Textos sobre Arte de Fernando Pessoa

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Textos de arte de Fernando Pessoa. Leia este e outros textos de Fernando Pessoa em Poetris.

O Objectivo da Arte não é Ser Compreensível

Toda a arte é expressão de qualquer fenómeno psíquico. A arte, portanto, consiste na adequação, tão exacta quanto caiba na competência artística do fautor, da expressão à cousa que quer exprimir. De onde se deduz que todos os estilos são admissíveis, e que não há estilo simples nem complexo, nem estilo estranho nem vulgar.
Há ideias vulgares e ideias elevadas, há sensações simples e sensações complexas; e há criaturas que só têm ideias vulgares, e criaturas que muitas vezes têm ideias elevadas. Conforme a ideia, o estilo, a expressão. Não há para a arte critério exterior. O fim da arte não é ser compreensível, porque a arte não é a propaganda política ou imoral.

O Maior Amor e as Coisas que Se Amam

Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, deste mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou cedro que me cobrisse, levando na alma como uma parcela do mundo, entre uma saudade e uma aspiração, a consciência de um dever cumprido.

Mas dia a dia o que vejo em torno meu me aponta novos deveres, novas responsabilidades da minha inteligência para com o meu senso moral. Hora a hora a (…) que escreve as sátiras surge colérica em mim. Hora a hora a expressão me falha. Hora a hora a vontade fraqueja. Hora a hora sinto avançar sobre mim o tempo. Hora a hora me conheço, mãos inúteis e olhar amargurado, levando para a terra fria uma alma que não soube contar, um coração já apodrecido, morto já e na estagnação da aspiração indefinida, inutilizada.

Nem choro. Como chorar? Eu desejaria poder querer (desejar) trabalhar, febrilmente trabalhar para que esta pátria que vós não conheceis fosse grande como o sentimento que eu sinto quando n’ela penso. Nada faço. Nem a mim mesmo ouso dizer: amo a pátria, amo a humanidade. Parece um cinismo supremo. Para comigo mesmo tenho um pudor em dizê-lo.

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A Arte e a Vida

A arte baseia-se na vida, porém não como matéria mas como forma. Sendo a arte um produto directo do pensamento, é do pensamento que se serve como matéria; a forma vai buscá-la à vida. A obra de arte é um pensamento tornado vida: um desejo realizado de si-mesmo. Como realizado tem que usar a forma da vida, que é essencialmente a realização; como realizado em si-mesmo tem que tirar de si a matéria em que realiza.

Obra Suprema

É notável que toda a obra de fôlego, pela qual um indivíduo se institui mestre na sua categoria, é, ao mesmo tempo, obra de emoção e de pensamento, contém tanto uma forma de arte como uma fórmula de filosofia.
Nascem as grandes obras da literatura com um carácter análogo ao das grandes crenças religiosas: nelas a um tempo se encontra, e numa mistura indestrinçável, a arte, a moral, e a metafísica.
Obra suprema é aquela em que (a par, é certo, da rígida construção que assinala os mestres) pensamento original e emoção individual se reúnem e se fundem…

O Jogo de Forças

A beleza começou por ser uma explicação que a sexualidade deu a si-própria de preferências provavelmentente de origem magnética. Tudo é um jogo de forças, e na obra de arte não temos que procurar «beleza» ou coisa que possa andar no gozo desse nome. Em toda a obra humana, ou não humana, procuramos só duas coisas, força e equilíbrio de força – energia e harmonia.

O Objectivo da Arte não é ser Moral nem Imoral

A arte não tem, para o artista, fim social. Tem, sim, um destino social, mas o artista nunca sabe qual ele é, porque a Natureza o oculta no labirinto dos seus designios. Eu explico melhor. O artista deve escrever, pintar, esculpir, sem olhar a outra cousa que ao que escreve, pinta, ou esculpe. Deve escrever sem olhar para fora de si. Por isso a arte, não deve ser, propositadamente, moral nem imoral. É tão vergonhoso fazer arte moral como fazer arte imoral. Ambas as [cousas] implicam que o artista desceu a preocupar-se com a gente de lá fora. Tão inferior é, neste ponto, um sermonário católico como um triste Wilde ou d’Annunzio, sempre com a preocupação de irritar a plateia. Irritar é um modo de agradar. Todas as criaturas que gostam de mulheres sabem isso, e eu também sei.

