Se a Sua Vida Acabasse Amanhã
Quando foi a última vez que se riu com um amigo ao ponto de lhe doer a cara ou deixou as crianças com uma baby-sitter e foi passar todo o fim de semana fora? Vamos diretos ao assunto: se a sua vida acabasse amanhã, o que é que lamentaria não ter feito? Se este fosse o último dia da sua vida, passava-o da forma como o está a passar hoje? Uma vez passei por um outdoor que me chamou a atenção. Dizia: «Quem morrer com mais brinquedos morre na mesma.»
Qualquer pessoa que já tenha estado perto da morte lhe dirá que no fim da vida o mais provável é não se lembrar das diretas que fez a trabalhar no escritório ou quanto vale a sua conta-poupança. Os pensamentos que surgem são questões do tipo «e se», como por exemplo: Onde teria chegado se tivesse realmente feito as coisas que sempre quis fazer?
O dom de decidir encarar a mortalidade sem fugir nem virar a cara é o dom de reconhecer que, pelo facto de morrermos um dia, temos de viver agora. Se vai estagnar ou se vai crescer, isso depende sempre de si — você é quem mais influencia a sua vida.
Textos sobre Vida
1380 resultadosA Sabedoria da Calma
Aquele que mantém a calma diante de todas as adversidades da vida mostra simplesmente ter conhecimento de quão imensos e múltiplos são os seus possíveis males, motivo pelo qual ele considera o mal presente uma parte muito pequena daquilo que lhe poderia advir: e, inversamente, quem sabe desse facto e reflecte sobre ele nunca perderá a calma.
Aprender a Ceder
Aos sonhos, como aos pesadelos, chega sempre a hora de acordar. É essencial compreender a realidade, viver de olhos abertos, acolher a simplicidade da vida antes de querer resolver a complexidade do mundo.
Cada um de nós tem o seu lugar no mundo, talvez a ninguém caiba o do centro. Nas nossas relações com o mundo, com os outros e connosco, é mais sábio aceitar do que impor, admirar do que exibir, amar do que procurar ser amado…
Viver é aprender a ceder. A libertarmo-nos de nós mesmos. Só o nosso espírito nos pode soltar porque só ele nos aprisiona. Ser autenticamente feliz depende de uma transformação na forma de olharmos o mundo, aceitando-o sem grandes condições e agindo sem precipitações. Cedendo. Cedendo, sempre. Pois que é melhor manter um amigo do que ficar com a razão, mas sozinho. Há que abrir espaços em nós para que a serenidade que assim se alcança convide a felicidade a fazer do nosso espírito morada sua.A humildade e a simplicidade são formas de ser, não de parecer.
Um erro comum é querer ser tudo já. Nunca nada chega… e são tantas vezes as saudades a revelarem-nos o verdadeiro valor dos instantes vividos mas já passados.
As Atitudes Mentais são mais Importantes que a Capacidade Mental
Tudo, na sua vida, depende da sua atitude. A felicidade não depende de coisas à sua volta, mas da sua atitude. É uma lei que importa recordar. As nossas atitudes controlam as nossas vidas. São uma força secreta a labutar vinte e quatro horas por dia, para o bem ou para o mal. É importante sabermos como domesticar e controlar essa grande força. As atitudes mentais são mais importantes que a capacidade mental. As atitudes afectam o corpo; criamos um clima dentro de nós e à nossa volta com as nossas atitudes. Tenha uma atitude agradável, afectuosa e amistosa.
Séneca, o sábio romano, afirmou: – «Um homem pode governar o mundo inteiro e continuar infeliz, se não sentir que é supremamente feliz».
Que beleza existe no mundo em que vive? Ora bem, é tão belo como a sua atitude mental. Resolva ter uma atitude feliz, confiante, enérgica, positiva, entusiástica. A disposição interior, mais que qualquer outra coisa, pode dar a perspectiva adequada e a faculdade para resolver qualquer situação. Cada pessoa tem uma tendência para uma atitude construtiva ou negativa. Manter pensamentos positivos requer vigilância constante e desenvolvimento do carácter através do estudo e da experiência.
A alma que não se abate, que recebe indiferentemente tanto a tristeza como a alegria, vive na vida imortal.
