Poemas sobre Abril

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Poemas de abril escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

Ironias do Desgosto

“Onde é que te nasceu” – dizia-me ela às vezes –
“O horror calado e triste às coisas sepulcrais?
“Por que é que não possuis a verve dos franceses
“E aspiras, em silêncio, os frascos dos meus sais?

“Por que é que tens no olhar, moroso e persistente,
“As sombras dum jazigo e as fundas abstrações,
“E abrigas tanto fel no peito, que não sente
“O abalo feminil das minhas expansões?

“Há quem te julgue um velho. O teu sorriso é falso;
“Mas quando tentas rir parece então, meu bem,
“Que estão edificando um negro cadafalso
“E ou vai alguém morrer ou vão matar alguém!

“Eu vim – não sabes tu? – para gozar em maio,
“No campo, a quietação banhada de prazer!
“Não vês, ó descorado, as vestes com que saio,
“E os júbilos, que abril acaba de trazer?

“Não vês como a campina é toda embalsamada
“E como nos alegra em cada nova flor?
“Então por que é que tens na fronte consternada”
“Um não-sei-quê tocante e enternecedor?”

Eu só lhe respondia: — “Escuta-me.

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O Primeiro Filho

(Carta ao amigo Bernardo Pindela)

Entre tanta miséria e tantas coisas vis
Deste vil grão de areia,
Ainda tenho o condão de me sentir feliz
Com a ventura alheia.

À minha noite triste, à noite tormentosa,
Onde busco a verdade,
Chegou com asas d’oiro a canção cor-de-rosa
Da tua felicidade.

És pai, viste nascer um fragmento d’aurora
Da tua alma, de ti…
Oh, momento divino em que o sorriso chora,
E em que o pranto sorri!

Que ventura radiante! oh que ventura infinda!
Olímpicos amores
Ter frutos em Abril com o vergel ainda
Carregado de flores!

Deslumbramento!… ver num berço o teu futuro
Sorrindo ao teu presente!…
Ter a mulher e a mãe: juntar o beijo puro
Com o beijo inocente!…

Eu que vou, javali de flanco ensanguentado,
Pelos rudes caminhos
Ajoelho quando escuto à beira dum valado
Os murmúrios dos ninhos!

Em tudo que alvorece há um sorriso d’esperança,
Candura imaculada!…
E quer seja na flor, quer seja na criança
Sente-se a madrugada.

Quando,

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Contra a Morte e o Amor não Há Quem Tenha Valia

Era ainda o mês de abril,
de maio antes um dia,
quando lírios e rosas
mostram mais sua alegria;
pela noite mais serena
que fazer o céu podia,
quando Flérida, a formosa
infanta, já se partia,
ela na horta do pai
para as árvores dizia:
“Ficai, adeus, minhas flores,
em que glória ver soía.
Vou-me a terras estrangeiras,
a que ventura me guia.
Se meu pai me for buscar,
que grande bem me queria,
digam-lhe que amor me leva,
e que eu sem culpa o seguia;
que tanto por mim porfiava
que venceu sua porfia.
Triste, não sei aonde vou,
e a mim ninguém o dizia!”
Eis que fala Dom Duardos:
“Não choreis, minha alegria,
que nos reinos de Inglaterra
mais claras águas havia,
e mais formosos jardins,
e vossos, senhora, um dia:
tereis trezentas donzelas
de alta genealogia,
de prata são os palácios
para vossa senhoria;
de esmeraldas e jacintos,
de ouro fino da Turquia,
com letreiros esmaltados
que minha vida à porfia
vão contando,

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Português Vulgar

O meu gato deixa-se ficar
em casa, arejando o prato
e o caixote das areias. Já não vai
de cauda erguida contestar o domínio
dos pedantes de raça, pelos
quintais que restam. O meu gato
é um português vulgar, um tigre
doméstico dos que sabem caçar ratos e
arreganhar dentes a ordens despóticas. Mas
desistiu de tudo, desde os comícios nocturnos
das traseiras até ao soberano desprezo
pela ração enlatada, pelo mercantilismo
veterinário ou pela subserviência dos cães
vizinhos. Já falei deste gato
noutro poema e da sua genealogia
marinheira, embarcada nas antigas
naus. Se o quiserem descobrir, leiam
esse poema, num livro certamente difícil
de encontrar. E quem procura hoje
livros de poemas? Eu ainda procuro,
nos olhos do meu gato, os
dias maiores de Abril.

Porque o Melhor, Enfim

Porque o melhor, enfim,
É não ouvir nem ver…
Passarem sobre mim
E nada me doer!

_ Sorrindo interiormente,
Co’as pálpebras cerradas,
Às águas da torrente
Já tão longe passadas. _

Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazerem dano…
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.

