que ella respira!
A alma aspira
Não sei que aroma
Mal nos assoma
Ao longe aquella
Pallida estrella,
Que rege o mundo!…

Nunca do fundo
Do oceano
Foi braço humano
Colher tão linda
Perola ainda,

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Fado das queixas

P’ra que te queixas de mim
Se eu sou assim
como tu és,
Barco perdido no mar
Que anda a bailar

Com as marés?
Tu já sabias
Que eu tinha o queixume
Do mesmo ciúme
Que sempre embalei…
Tu já sabias
Que amava deveras;
Também quem tu eras,
Confesso, não sei!

Estribilho:
Não sei
Quem és
Nem quero saber,
Errei
Talvez,
Mas que hei-de fazer?
A tal paixão
Que jamais findará,
– Pura ilusão! –
Ninguém sabe onde está!
Dos dois,
Diz lá
O que mais sofreu!
Diz lá
Que o resto sei eu!

P’ra que me queixo eu também
Do teu desdem
Que me queimou
Se é eu queixar-me afinal
Dum temporal
Que já passou?
Tu nem calculas
As mágoas expressas
E a quantas promessas
Calámos a voz!
Tu nem calculas
As bocas que riam
E quantas podiam
Queixar-se de nós!

Estribilho

Nas Trevas

Como estou só no mundo! Como tudo
É lagrima e silencio!

Ó tristêsa das Cousas, quando é noite
Na terra e em nosso espirito!… Tristêsa
Que se anuncia em vultos de arvoredos,
Em rochas diluidas na penumbra
E soluços de vento perpassando
Na tenebrosa lividez do céu…

Ó tristêsa das Cousas! Noite morta!
Pavor! Desolação! Escura noite!
Phantastica Paisagem,
Desde o soturno espaço á fria terra
Toda vestida em sombra de amargura!

Êrma noite fechada! Nem um leve
Riso vago de estrela se adivinha…
Sómente as grossas lagrimas da chuva
Escorrem pela face do Silencio…

Piedade, noite negra! Não me beijes
Com esses labios mortos de Phantasma!

Ó Sol, vem alumiar a minha dôr
Que, perdida na sombra, se dilata
E mais profundamente se enraiza
Nesta carne a sangrar que é a minha alma!

Ilumina-te, ó Noite! Ó Vento, cála-te!
Negras nuvens do sul, limpae os olhos,
Desanuviae a bronzea face morta!

Oh, mas que noite amarga, toda cheia
Do teu Phantasma angelico e divino;
Espirito que,

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O Meu Cachimbo

Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.

Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.

Vejo passar a minha vida,
Como n’um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama…

Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.

E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d’Anto, aonde eu moro!
Alli, mettido no buraco,
Fumo e, a fumar, ás vezes… choro.

Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo…
Os meus amigos onde estão?

Não sei. Tral-os-á o «nevoeiro»…
Os trez, os intimos, Aquelles,
Estão na Morte, no extrangeiro…
Dos mais não sei, perdi-me d’elles.

Morreram-me uns. Por elles peço
A Deus, quando está de maré:
E, ás noites,

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Os Pastores

Guardavam certos pastores
seus rebanhos, ao relento,
sobre os céus consoladores
pondo a vista e o pensamento.

Quando viram que descia,
cheio de glória fulgente,
um anjo do céu do Oriente,
que era mais claro que o dia.

Jamais os cegara assim
luz do meio-dia ou manhã.
Dir-se-ia o audaz Serafim,
que um dia venceu Satã.

Cheios de assombro e terror,
rolaram na erva rasteira.
– Mas ele, com voz fagueira,
lhes diz, com suave amor:

«Erguei-vos, simples, daí,
humildes peitos da aldeia!
Nasceu o vosso Rabi,
que é Cristo – na Galileia!

Num berço, o filho real,
não o vereis reclinado.
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
sobre as palhas de um curral!

Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
ao que traz uma joeira
das estrelas e das almas!»

Foi-se o anjo: e nas neblinas,
então celestes legiões
soltam místicas canções,
sobre violas divinas.

Erguem-se, enfim, os pastores
e vão caminhos dalém,
com palmas, rolas, e flores,

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Fímbria de Melancolia

Fímbria de melancolia,
memória incerta da dor,
ouço-a no gravador,
no fado que não se ouvia
quando ouvia o seu clamor.

Porque era já no passado
o presente dessa hora
e que me ressoa agora
a um outro mais alongado.

Assim a dor que se sente
no outro obscuro de nós
nunca fala a nossa voz
mas de quem de nós ausente,
só a nós próprios consente
quando não estamos nós
mas mais sós do que ao estar sós.

Onde então estamos nós?

Um Céu e Nada Mais

Um céu e nada mais — que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul — como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
neram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais — que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,

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Saudade

Segue-me noite e dia o teu desejo!…
Oiço a tua voz rúbida e cantante
Suplicar-me a carícia do meu beijo,
numa teima exigente e perturbante!

E o meu corpo vencido, dominado,
vai tombar doloroso, inconsciente,
sobre a lembrança morna do passado
– e fica-se a sonhar… perdidamente!

Engrinalda-me com os Teus Braços

Teu corpo de âmbar, gótico, afilado,
Sempre velado de cheirosos linhos,
Teu corpo, aprilino prado,
Por onde o meu desejo, pastor brando,
Risonho há-de viver, pastoreando
Meus beiços, desinquietos cordeirinhos,
Teu corpo é esbelto, ó zagaia esguia,
Como as harpas que o pai de Salomão tangia!

Teu corpo eléctrico, ogival,
Núbil, sequinho, perturbante,
É uma dispensa real:
Os teus olhos são duas cabacinhas
Cheias dum vinho estonteante
Os teus dentes são alvas camarinhas,
Os teus dedos, suavíssimos espargos,
E os teus seios, pêssegos verdes mas não amargos.

Lira de nervos, glória das trigueiras,
Como tu és graciosa! As laranjeiras,
Desde que viste o sol com esses sóis amados,
Só vinte vezes perfumaram noivados!
Nobre e graciosa és, morena das morenas,
Como as senhoras de olhos belos,
Que passeavam nos jardins de Atenas
Com uma cigarra de ouro nos cabelos!

Como tu, eu sou moço! e atrevido
Com Anceu, rei de Samos,
E jamais caçador me fez vencido,
Quando, caçando o javali, ando entre os ramos.
O meu peito é de jaspe,

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A Jovem Cativa

(André Chenier)

— “Respeita a foice a espiga que desponta;
Sem receio ao lagar o tenro pâmpano
Bebe no estio as lágrimas da aurora;
Jovem e bela também sou; turvada
A hora presente de infortúnio e tédio
Seja embora: morrer não quero ainda!

De olhos secos o estóico abrace a morte;
Eu choro e espero; ao vendaval que ruge
Curvo e levanto a tímida cabeça.
Se há dias maus, também os há felizes!
Que mel não deixa um travo de desgosto?
Que mar não incha a um temporal desfeito?

Tu, fecunda ilusão, vives comigo.
Pesa em vão sobre mim cárcere escuro,
Eu tenho, eu tenho as asas da esperança:
Escapa da prisão do algoz humano,
Nas campinas do céu, mais venturosa,
Mais viva canta e rompe a filomela.

Deve acaso morrer ? Tranqüila durmo,
Tranqüila velo; e a fera do remorso
Não me perturba na vigília ou sono;
Terno afago me ri nos olhos todos
Quando apareço, e as frontes abatidas
Quase reanima um desusado júbilo.

Desta bela jornada é longe o termo.

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