Poemas sobre Vozes

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Poemas de vozes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Voz que Nos Rasgou por Dentro

De onde vem – a voz que
nos rasgou por dentro, que
trouxe consigo a chuva negra
do outono, que fugiu por
entre névoas e campos
devorados pela erva?

Esteve aqui — aqui dentro
de nós, como se sempre aqui
tivesse estado; e não a
ouvimos, como se não nos
falasse desde sempre,
aqui, dentro de nós.

E agora que a queremos ouvir,
como se a tivéssemos re-
conhecido outrora, onde está? A voz
que dança de noite, no inverno,
sem luz nem eco, enquanto
segura pela mão o fio
obscuro do horizonte.

Diz: “Não chores o que te espera,
nem desças já pela margem
do rio derradeiro. Respira,
numa breve inspiração, o cheiro
da resina, nos bosques, e
o sopro húmido dos versos.”

Como se a ouvíssemos.

Janela do Sonho

Abri as janelas
que havia dentro de ti
e entrei abandonado
nos teus braços generosos.

Senti dentro de mim
o tempo a criar silêncio
para te beber altiva e plena.

Mil vezes
repeti teu nome,
mil vezes,
de forma aveludada
e era a chave
que se expunha
e fecundava dentro de mim.

Já não se sonha,
deixei de sonhar,
o sonho é poeira dos tempos
é a voz da extensão
é a voz da pureza
que dardejava na nossa doçura.

Quando abri as tuas janelas
e despi teus braços
perdi a vaidade
e a pressa,
amei a partida
e em silêncio abri,
(sem saber que abria)
uma noite húmida
em combustão secreta
desmaiado no teu ombro
de afrodite.

Exílio

Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades

Embirração

(A Machado de Assis)

A balda alexandrina é poço imenso e fundo,
Onde poetas mil, flagelo deste mundo,
Patinham sem parar, chamando lá por mim.
Não morrerão, se um verso, estiradinho assim,
Da beira for do poço, extenso como ele é,
Levar-lhes grosso anzol; então eu tenho fé
Que volte um afogado, à luz da mocidade,
A ver no mundo seco a seca realidade.

Por eles, e por mim, receio, caro amigo;
Permite o desabafo aqui, a sós contigo,
Que à moda fazer guerra, eu sei quanto é fatal;
Nem vence o positivo o frívolo ideal;
Despótica em seu mando, é sempre fátua e vã,
E até da vã loucura a moda é prima-irmã:
Mas quando venha o senso erguer-lhe os densos véus,
Do verso alexandrino há de livrar-nos Deus.

Deus quando abre ao poeta as portas desta vida,

Não lhe depara o gozo e a glória apetecida;
E o triste, se morreu, deixando mal escritas
Em verso alexandrino histórias infinitas,
Vai ter lá noutra vida insípido desterro,
Se Deus, por compaixão, não dá perdão ao erro;

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Missa de Aniversário

Há um ano que os teus gestos andam
ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
onde de novo a seara amadurece
donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim de semana
do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
embora a mesa posta continue à tua espera
e lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez
florido?

Era esta a voz dele assim é que falava
dizem agora as giestas desta sua terra
que o viram passar nos caminhos da infância
junto ao primeiro voo das perdizes

Já só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente
No verão em que partiste bem me lembro
pensei coisas profundas
É de novo verão.

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Nem Sequer Sou Poeira

Não quero ser quem sou. A avara sorte
Quis-me oferecer o século dezassete,
O pó e a rotina de Castela,
As coisas repetidas, a manhã
Que, prometendo o hoje, dá a véspera,
A palestra do padre ou do barbeiro,
A solidão que o tempo vai deixando
E uma vaga sobrinha analfabeta.
Já sou entrado em anos. Uma página
Casual revelou-me vozes novas,
Amadis e Urganda, a perseguir-me.
Vendi as terras e comprei os livros
Que narram por inteiro essas empresas:
O Graal, que recolheu o sangue humano
Que o Filho derramou pra nos salvar,
Maomé e o seu ídolo de ouro,
Os ferros, as ameias, as bandeiras
E as operações e truques de magia.
Cavaleiros cristãos lá percorriam
Os reinos que há na terra, na vingança
Da ultrajada honra ou querendo impor
A justiça no fio de cada espada.
Queira Deus que um enviado restitua
Ao nosso tempo esse exercício nobre.
Os meus sonhos avistam-no. Senti-o
Na minha carne triste e solitária.
Seu nome ainda não sei. Mas eu, Quijano,
Serei o paladino.

