Poemas sobre Areia

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Poemas de areia escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Poema Explicativo

Inúteis são os voos. Inúteis são os pássaros.
Silenciosas sombras tudo extinguem.
Como as vagas de um mar longínquo e frio,
são de inúteis palavras estes versos,
pois o calado tempo esmaga tudo.

Moro num rio inútil que caminha
entre margens de musgo e subalternas
pontes e águas que reflectem
estrelas, luminárias, desencanto.

Os peixes não obstante já não dormem.
São inúteis os sonhos e as amarras
que nos prendem ao cais.
E o sangue que nos leva
em artérias eléctricas de desejo.

Já somos todos poetas — e a poesia é inútil —
antepassados simples de um futuro
remoto onde seremos sinais na rocha, apenas.

Germinará o trevo entre os alexandrinos
e nenhum pássaro compreenderá o sentido
das páginas dispersas sobre a areia.

Estas palavras nuas se transformarão
em pó, em lodo, em traças e raízes.

A Cidade Bela

Quanto é bela Ulisseia! E quanto é grata
Dos sete montes seus ao longe a vista!
Das altas torres, pórticos soberbos
Quanto é grande, magnífico o prospecto!
Humilde e bonançoso o flavo Tejo,
Sobre areias auríferas correndo,
As praias lhe enriquece, as plantas beija.
Quão denso bosque de cavalos pinhos
Sobre a espádua sustenta! Do Oriente
Rubins acesos, fugidas safiras,
E da opulenta América os tesouros,
Cortando os mares líquidos, trouxeram.
Nela é mais puro o ar; e o Céu se esmalta
De mais sereno azul. O Sol brilhante,
Correndo o vasto Céu, se apraz de vê-la.
E quase se suspende, e, meigo, envia
Sobre ela o raio extremo, quando acaba
A lúcida carreira, a frente de ouro
No seio esconde das cerúleas ondas.

Dia de Aguaceiros

Dia de aguaceiros. Sei que os jardins
não são os de Academos. Mas vou pelos passeios
entre a escrita das chuvadas no saibro e a discreta
disposição do Logos na murta dos canteiros.

Dia de amentilhos, gravetos, muros verdes:
as alamedas param e os cedros repousam
a terra tão porosa que facilmente encanta
– e eu cedo e levo ao chão a mão inteira, a medo.

Retiro-a manchada por um líquen de areia.
Aprendo por contacto que o Verbo nos irmana
baixando intelecções a corpos indefesos.
E um século à volta abre guarda-chuvas negros.

insinceridade

quis-nos aos dois enlaçados
meu amor ao lusco-fusco
mas sem saber o que busco:
há poentes desolados
e o vento às vezes é brusco

nem o cheiro a maresia
a rebate nas marés
na costa de lés a lés
mais tempo nos duraria
do que a espuma a nossos pés

a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio

sem perdão e sem disfarce,
sem deixar uma pegada
por sobre a areia molhada,
a ver o dia apagar-se
e a noite feita de nada

por isso afinal não quero
ir contigo ao lusco-fusco,
meu amor, nem é sincero
fingir eu que assim te espero,
sem saber bem o que busco.

Conheço esse Sentimento

Conheço esse sentimento
que é como a cerejeira
quando está carregada de frutos:
excessivo peso para os ramos da alma.

Conheço esse sentimento
que é o da orla da praia
lambida pela espuma da maré:
quando o mar se retira
as conchas são pequenas saudades
que doem no coração da areia.

Conheço esse sentimento
que é o dos cabelos do salgueiro
revoltos pelas mãos ágeis da tempestade:
na hora quieta do amanhecer
pendem-lhe tristemente os braços
vazios do amado corpo do vento.

Conheço esse sentimento
que passa nos teus olhos e nos meus
quando de mãos dadas
ouvimos o Requiem de Mozart
ou visitamos a nave de Alcobaça.

Pedro e Inês
a praia e a maré
o salgueiro e o vento
a verdade e o sonho
o amor e a morte
o pó das cerejeiras
tu.
e eu.

E Eu te Beijava

E eu te beijava
sem me dar conta
de que não te dizia:
Oh lábios de cereja!

