Sonetos sobre Ideias de Antero de Quental

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Sonetos de ideias de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

Tese e AntĂ­tese

I

Jå não sei o que vale a nova idéia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, Ă  luz da barricada,
Como bacchante apĂłs lĂșbrica ceia…

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia;
Respira fumo e fogo embriagada:
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fĂșrias de Medeia!

Um século irritado e truculento
Chama Ă  epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz…

Mas a idea Ă© n’um mundo inalterĂĄvel,
N’um cristalino cĂ©u, que vive estĂĄvel…
Tu, pensamento, nĂŁo Ă©s fogo, Ă©s luz!

II

N’um cĂ©u intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectĂĄculo divino.

Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante:
Enche o ar da terra o seu pulmĂŁo possante…
CĂĄ da terra blasfema ou ergue um hino…

A idéia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar sĂŁo chamas que crepitam,
PaixÔes ardentes como vivos sóis!

Combatei pois na terra ĂĄrida e bruta,

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Logos

Tu, que eu não vejo, e estås ao pé de mim
E, o que Ă© mais, dentro de mim — que me rodeias
Com um nimbo de afectos e de idéias,
Que sĂŁo o meu princĂ­pio, meio e fim…

Que estranho ser Ă©s tu (se Ă©s ser) que assim
Me arrebatas contigo e me passeias
Em regiÔes inominadas, cheias
De encanto e de pavor… de nĂŁo e sim…

És um reflexo apenas da minha alma,
E em vez de te encarar com fronte calma,
Sobressalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te…

Falo-te, calas… calo, e vens atento…
És um pai, um irmĂŁo, e Ă© um tormento
Ter-te a meu lado… Ă©s um tirano, e adoro-te!

Quinze Anos

Eu amo a vasta sombra das montanhas,
Que estendem sobre os largos continentes
Os seus braços de rocha negra, ingentes,
Bem como braços colossais aranhas.

D’ali o nosso olhar vĂȘ tĂŁo estranhas
Coisas, por esse céu! e tão ardentes
VisĂ”es, lĂĄ n’esse mar de ondas trementes!
E Ă s estrelas, d’ali, vĂȘ-as tamanhas!

Amo a grandeza misteriosa e vasta…
A grande ideia, como a flor e o viço
Da ĂĄrvore colossal que nos domina…

Mas tu, criança, sĂȘ tu boa… e basta:
Sabe amar e sorrir… Ă© pouco isso?
Mas a ti sĂł te quero pequenina!

Oceano Nox

Junto do mar, que erguia gravemente
A trĂĄgica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vĂŽo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saĂ­a das coisas, vagamente…

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensĂŁo, onde se esconde
O Inconsciente imortal, sĂł me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais…

Contemplação

Sonho de olhos abertos, caminhando
NĂŁo entre as formas jĂĄ e as aparĂȘncias,
Mas vendo a face imĂłvel das essĂȘncias,
Entre idĂ©ias e espĂ­ritos pairando…

Que Ă© o mundo ante mim? fumo ondeando,
VisĂ”es sem ser, fragmentos de existĂȘncias…
Uma nĂ©voa de enganos e impotĂȘncias
Sobre vĂĄcuo insondĂĄvel rastejando…

E d’entre a nĂ©voa e a sombra universais
SĂł me chega um murmĂșrio, feito de ais…
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim sĂł presentido…