A Minha Arte é Ser Eu

Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista de mais para a pensar em fazer; pensar em faze-la seria pensar em dar de mim a idea de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.
Muitos crêem coisas falsas ou incompletas de mim; e eu, falando com eles, faço tudo por deixa-los continuar nessa crença. Perante um que me julgue um mero crítico, eu só falo crítica. A princípio fazia isto espontaneamente. Depois decidi que isto era porque, no meu perpétuo anseio de não levantar atritos, (…)

Sensibilidade no Tom Certo

Quanto mais aprofundamos, com a vida, a própria sensibilidade, mais ironicamente nos conhecemos. Aos 20 anos eu cria no meu destino funesto; hoje conheço o meu destino banal. Aos 20 anos aspirava aos Principados do Oriente; hoje contentar-me-ia, sem pormenores nem perguntas, com um fim da vida tranquilo aqui nos subúrbios, dono de uma tabacaria vagarosa.
O pior que há para a sensibilidade é pensarmos nela, e não com ela. Enquanto me desconheci ridículo, pude ter sonhos em grande escala. Hoje que sei quem sou, só me restam os sonhos que delibero ter.
(…) O ridículo é o couce da inteligência; há muito que da inteligência não possuo senão o couce.
Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista demais para a pensar em fazer; pensar em fazê-la seria pensar em dar de mim a ideia de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.

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Alma e Realidade, Duas Paisagens Sobrepostas

1 – Em todo o momento de actividade mental acontece em nós um duplo fenómeno de percepção: ao mesmo tempo que tempos consciência de um estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção.
2 – Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E – mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem – pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser “Há sol nos meus pensamentos”, ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes.
3 – Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem,

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Encontro-me em Plena Posse das Leis Fundamentais da Arte Literária

Deixei para trás o hábito de ler. Já nada leio a não ser um ou outro jornal, literatura ligeira e ocasionalmente livros técnicos relacionados com o que porventura estudo e em que o simples raciocínio possa ser insuficiente.
O género definido de literatura quase o abandonei. Poderia lê-lo para aprender ou por gosto. Mas nada tenho a aprender, e o prazer que se obtém dos livros é do género que pode ser substituído com proveito pelo que me pode proporcionar directamente o contacto com a natureza e a observação da vida.
Encontro-me agora em plena posse das leis fundamentais da arte literária. Shakespeare já não me pode ensinar a ser subtil, nem Milton a ser completo. O meu intelecto atingiu uma flexibilidade e um alcance tais que me permitem assumir qualquer emoção que deseje e penetrar à vontade em qualquer estado de espírito. Quanto àquilo por que sempre se luta com esforço e angústia, ser-se completo, não há livro que valha.
Isto não significa que eu tenha sacudido a tirania da arte literária. Aceito-a apenas sujeita a mim próprio.
Há um livro de que ando sempre acompanhado – «As Aventuras de Pickwick». Li várias vezes os livros de Mr.

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O Homem de Génio (II)

O homem de génio é um intuitivo que se serve da inteligência para exprimir as suas intuições. A obra de génio — seja um poema ou uma batalha — é a transmutação em termos de inteligência de uma operação superintelectual. Ao passo que o talento, cuja expressão natural é a ciência, parte do particular para o geral, o génio, cuja expressão natural é a arte, parte do geral para o particular. Um poema de génio é uma intuição central nítida resolvida, nítida ou obscuramente (conforme o talento que acompanhe o génio), em transposições parciais intelectuais. Uma grande batalha é uma intuição estratégica nítida desdobrada, com maior ou menor ciência, conforme o talento do estratégico, em transposições tácticas parciais.
O génio é uma alquimia. O processo alquímico é quádruplo: 1) putrefação; 2) albação; 3) rubificação; 4) sublimação. Deixam-se, primeiro, apodrecer as sensações; depois de mortas embranquecem-se com a memória; em seguida rubificam-se com a imaginação; finalmente se sublimam pela expressão.

O Ideal é a Vida

A nossa vida sem ideais nenhuns, toda quotidiana, quer no presente quer pelo pensamento do futuro. Perdendo a religião, nada reavemos para a substituir; nem arte, porque a arte é, como religião, para muito poucos; nem ciência, que é para menos ainda, nem filosofia, que é para quase nenhuns.
Não me refiro à conducta mas a ideais. Uma sociedade nunca pode ser grande nem pura sem ideais, porque na moral que nasce, na moral para uso quotidiano e de quotidiana origem, caberá uma certa decência, uma honestidade, razoáveis instintos humanitários, mas não uma nobreza de qualquer espécie, não uma grandeza de carácter. E o ponto importante é este. O ideal é a vida; vamos perdendo o ideal, e a nossa vitalidade vai diminuindo tristemente.