Que grande romântica
eras!
Bebias vinagre às escondidas
de tua avó.
Toda te enfeitaste como um
arbusto de primavera.
E eu estava enamorado
de outra. Vê que pena?
De outra que escrevia
um nome sobre a areia.

Tradução de Oscar Mendes

Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

As Palavras Interditas

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

De Esquecer

Demorei-me muito tempo ao pé de ti.
As portas fechadas por dentro, como se encerrasses
o amor e a lei. Demorei-me demais. Ao fim da tarde,
nesse mesmo dia que já morreu,
olhámo-nos devagar, mas distraídos. Diria até que anoiteceu.

Nunca falámos do amor que chega tarde.
Nem o interpelámos (como se já não pudesse
ter nome). Fingia ter esquecido o teu corpo
nas muralhas. Nas areias.

Vês aqui alguma figura? Ninguém vê.
Repara no ponto preto que alastra na margem do quadro,
nas minhas lágrimas desse tempo.
Relê.

Obscuro Domínio

Amar-te assim desvelado
entre barro fresco e ardor.
Sorver o rumor das luzes
entre os teus lábios fendidos.

Deslizar pela vertente
da garganta, ser música
onde o silêncio aflui
e se concentra.

Irreprimível queimadura
ou vertigem desdobrada
beijo a beijo,
brancura dilacerada

Penetrar na doçura da areia
ou do lume,
na luz queimada
da pupila mais azul,

no oiro anoitecido
entre pétalas cerradas,
no alto e navegável
golfo do desejo,

onde o furor habita
crispado de agulhas,
onde faça sangrar
as tuas águas nuas.

Poema da malta das naus

Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das prais
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.

Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.

Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.

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Tinha de Fachos Mil a Noite Ornado

1

Tinha de fachos mil a noite ornado
A argentada Princesa:
De amor, graça e beleza
O campo etéreo Vénus povoado.

2

A Terra, com perfume precioso
Em torno recendia;
E plácido dormia
Sobre a dourada areia o pego undoso;

3

Quando veio roubar a formosura
De tudo o que é criado,
Márcia, fiel traslado
Da beleza do Céu, sublime e pura;

4

Com Lírios, que estendeu, vestiu ufana
A forma divinal;
Em aceso coral
Tingiu, sorrindo, a boca soberana,

5

As madeixas tomou das veias de ouro,
Nos olhos pôs safiras,
Que das setas, que atiras,
São, fero Amor, o mais caudal tesouro.

6

Todos seus dons lhe pôs o Céu no peito;
Como orna o Régio Sposo,
C’o enfeite mais custoso,
A Princesa, a quem rende a alma, sujeito.

7

Eu vi afadigados os Amores,
E as Graças, que cantavam
Enquanto se moldavam
Seus graciosos gestos vencedores.

8

Das Sereias o canto deleitoso
Lhe nasceu sem estudo;

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Eu e Tu

Dois! Eu e Tu, num ser indispensável! Como
Brasa e carvão, centelha e lume, oceano e areia,
Aspiram a formar um todo, — em cada assomo
A nossa aspiração mais violenta se ateia…

Como a onda e o vento, a Lua e a noite, o orvalho
[e a selva
— O vento erguendo a vaga, o luar doirando a
[noite,
Ou o orvalho inundando as verduras da relva —
Cheio de ti, meu ser de eflúvios impregnou-te!

Como o lilás e a terra onde nasce e floresce,
O bosque e o vendaval desgrenhando o arvoredo,
O vinho e a sede, o vinho onde tudo se esquece,
— Nós dois, de amor enchendo a noite do degredo,

Como partes dum todo, em amplexos supremos
Fundindo os corações no ardor que nos inflama,
Para sempre um ao outro, Eu e Tu, pertencemos,
Como se eu fosse o lume e tu fosses a chama…

Os Vencidos

Tres cavaleiros seguem lentamente
Por uma estrada erma e pedregosa.
Geme o vento na selva rumorosa,
Cae a noite do céo, pesadamente.

Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas,
Têm os corceis poentos e abatidos,
Em desalinho trazem os vestidos,
Das feridas lhe cae o sangue, em gotas.