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Quase Nada

O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.

A Graça

Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?

És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?

Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,.
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d’ouro e púrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos Céus,

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São Mais as Vozes que as Nozes

Mais são as vozes que as nozes
p’ra mim nesta ocasião,
e para vós nesta acção
mais as nozes que as vozes:
vós jogais os arriozes
com elas muito contentes;
e, sendo as nozes tão quentes,
eu fico d’elas mui frio;
vós com calor e com brio,
com elas ficais valentes.

Assim que a guerra será
não guerra de cão com gato,
senão de gato com rato
que é para vós guerra má:
que eu não posso sofrer já
tanta perda, nem tal dano,
nem que um ratinho tirano
me dê uma e outra vez
más horas em português,
maus «ratos» em castelhano.

Vozes da Noite

Vozes na Noite! Quem fala
Com tanto ardor, tanto afã?
Falou o Grilo primeiro,
Logo depois foi a Rã.

Pobre loucura dos homens
Quando julgam entendê-las…
Só eles pasmam os olhos
Neste encanto das estrelas…

Lá no silêncio dos campos
Ou no mais ermo da serra,
Na voz das rãs dala a àgua,
Na voz dos grilos a Terra.

Só eles cantam a vida
Com amor e singeleza,
Por ser descuidada, alegre;
Por ser simples, com beleza.

Pudesse agora dizer-te,
Sem ser por palavras vãs,
O que diz a voz dos grilos,
O que diz a voz das rãs.

Idylio d’Aldeia

Não sei que ha que me impelle
Para o teu escuro olhar!…
É mais branca a tua pelle,
Do que o linho de fiar!

É tua boca um botão,
E o teu riso a lua nova; –
Quem me dera ter na cova
Os ais do teu coração!

Mal podes saber o gosto
Que tive da vez primeira
Que te avistei, ao sol posto,
Debaixo d’esta amoreira!

Desde esse dia, andorinha!
Desde essa tarde infeliz,
Fiquei preso da covinha
Que fazes quando te ris!

Não sei que ha que me impelle
Para o teu escuro olhar!…
É mais branca a tua pelle
Do que o linho de fiar!

A minha alma não descança; –
Morra o sol, ou surja a aurora,
Só tu me lembras creança
De cabellos côr d’amora!

A tua doce ignorancia
Tão cheia de singelesas…
Faz todas as almas presas
Como as perguntas da infancia!

Tu és como um pomo d’ouro,
E o vivo sol que me alegras;
– Amo mais teu rir sonoro
Do que a voz das toutinegras!…

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Devo-te

Devo-te tanto como um pássaro
deve o seu voo à lavada
planície do céu.

Devo-te a forma
novíssima de olhar
teu corpo onde às vezes
desce o pudor o silêncio
de uma pálpebra mais nada.

Devo-te o ritmo
de peixe na palavra,
a genesíaca, doce
violência dos sentidos;
esta tinta de sol
sobre o papel de silêncio
das coisas – estes versos
doces, curtos, de abelhas
transportando o pólen
levíssimo do dia;
estas formigas na sombra
da própria pressa e entrando
todas em fila no tempo:
com uma pergunta frágil
nas antenas, um recado invisível, o peso
que as deixa ser e esquece;
e a tua voz que compunha
uma casa, uma rosa
a toda a volta – ó meu amor vieste
rasgar um sol das minhas mãos!

Génios

……………………………….
……………………………….
E disse-me: Poeta, ao longe no horizonte
Não vês quase a lamber a abóbada do céu
Brilhante e luminoso um túmido escarcéu?
Como alvacento leão, na rápida carreira
Vem sacudindo a juba… A natureza inteira
Cisma, contempla, escuta o cântico profundo
Em trágico silêncio. O Sol já moribundo
Resvala-lhe no dorso, iria-lho de chamas,
Como dum monstro enorme as fúlgidas escamas…
Rugindo enovelada em turbilhão insano,
A vaga colossal, rasoira do oceano,

Lá vem rolando grave, e deixa ao caminhar
Um campo atrás dum monte, um lago atrás dum
[mar!
Qual lúcida serpente agora ei-la decresce
Em curva indefinida;—alonga-se… parece
Que a terra há-de estoirar em brancos estilhaços
No círculo fatal dos seus enormes braços.
Como galope infrene! Ei-la que chega!… voa
Num ímpeto feroz, num salto de leoa
Aos rudes alcantis! e em hórrida tormenta
Na rígida tranqueira o vagalhão rebenta,
Bramindo pelo ar: trepa, vacila, nuta,
E exânime por fim, vencida nesta luta,
Sem voz, sem força, inerte, exausta, esfarrapada   .
Lá vai… aonde a leve a ríspida nortada.