Confissão
Trinta e nove anos. Meia vida passada, se isto se for aguentando, tomba daqui, tomba dali. E tudo por fazer! Comecei tarde, sem nenhuma preparação, e com defeitos horríveis, que tenho ido limando pouco a pouco, mas que resistem como fortalezas. Nasci afirmativo demais, puritano demais, uno demais, apesar duma timidez confrangedora, duma aceitação natural da volúpia e duma dispersão aflitiva a cada instante. Tenho medo dum polícia e sou capaz de enfrentar um exército; passo a vida a praticar virtudes que proíbo terminantemente aos outros; escrevo um poema, a dar uma consulta. De maneira que nunca consegui encontrar aquele equilíbrio criador onde julgo existir o pomar das grandes obras. Debato-me entre forças contraditórias, e ao cabo de cada livro sinto-me insatisfeito e culpado como um pecador que não cumpriu bem a sua penitência. Não tenho ambições fora da arte, e, dentro dela, só desejo conquistar a glória de a ter servido humilde e totalmente; mas não consegui ainda dar-lhe tudo, jogar a vida e a morte por ela. Para isso era preciso calcar aos pés o homem civil que sou, e não posso. Necessito de ter as minhas contas em dia como qualquer mortal honrado, e afligem-me os assuntos do mundo como casos pessoais.
A Mulher Virgem e o Amor
A mulher virgem, em geral, não ama o homem com quem casa, embora frequentemente de tal se persuada: gosta dele, e esse gostar, que é uma amizade, provocada em geral pelo amor do homem por ela, somando-se ao instinto sexual insatisfeito, ou seja à atracção sexual abstracta, forma um composto semi-emotivo que dá a ilusão do amor, (…) as suas emoções — aquela parte da sexualidade que não é só sexual — ficam insatisfeitas. Nuns casos o instinto maternal, exercendo-se no aparecimento dos filhos, ou satisfaz essas emoções ou as esbate e acalma; noutros casos, a vida imaginativa consegue, em maior ou menor grau, satisfazê-las. Há casos, porém, em que ficam insatisfeitas e então só o fundo moral seguro e a […] moral forte, ou o senso […] e medroso da respeitabilidade social, podem — quando podem, e isso depende muito do temperamento que está por trás d’essas emoções — resistir ao aparecimento, quando e se ele se der, do homem em quem essas emoções se possam concentrar. Em todo o caso, e para bem moral dos resultados, o melhor é o homem não aparecer.
Só o maior dos sensos morais e da honestidade do dever pode evitar um desastre.
Construir uma Personalidade
Nem todos estão predestinados a terem a oportunidade de criar a sua própria personalidade, a maioria permanece numa cópia de um tipo de personalidade, sem nunca chegarem à experiência de se tornarem um indivíduo com identidade própria. Mas aqueles que o conseguem, inevitavelmente descobrem que a luta pela personalidade envolve o conflito com as vidas normais das pessoas comuns e os valores tradicionais e convenções burguesas que defendem. A personalidade é o produto do confronto entre duas forças opostas, o impulso de criar uma vida própria, e a insistência do mundo que nos rodeia em que nos conformemos a ele. Ninguém consegue desenvolver uma personalidade a menos que esteja mentalizado para passar por experiências revolucionárias. A extensão dessas experiências difere, claro, de pessoa para pessoa, assim como a capacidade de conduzirem uma vida que é verdadeiramente pessoal e única.
Os Dois Infinitos
Duas coisas enchem a alma de admiração e de respeito sempre renovados e que aumentam à medida que o pensamento mais vezes se concentra nelas: acima de nós, o céu estrelado; no nosso íntimo, a lei moral. Não é necessário buscá-las e adivinhá-las como se estivessem ofuscadas por nuvens ou situadas em região inacessível, para além do meu horizonte; vejo-as ante mim e relaciono-as imediatamente com a consciência da minha existência. A primeira, a partir do lugar que ocupo no mundo exterior, estende a relação do meu ser com as coisas sensíveis a todo esse imenso espaço onde os mundos se sucedem aos mundos e os sistemas aos sistemas e a toda a duração ilimitada dos seus movimentos periódicos. A segunda parte do meu invisível eu, da minha personalidade e do meu posto num mundo que possui a verdadeira infinitude, mas no qual o entendimento mal pode penetrar e ao qual reconheço estar vinculado por uma relação não apenas contingente, mas universal e necessária (relação que também alargo a todos esses mundos visíveis).
