Sonetos sobre Vento de J. G. de Araújo Jorge

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Sonetos de vento de J. G. de Araújo Jorge. Leia este e outros sonetos de J. G. de Araújo Jorge em Poetris.

Solidão

Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: – a solidão
anda lá fora, e o vento à minha porta
passa arrastando as folhas pelo chão…

Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silêncio, que o espírito conforta,
exaspera a minha alma de aflição…

As horas vão passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vão tento conciliar o sono

A cama é fria… O quarto úmido e triste…
– Há uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste…

Coração Solitário

A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua – é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.

Ouço meu coração ardente e solitário
com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.

Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

Música indefinida a encher a solidão:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.

A Espera

Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
– os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…

O céu desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando…

E ela não vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade…

Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…

Barco Perdido

Oh! a vida é uma grande renúncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, é que às vezes, a vida
de renúncia em renúncia aos poucos vai embora…

Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…

No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…

Velas rôtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…

Núpcias Pagãs

Braços dados, nós dois, vamos sozinhos…
O teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos
debruados de jasmins e samambaias

Há queixumes de amor na alma dos ninhos
e as nuvens lembram danças de cambraias…
– na minha mão ansiosa de carinhos
tonta de amor, a tua mão, desmaias…

Andamos sobre painas… entre alfombras…
E à luz frouxa da tarde em desalento
misturam-se no chão as nossas sombras

– Aqui… Há rosas soltas, desfolhadas…
Nada receies, meu amor – é o vento
em marcha nupcial pelas ramadas!

Lágrima

Orvalho do sofrer – dentro do peito nasce
e nos olhos em pranto sem querer floresce;
aumenta a pouco e pouco, e cada vez mais cresce…
– e rola finalmente em gotas pela face…

sublime florescer da dor… se ela falasse
diria para o mundo a mais sentida prece,
no entanto, em seu silencio humilde é que enternece
pois guarda na mudez um triste desenlace…

Repentina, ela brota, assim como se fosse
( de um mar que em nosso peito as ondas estugisse)
uma gota que o vento, aos nossos olhos, trouxe…

Nuns olhos de mulher, porém, ainda não disse:
– é a pérola de um mar completamente doce,
de um mar feito de amor… de sonho e de meiguice!

Romantismo

Quisera repousar desta vida de agora,
e esquecer no silêncio a dor que me lacera…
– não posso ter em mim o ardor da primavera,
– na casa de meu peito uma saudade chora…

E há sempre uma lembrança a recordar de outrora
que me faz sonhador… E há sempre uma quimera,
que ainda vive em minha alma à semelhança da hera
pregada sobre o muro em ruínas que a vigora…

Quisera me afastar do mundo, e a alma selvagem
repousar bem distante à beira de um remanso
entre o beijo do vento e o choro da folhagem…

E esperar sem ninguém o prosseguir da vida…
Depois… chegando a morte, em preito ao meu descanso
deixar a minha cruz na solidão perdida!…