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Para o Meu Coração…

Para o meu coração basta o teu peito,
para a tua liberdade as minhas asas.
Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a tua alma.

És em ti a ilusão de cada dia.
Como o orvalho tu chegas às corolas.
Minas o horizonte com a tua ausência.
Eternamente em fuga como a onda.

Eu disse que no vento ias cantando
como os pinheiros e como os mastros.
Como eles tu és alta e taciturna.
E ficas logo triste, como uma viagem.

Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu acordei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam na tua alma.

Poema de Amor para Uso Tópico

Quero-te, como se fosses
a presa indiferente, a mais obscura
das amantes. Quero o teu rosto
de brancos cansaços, as tuas mãos
que hesitam, cada uma das palavras
que sem querer me deste. Quero
que me lembres e esqueças como eu
te lembro e esqueço: num fundo
a preto e branco, despida como
a neve matinal se despe da noite,
fria, luminosa,
voz incerta de rosa.

O Teu Amor, Bem Sei

o teu amor, bem sei, é uma palavra musical,
espalha-se por todos nós com a mesma ignorância,
o mesmo ar alheio com que fazes girar, suponho, os epiciclos;
ergues os ombros e dizes, hoje, amanhã, nunca mais,
surpreende o vigor, a plenitude
das coxas masculinas, habituadas ao cansaço,
separamo-nos, à procura de sinais mais fixos,
e o circuito das chamas recomeça.

é um país subtil, o olho franco das mulheres,
há nos passeios garrafas com leite apenas cinzento,
os teus pais disseram: o melhor de tudo é ser engenheiro,
morrer de casaco, com todas as pirâmides acesas,
viajar de navio de buenos aires a montevideu.
esta é a viagem que não faremos nunca, soltos
na minuciosa tarde dos lábios,
ágil pobreza.

permanentemente floresce o horizonte em colinas,
os animais olham por dentro, cheios de vazio,
como um ladrão de pouca perícia a luz
desfaz devagarmente os corpos.
ele exclama: quando me libertarás da tosca voz dormida,
para que seja
alto e altivo o coração da coisas? até quando aguardarei,
no harmonioso beliche, que a tua visão cesse?

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Os Meus Livros

Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.

A Melhor Maneira de Viajar é Sentir

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.

Cada alma é uma escada para Deus,
Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.

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Das Vozes que Te Embalavam

Das vozes que te embalavam
a esperança de menina
moça
guardaste mais, de tanto repisadas,
as perfumadas lições
da nobre arte de agarrar um homem.
De como te fazeres desejada,
amada porventura,
tudo aprendeste: os gestos, os meneios,
a graça de sorrir e de calar.
Hoje tens o teu homem
disposto a desdobrar-se em pão e vinho
para apagar tua fome.
por isso, que lhe hás de dar:
o trigo de tua pele, as uvas de tua boca?
Se sem a ponte do amor, tua lavoura é tão pouca…
Acorda: onde estão as vozes que te ensinaram a amar?

Pequenos Poemas Mentais

Mental: nada, ou quase nada sentimental.

I

Quem não sai de sua casa,
não atravessa montes nem vales,
não vê eiras
nem mulheres de infusa,
nem homens de mangual em riste, suados,
quem vive como a aranha no seu redondel
cria mil olhos para nada.
Mil olhos!
Implacáveis.
E hoje diz: odeio.
Ontem diria: amo.
Mas odeia, odeia com indômitos ódios.
E se se aplaca, como acha o tempo pobre!
E a liberdade inútil,
inútil e vã,
riqueza de miseráveis.

II

Como sempres, há-de-chegar, desde os tempos!
Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas.
Mas que vos reunirá, pensamentos?
Chegais a existir, pensamentos?
É provável, mas desconfiados e inválidos,
Rosnando estúpidos, com cães.

Ó inúteis, aquietai-vos!
Voltai como os cães das quintas
ao ponto da partida, decepcionados.
E enrolai-vos tristonhos, rabugentos, desinteressados.

III

Esse gesto…
Esse desânimo e essa vaidade…
A vaidade ferida comove-me,
comove-me o ser ferido!

A vaidade não é generosa, é egoísta,
Mas chega a ser bela,

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