Poemas sobre Navalhas

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Poemas de navalhas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Se um Dia a Juventude Voltasse

se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

sulcaria com as unhas o medo de te perder… eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor

depois… mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco…

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Aerograma

Deus queira que esta
Vos mate a fome aos sentidos
Por agora

Deus queira que esta
Vos guarde a dor aos gemidos
Noite fora

Dançamos fandangos
Sobre uma navalha
Pássaros em bando
Em nuvens de limalha

E assim eu cá vou indo.

Vem-me o fel à boca
As tripas ao coração
A noite trás a forca pela sua mão

Sonho com fantasmas
De pele preta e luzidia
Com manuais de coragem e cobardia

Dizem que há sempre
Um barco azul para partir
Nosso hino
Embarca a alma
E os restos de um rosto a sorrir
Do destino

Põe o meu retrato
No altar de S. João
E uma vela com formato de canhão

Cansa-se esta escrita
Com dois dedos num baraço
Assim o quis a desdita
Vai um abraço.

O Sentimento dum Ocidental

I

Avé-Maria

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!

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No Coração, Talvez

No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.

A Coragem no Gesto de Viver

O solitário gesto de viver
não demanda a coragem que há na faca,
na ponta do punhal e até no grito
de quem fala mais alto e está coberto
de razões, de certezas, de verdades.
O gesto de viver se oculta em dobras
tão íntimas do ser, que o desfazê-las
é mais que indelicado, é violência
que nem sequer se pode conceber.
O gesto de viver é só coragem,
mas, de tal forma próprio e incomparável,
que não se exprime em verbo, imagem, mímica
ou qualquer outra forma conhecida
de contar, definir ou explicar.
A coragem no gesto de viver
está em coisas simples, por exemplo,
na diária decisão de levantar.
E mais, em se vestir e trabalhar
por entre espadas, punhos e navalhas,
peito aberto, sem armas, passo firme,
e à noite, ainda intacto, regressar.

Não Deixeis um Grande Amor

Aos poucos apercebi-me do modo
desolado incerto quase eventual
com que morava em minha casa

assim ele habitou cidades
desprovidas
ou os portos levantinos a que
se ligava apenas por saber
que nada ali o esperava

assim se reteve nos campos
dos ciganos sem nunca conseguir
ser um deles:
nas suas rixas insanas
nas danças de navalhas
na arte de domar a dor

chegou a ser o melhor
mas era ainda a criança perdida
que protesta inocência
dentro do escuro

não será por muito tempo
assim eu pensava
e pelas falésias já a solidão
dele vinha

não será por muito tempo
assim eu pensava
mas ele sorria e uma a uma
as evidencias negava

por isso vos digo
não deixeis o vosso grande amor
refém dos mal-entendidos
do mundo

Tempo Habitual

De nojo, o tempo, o nosso,
A perfídia estrumando
No presumir da carícia branda e sorriso
De todos.

De raiva o tempo, o nosso,
Céu, mar e terra abrasando
Em clamor de labareda e navalha afiada
E sangue.

De pavor o tempo, o nosso,
A primavera assombrando.
Exílio de ventres a fecundar e tudo o mais
Que a faz.

De amor o tempo, o nosso,
Onde uma voz espalhando
A boa nova do pântano fétido da noite
Imposta?
De nojo, de raiva, de pavor,
O tempo transido
Do nosso viver dia-a-dia!
Mas não de amor…