Numa, a visão de uma infinidade de mundos quase aniquila a minha importância, na medida em que me considero uma criatura animal que, depois de ter (não se sabe como) gozado a vida durante um breve lapso de tempo,
O Amor é a Nossa Essência Primordial
Teria a vida algum encanto sem o amor? Acredito que o amor é o mistério invisível que nos envolve. Tal como escreveu o grande poeta indiano Rabindranath Tagore: «O amor não é um mero impulso. Deve conter a verdade, que é a lei.» Nem todos nós somos capazes de o exprimir por palavras tão eloquentes mas a intensidade do nosso desejo de amar e de sermos amados é uma característica exclusivamente humana.
Na sua forma mais elevada, o amor transforma a nossa natureza. Gera ternura e afeto. Substitui a raiva pela compaixão. Quando as pessoas procuram o meu conselho, o amor e os relacionamentos são o principal tema das questões que me colocam. Repare bem: a paixão talvez seja a experiência mais profunda que qualquer um de nós poderá viver – mas também a mais enigmática. Porque será o amor tão doloroso quando nos proporciona tamanho êxtase? O que o tornará tão extremo ao ponto de se transformar em ódio e ciúme quando nos sentimos traídos?
No nosso dia a dia confrontamo-nos com toda a espécie de pequenos imprevistos mas, no que diz respeito ao amor, a nossa própria vida parece estar em jogo. Os nossos relacionamentos amorosos e os laços de família são as forças mais poderosas que influenciam a nossa vida.
Suicídio e Imortalidade
Está claro que o suicídio, quando se perdeu a ideia da imortalidade, torna-se de uma imprescindibilidade absoluta e inevitável para todo o homem que tenha alguma noção da sua superioridade sobre os animais. Pelo contrário, a imortalidade que nos promete uma vida eterna amarra o homem, por isso mesmo, mais fortemente à Terra. Poderá parecer que há aqui contradição; se há tanta vida, quer dizer, a imortal, além da terrena, porque estimar tanto esta última? Acontece o contrário; é em virtude da sua fé na imortalidade que o homem alcança o seu fim razoável na Terra. Sem fé na imortalidade quebram-se os laços que prendem o homem à Terra, tornando-se mais subtis, mais frouxos, e a perda do alto conceito da vida (ainda que se sinta apenas em forma de inconsciente pesar) leva, inevitávelmente, ao suicídio.
Quando tão indispensável se torna a fé na imortalidade para a vida do homem, que é o estado normal da humanidade, e, sendo assim, «não há dúvida de que existe também a imortalidade da alma humana». Numa palavra: que a ideia da imortalidade é a vida homem, que é o estado normal da humanidade, e, sendo fonte da verdade e a verdade consciência para a humanidade.
A Ideia da Natureza
A ideia da Natureza é a ideia de um poder e de uma arte divinos inexprimíveis, sem comparação ou medida com o poder e a indústria do homem, que imprime nas suas obras um carácter próprio de majestade e graça, que opera todavia sob o domínio de condições necessárias, que tende fatal e inexoravelmente a um fim que nos ultrapassa, de maneira contudo que essa cadeia de finalidade misteriosa, da qual não podemos demonstrar cientificamente nem a origem, nem o termo, aparece a nós como um fio condutor com a ajuda do qual a ordem é introduzida nos factos observados e que nos coloca no rastro dos factos a pesquisar. A ideia da natureza, esclarecida assim tanto quanto pode ser, não passa da concentração de todos os clarões que a observação e a razão nos fornecem sobre o conjunto dos fenómenos da vida, sobre o sistema dos seres vivos.
Não são as Circunstâncias que Decidem a Nossa Vida
A nossa vida, como repertório de possibilidades, é magnífica, exuberante, superior a todas as históricamente conhecidas. Mas assim como o seu formato é maior, transbordou todos os caminhos, princípios, normas e ideais legados pela tradição. É mais vida que todas as vidas, e por isso mesmo mais problemática. Não pode orientar-se no pretérito. Tem de inventar o seu próprio destino.
Mas agora é preciso completar o diagnóstico. A vida, que é, antes de tudo, o que podemos ser, vida possível, é também, e por isso mesmo, decidir entre as possibilidades o que em efeito vamos ser. Circunstâncias e decisão são os dois elementos radicais de que se compõe a vida. A circunstância – as possibilidades – é o que da nossa vida nos é dado e imposto. Isso constitui o que chamamos o mundo. A vida não elege o seu mundo, mas viver é encontrar-se, imediatamente, em um mundo determinado e insubstituível: neste de agora. O nosso mundo é a dimensão de fatalidade que integra a nossa vida.