A derrota, traiçoeira e pavorosa,
As fontes lhes curvou, com mão potente.
No horisonte escuro do poente
Destaca-se uma mancha sanguinosa.

E o primeiro dos três, erguendo os braços,
Diz n’um soluço: «Amei e fui amado!
Levou-me uma visão, arrebatado,
Como em carro de luz, pelos espaços!

Com largo vôo, penetrei na esphera
Onde vivem as almas que se adoram,
Livre, contente e bom, como os que moram
Entre os astros, na eterna primavera.

Porque irrompe no azul do puro amor
O sopro do desejo pestilente?
Ai do que um dia recebeu de frente
O seu halito rude e queimador!

A flor rubra e olorosa da paixão
Abre languida ao raio matutino,
Mas seu profundo calix purpurino
Só reçuma veneno e podridão.

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Mãe!

Mãe! a oleografia está a entornar o amarelo do Deserto por cima da
minha vida. O amarelo do Deserto é mais comprido do que um dia todo!
Mãe! eu queria ser o árabe! Eu queria raptar a menina loira!
Eu queria saber raptar.
Dá-me um cavalo, mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?!

A minha cabeça amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto!
A minha cabeça está mole como a minha almofada!

Há uns sinais dentro da minha cabeça, como os sinais do Egípcio,
como os sinais do Fenício. Os sinais destes já têm antecedentes e eu
ainda vou para a vida.

Não há muros para que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes!
Não está a mão de tinta preta a apontar — por aqui!
Só há sombras do sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites
o sono chega roubado!

Mãe! As estrelas estão a mentir. Luzem quando mentem. Mentem
quando luzem. Estão a luzir, ou mentem?
Já ia a cuspir para o céu!

Mãe! a minha estrela é doida!

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Em Louvor da Miniblusa

Hoje vai a antiga musa
celebrar a nova blusa
que de Norte a Sul se usa
como graça de verão.
Graça que mostra o que esconde
a blusa comum, mas onde
um velho da era do bonde
encontrará mais mensagem
do que na bossa estival
da rola que ao natural
mostra seu colo fatal,
ou quase, pois tanto faz,
se a anatomia me ensina
a tocar a concertina
em busca ao mapa da mina
que ora muda de lugar?
Já nem sei mais o que digo
ao divisar certo umbigo:
penso em flor, cereja, figo,
penso em deixar de pensar,
e em louvar o costureiro
ou costureira — joalheiro
que expõe a qualquer soleiro
esse profundo diamante
exclusivo antes das praias
(Copas, Leblons, Marambaias
e suas areias gaias).
Salve, moda, salve, sol
de sal, de alegre inventiva,
que traz à matéria viva
a prova figurativa!
Pode a indústria de fiação
carpir-se do pouco pano
que o figurino magano
reduz a zero, cada ano.
Que importa?

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Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Paixão

— Quanto dura uma paixão?

Uma paixão não dura nada, apenas
a eternidade simples de um sorriso
que, por ser belo, e possuir antenas
capta constantemente o paraíso.

Uma paixão é sempre um peixe grande,
uma alegria que se torna amarga
quando se perde a noite e, na manhã
de sol, se perde o anzol na linha larga.

Nem adianta, aí, mudar de isca,
cevar o poço e procurar no fundo:
o peixe da paixão é sombra arisca
na melhor pescaria deste mundo.

Ela não dura muito e, por ser peixe,
não dura na emoção, não dura nada:
se se perde no fundo, é sempre um feixe
de luz
— alguma escama nacarada,
caco de vidro, areia no sol quente
que cintila e se apaga, de repente.

Só Esta Liberdade nos Concedem os Deuses

Só esta liberdade nos concedem
Os deuses: submetermo-nos
Ao seu domínio por vontade nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.

Nem outro jeito os deuses, sobre quem
O eterno fado pesa,
Usam para seu calmo e possuído
Convencimento antigo
De que é divina e livre a sua vida.

Nós, imitando os deuses,
Tão pouco livres como eles no Olimpo,
Como quem pela areia
Ergue castelos para encher os olhos,
Ergamos nossa vida
E os deuses saberão agradecer-nos
O sermos tão como eles.

Uma Cidade

Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
aceso

numa noite
de junho.

Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.