Passar o estio, o outono,
A poda, a cava, e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.

Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva

Que Abril copioso ensope…
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.

Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício

Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas…

Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua,

Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos,

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O Livro da Vida

Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia…
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarão da primeira alvorada.

Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.

Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos;
E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,—
A ler e a meditar postulados eternos,
Sem um fanal que o seu espírito esclareça!

Cada página abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Ele tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.

Mas o tempo caminha; os anos vão correndo;
Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão…
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.

Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
Nem o humano sofrer,

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Não Voltarás

não voltarás
olhando as ruas
na vidraça nua os zimbros
da terra ocre

moras secreta nestes barros
tua flauta canta nas montanhas
pedras e trepadeiras se enroscam
perto do teu rosto
e são de
água

sabes plantar o odor
dos frutos
tangerina limão
pássaras orvalho
a nervura das manhãs
e o lume dos poemas
quente metalurgia
das palavras

como ontem (tu eras morta)
prolonga-te nestas mãos
no maio das rotas
de abril
tecidas

A Escola Portuguesa

Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.

Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.

Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.

Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.

Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!

E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!

Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!

Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discíp’lo — Amanhã!

Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!

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Balada do Poema que não Há

Quero escrever um poema
Um poema não sei de quê
Que venha todo vermelho
Que venha todo de negro
Às de copas às de espadas
Quero escrever um poema
Como de sortes cruzadas

Quero escrever um poema
Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada
Abril com chuva por dentro
E este ramo de alfazema
Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema
Que seja de tudo ou nada

Um poema não sei de quê
Que traga a notícia louca
Da história que ninguém crê
Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido
Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido
Que me dói não sei porquê

Quero um poema ao contrário
Deste estado que padeço
Meu cavalo solitário
A cavalgar no avesso
De um verso que não conheço

Que venha de capa e espada
Ou de chicote na mão
Sobre esta noite acordada
Quero um poema noitada
Um poema até mais não

Quero um poema que diga
Que nada há que dizer
Senão que a noite castiga
Quem procura uma cantiga
Que não é de adormecer

Poema de amor e morte
No reino da Dinamarca
Ser ou não ser eis a sorte
O resto é silêncio e dor
Poema que traga a marca
Do Castelo de Elsenor

Quero o poema que me dê
Aquela música antiga
Da Provença e da Toscânia
Vinho velho de Chianti
Com Ezra Pound em Rapallo
E versos de Cavalcanti
Ou Guilherme de Aquitânia
Dormindo sobre um cavalo

E com ele então dizer
O meu poema está feito
Não sei de quê nem sobre quê

Dormindo sobre um cavalo

Quero o poema perfeito
Que ninguém há-de escrever
Que ele traga a estrela negra
Do canto e da solidão
Ou aquela toutinegra
De Camões quando escrevia
Sôbolos rios que vão

Que venha como um destino
Às de copas às de espadas
Que venha para viver
Que venha para morrer
Se tiver que ser será
E não há cartas marcadas
Só assim poderá ser
O poema que não há

Lisboa perto e longe

Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa – branca e rota
a blusa de seu povo – essa gaivota.

Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.

Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas – povo armado
de vento revoltado violas astros
– meu povo que ninguém verá de rastos.

Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros – mar aberto
– com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.

Lisba é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.

Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos.

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O Cavaleiro

Talvez o espere ainda a Incomeçada
aquela que louvámos uma noite
quando o abril rompeu em nossas veias.
Talvez o espere a avó o pai amigos
e a mãe que disfarça às vezes uma lágrima.
Talvez o próprio povo o espere ainda
quando subitamente fica melancólico
propenso a acreditar em coisas misteriosas.

Algures dentro de nós ele cavalga
algures dentro de nós
entre mortos e mortos.
É talvez um impulso quando chega maio
ou as primeiras aves partem em setembro.

Cargas e cargas de cavalaria.
E cercos. Conquistas. Naufrágios naufrágios.
Quem sabe porquê. Quem sabe porquê.
Entre mortos e mortos
algures dentro de nós.

Quem pode retê-lo?
Quem sabe a causa que sem cessar peleja?
E cavalga cavalga.

Sei apenas que às vezes estremecemos:
é quando irrompe de repente à flor do ser
e nos deixa nas mãos
uma espada e uma rosa.

Frustração

Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.

As Aldeias

Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas –
Mais frescas que as manhãs finas d’Abril.

Levanta a alma ás cousas visionarias
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.

Pelas tardes das eiras – como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!

As creanças do campo, ao amoroso
Calor do dia, folgam seminuas;
E exala-se um sabor mysterioso
D’a agreste solidão das suas ruas!

Alegram as paysagens as creanças,
Mais cheias de murmurios do que um ninho,
E elevam-nos ás cousas simples, mansas,
Ao fundo, as brancas velas d’um moinho.