Mas esta fatalidade vital não se parece à mecânica. Não somos arremessados para a existência como a bala de um fuzil, cuja trajectória está absolutamente pré-determinada. A fatalidade em que caímos ao cair neste mundo – o mundo é sempre este,
Os Elementos do Carácter
O carácter é constituído por um agregado de elementos afectivos aos quais se sobrepõem, mesclando-se muito pouco a eles, alguns elementos intelectuais. São sempre os primeiros que dão ao indivíduo a sua verdadeira personalidade. Sendo numerosos os elementos afectivos, a sua associação formará variados elementos: activos, contemplativos apáticos, sensitivos, etc. Cada um deles actuará diferentemente sob a acção dos mesmos excitantes.
Os agregados constitutivos do carácter podem ser fortemente ou, ao contrário, fracamente cimentados. Aos agregados sólidos correspondem as individualidades fortes, que se mantêm não obstante as variações de meio e de circunstâncias. Aos agregados mal cimentados correspondem as mentalidades moles, incertas e mutáveis. Elas modificar-se-iam a cada instante sob as influências mais insignificantes se certas necessidades da vida quotidiana não as orientassem, como as margens de um rio canalizam o seu curso.
Por mais estável que seja o carácter, permanece sempre ligado, no entanto, ao estado dos nossos órgãos. Uma nevralgia, um reumatismo, uma perturbação intestinal, transformam o júbilo em melancolia, a bondade em maldade, a vontade em indolência. Napoleão, doente em Warteloo, já não era Napoleão. César, dispéptico, não teria, sem dúvida, transposto o Rubicon.
As causas morais actuam também no carácter ou, pelo menos,
Lidar com a Ansiedade
A ansiedade tanto pode ser uma sensação de vazio que antecede momentos de real perigo, como momentos imaginários, e são esses que nos interessam neste contexto do livro. A maior parte da ansiedade que sentes é devida a uma mente obstruída por problemas, incapaz de te obedecer e com uma capacidade tremenda de inventar cenários sombrios, criar situações desconfortáveis e de transformar a potencial calmaria da tua vida numa «estória» verdadeiramente soturna. Na verdade, tudo isto não passa de pura manipulação, caso contrário como é que seria possível faltar-te o ar, entrares em pânico ou sentires um aperto no peito relativamente a nada que ainda não aconteceu e que é impossível de prever? Só sentes tudo isto e muito mais porque nunca te esforçaste por disciplinar a mente e ela, como dominadora que é, exerce toda a sua criatividade no sentido de te aprisionar, retirando-te a autoestima e confiança. Viver refém da mente dá precisamente nisto, numa agonia sem fim onde o passado bloqueia, o presente inibe e o futuro assusta. É isto que queres? Calculo que não, mas o que é tens feito para mudar essa sensação de prisioneiro? A mente só deixa de mentir quando tu lhe ordenares a tua verdade e não existe verdade acerca do futuro,
O Sustentáculo do Amor
A paz é algo que nenhum homem pode dar a outro. Um dos fins mais importantes para quem arrisca ser quem é será o de construir a sua própria paz. Esta resulta de um trabalho duro de equilíbrio das vontades, de uma harmonização árdua das diferentes dimensões interiores, como o pensar e o sentir; é um estado ágil e dinâmico que, ao limite, permite ultrapassar e vencer qualquer adversidade.
A paz não é o estado de quem vive uma ausência de conflitos, é o resultado da conciliação corajosa das diferentes forças que, dentro e fora de cada homem, tentam prevalecer sobre as demais, menosprezando-se mutuamente.Muitos são os que julgam ter encontrado a paz quando se livram do sonho do amor. Estão enganados, o caminho até à felicidade é ainda longo para quem cansado assim se contenta, repousando de uma luta que nem chegou a começar.
A paz é um ponto de passagem de quem ruma à plenitude da vida. A paz é o ponto de partida para o amor, que por sua vez lança o homem para a felicidade. A paz é o ponto de chegada dos que sofrem as dores mais profundas.
A verdade é tranquila.
A Dádiva da Evidência de Si
Que havia, pois, mais para a vida, para responder ao seu desafio de milagre e de vazio, do que vivê-la no imediato, na execução absoluta do seu apelo? Eliminar o desejo dos outros para exaltar o nosso. Queimar no dia-a-dia os restos de ontem. Ser só abertura para amanhã. A vida real não eram as leis dos outros e a sua sanção e o seu teimoso estabelecimento de uma comunidade para o furor de uma plenitude solitária. O absoluto da vida, a resposta fechada para o seu fechado desafio só podia revelar-se e executar-se na união total com nós mesmos, com as forças derradeiras que nos trazem de pé e são nós e exigem realizar-se até ao esgotamento. Este «eu» solitário que achamos nos instantes de solidão final, se ninguém o pode conhecer, como pode alguém julgá-lo? E de que serve esse «eu» e a sua descoberta, se o condenamos à prisão? Sabê-lo é afirmá-lo! Reconhecê-lo é dar-lhe razão. Que ignore isso o que ignora que é. Que o despreze e o amordace o que vive no dia-a-dia animal. Mas quem teve a dádiva da evidência de si, como condenar-se a si ao silêncio prisional? Ninguém pode pagar, nada pode pagar a gratuitidade deste milagre de sermos.
A Verdadeira Liberdade do Homem
Nunca acreditei que a liberdade do homem consiste em fazer o que quer, mas sim em nunca fazer o que não quer, e foi essa liberdade que sempre reclamei, que muitas vezes conservei, e me tornou mais escandaloso aos olhos dos meus contemporâneos. Porque eles, activos, inquietos, ambiciosos, detestando a liberdade nos outros e não a querendo para si próprios, desde que por vezes façam a sua vontade, ou melhor, desde que dominem a de outrem, obrigam-se durante toda a sua vida a fazer o que lhes repugna, e não descuram todo e qualquer servilismo que lhes permita dominar.
A Luta de Classes Acabou
A luta de classes esfumou-se, dissolveu-se, a democracia tem funcionado como um diluente social: toda a gente vive, compra e acorre ao hipermercado, ao balcão do bar e aos concertos pagos pelo município na praça central, e todos falam ao mesmo tempo, vozes que se misturam como nas tumultuosas reuniões no cine Tivoli evocadas pelo meu pai, já não se distingue o que está em cima do que está em baixo, está tudo enredado, confuso, e, porém, reina uma misteriosa ordem, eis a democracia. Mas, de súbito, desde há um par de anos, parece desenhar-se uma ordem mais explícita, menos insidiosa. A nova ordem é bem visível, com os níveis superior e inferior bem definidos: alguns transportam com orgulho sacos repletos de compras e cumprimentam sorridentes os vizinhos à porta do centro comercial, outros remexem nos contentores onde os empregados do hipermercado lançaram as embalagens de carne fora de prazo, a fruta e as verduras pisadas, os pastéis industriais caducados. Lutam entre si por esses alimentos.
(…) Trivial, a luta de classes? Então não era isso que determinava, que impregnava e condicionava tudo? O grande motor da história universal? Não era nisso que acreditavam o meu pai e os seus camaradas,
A Chama da Vida e o Fogo das Paixões
Nem sempre estar apaixonado é bom. A maior parte das paixões tomam conta da vontade e assumem o controlo do sentir e do pensar. Prometem a maior das libertações, mas escravizam quem desiste de si mesmo e a elas se submete.
A paixão é sofrimento, um furor que é o oposto da paz e do contentamento. Um vazio fulminante capaz das maiores acrobacias para se satisfazer. Mas que, como nunca se sacia, acaba por se consumir, por se destruir a si mesmo. Para ter paz precisamos de fazer esta guerra, na conquista do mais exigente de todos os equilíbrios: entre a monotonia de nada arriscar e a imprudência de entregar tudo sem uma vontade própria profunda. É essencial que saibamos desafiarmo-nos, por vezes, a um profundo desequilíbrio momentâneo. Afinal, quem nunca ousa está perdido, para sempre.
Há boas paixões. São as que trabalham como um fermento. De forma pacata, pacífica e paciente. Animam, mas não dominam. Orientam, mas não decidem. Iluminam, mas não cegam.Quase ninguém faz ideia da capacidade que cada um de nós tem para suportar e vencer grandes sofrimentos…
Por paixões comuns, há quem perca a cabeça, o coração e a alma.