Pelas noutes d’estio ouvem-se os rallos
Zunirem suas notas sibilantes,
E mistura-se o uivar dos cães distantes
Com o canto metallico dos gallos…

Paixão Secreta

Acordei com os primeiros pássaros,
já minha lâmpada morria.
Fui até à janela aberta e sentei-me,
com uma grinalda fresca
nos cabelos desatados…
Ele vinha pelo caminho
na névoa cor de rosa da manhã.
Trazia ao pescoço
uma cadeia de pérolas
e o sol batia-lhe na fronte.
Parou à minha porta
e disse-me ansioso:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, belo caminhante,
sou eu.

Anoitecia
e ainda não tinham acendido as luzes.
Eu atava o cabelo, desconsolada.
Ele chegava no seu carro
todo vermelho, aceso pelo sol poente.
Trazia o fato cheio de poeira.
Fervia a espuma
na boca anelante dos seus cavalos…
Desceu à minha porta
e disse-me com voz cansada:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, fatigado caminhante,
sou eu.

Noite de Abril.
A lâmpada arde neste meu quarto
que a brisa do Sul
enche suavemente.
O papagaio palrador
dorme na sua gaiola.
O meu vestido é azul
como o pescoço dum pavão,

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Câmara Escura

A meu pai

3

A biografia. Revejo-a em tecidos
fibrosos, retraindo-se. É já visível
a anquilose o vento austero
disperso pelos gestos, mais lentos

e difíceis. A migração das aves
inicia-se. Junto à costa
atlântica, falava-me do tempo, a viração
nefasta, o nevoeiro

poroso, sobre os ossos. Era o período
de estado: rajadas cubitais, golpes
de vento, as migrações da dor, articulares…
As metáforas clínicas. Procura,

apesar disso, algum sossego. Invoca ainda
o elemento natal, o livro prematuro
do inverno. E a dureza da neve,
os domínios do gelo, imprevisíveis.

Com as chuvas de abril, a migração
atinge órgãos vitais. A violência
perdida pelos móveis, nas janelas
translúcidas, no rumo vagaroso

da voz. Vigia os gestos, os indícios de
pânico, a previsível eclosão
da crise. Deformações, desvio dos
dedos no lado cubital, arthritis

– o peso das noções.
Endurecem os sons, as linhas vistas
até ao declínio, o vento imóvel
semeado nos campos. Todo o regresso

persiste na matéria: os vários
motores de frio,

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Recordam-se Vocês do Bom Tempo d’Outrora

(Dedicatória de introdução a «A Musa em Férias»)

Recordam-se vocês do bom tempo d’outrora,
Dum tempo que passou e que não volta mais,
Quando íamos a rir pela existência fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C’roava-nos a fronte um diadema d’aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsâmina em flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas pelo ar!…
Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp’ranças
São áureos colibris das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega à nossa alma,então
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida é um Sol que chega ao cúmulo
Quando cantam em nós essas canções celestes;

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Lusíada Exilado

Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um país neste país que levo.
Sou este povo que a si mesmo se desterra
meu nome são três sílabas de trevo.

Há nevoeiro em mim. Dentro de abril dezembro.
Quem nunca fui é um grito na memória.
E há um naufrágio em mim se de quem fui me lembro
há uma história por contar na minha história.

Trago no rosto a marca do chicote.
Cicatrizes as minha condecorações.
Nas minhas mãos é que é verdade D. Quixote
trago na boca um verso de Camões.

Sou este camponês que foi ao mar
lavrou as ondas e mondou a espuma
e andou achando como a vindimar
terra plantada sobre o vento e a bruma.

Sou este marinheiro que ficou em terra
lavrando a mágoa como se lavrar
não fosse mais do que a perdida guerra
entre o não ser na terra e o ser no mar.

Eu que parti e que fiquei sempre presente
eu que tudo mandava e nunca fui senhor
eu que ficando estive sempre ausente
eu que fui marinheiro sendo lavrador.

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Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

No Dia que para Sempre Separámos do Corpo

No dia que para sempre separámos do corpo,
havia nesse dia sobre o livro de gravuras
um insecto com os breves sinais de uma aranha.

Esperávamos um recado que se fez esperar e
tinha as mãos no rosto e fora meu.
A medo a dor para onde não sei bem levava a dor
o rosto.

Havia tudo um pouco misturado. Antigas cartas
velhos poemas.
Até do outro lado da janela víamos tristes
tristes rapazes jogando a bola,

corpo jogado sob o vento de abril e o de
março.

Dentro do quadro via a camisola de lã branca
e o que de loiro havia do recente sol
via a dor o recado desejado no negro azul
das aves.

Sobre o céu, o mar, esse tinha-lo agora nos novos
olhos.