Textos sobre Humanos de Matias Aires

6 resultados
Textos de humanos de Matias Aires. Leia este e outros textos de Matias Aires em Poetris.

A Alegria Pura só Existe sem a Vaidade

A mais pura alegria é aquela que gozamos no tempo da inocência; estado venturoso, em que nada distinguimos pela razão, mas pelo instinto; e em que nada considera a razão, mas sim a natureza. Então circula veloz o nosso sangue, e os humores que num mundo novo, e resumido, apenas têm tomado os seus primeiros movimentos. Os humores são os que produzem as nossas alegrias; e com efeito não há alegria sem grande movimento; por isso vemos, que a tristeza nos abate, e a alegria nos move; o sossego ainda que indique contentamento, contudo mais é representação da morte que da vida; e a tranquilidade pode dar descanso, porém alegria não a dá sempre.

Mas como pode deixar de ser pura a alegria dos primeiros anos, se ainda então a vaidade não domina em nós? Então só sentimos o bem, e o mal, que resulta da dor, ou do prazer; depois também sentimos o mal, e o bem da opinião, isto é, da vaidade; por isso muitas cousas nos alegram, que tomadas em si mesmas, não têm mais bem, que aquele com que a vaidade as considera; e outras também nos entristecem, que tomadas só por si, não têm outro mal,

Continue lendo…

Não há Fortuna sem Vaidade

A maior parte da vida passamos em buscar a fortuna, e a que vemos nos outros, é a que nos engana a nós; porém é feliz o engano, que nos anima sempre. Que maior desgraça que o viver indiferente, e sem acção; e que maior ventura que a esperança com que a buscamos! O conceito, que fazemos de qualquer bem, sempre excede ao mesmo bem, e assim perdemos quando o alcançamos; de sorte que a fortuna parece que não está tanto em possui-la, como em desejá-la. As fortunas humanas, ou consistem na abundância, ou no poder, ou no respeito: estas são as mesmas fontes donde nasce a vaidade, e com efeito se há vaidade sem fortuna, não há fortuna sem vaidade.

A Vaidade Também Pode Ser Benéfica

A vaidade por ser causa de alguns males, não deixa de ser princípio de alguns bens: das virtudes meramente humanas, poucas se haviam de achar nos homens, se nos homens não houvesse vaidade: não só seriam raras as acções de valor, de generosidade, e de constância, mas ainda estes termos, ou palavras, seriam como bárbaras, e ignoradas totalmente. Digamos, que a vaidade as inventou.

O ser inflexível é ser constante; o desprezar a vida é ter valor: São virtudes, que a natureza desaprova, e que a vaidade canoniza. A aleivosia, a ingratidão, a deslealdade, são vícios notados de vileza, por isso deles nos defende a vaidade; porque esta abomina tudo quanto é vil. Assim se vê, que há vícios, de que a vaidade nos preserva, e que há virtudes, que a mesma vaidade nos ensina.

A Vaidade Cega a Sabedoria

Os sábios da terra não são os mais próprios para o governo dela. As Repúblicas, que se fundaram, ou se quiseram governar por sábios, perderam-se, acabaram-se; temos notícia delas pelo que foram, e não pelo que são. (…) As maiores crueldades, ou foram feitas, ou aconselhadas pelos Sábios; estes quando persuadem o mal, é com tanta veemência, e tão eficazmente, que as gentes na boa fé, buscam, e particam esse mal, como por entusiasmo, e sem advertirem nele. A impiedade, é uma das coisas que a ciência ensina; não porque seja o seu objecto, ou instituto, mas porque quando a impiedade é útil, à força de a ornar, se lhe tira o horror. A vaidade das ciências não consente, que haja cousa de que ela não possa, nem se saiba aproveitar.
Os erros comummente são partos da sabedoria humana; o errar propriamente é dos sábios, porque o erro supõe conselho, e premeditação; os ignorantes quási que obram por instinto; a ciência sabe legitimar o erro, a ignorância não; por isso nesta não há perigo de que ninguém o aprove; ao passo que naquela há o perigo de que a multidão o siga. O erro na mão de um sábio é como uma lança penetrante,

Continue lendo…

A Vaidade Deforma a Alegria e a Tristeza

As virtudes humanas muitas vezes se compõem de melancolia, e de um retiro agreste. As mais das vezes é humor o que julgamos razão; é temperamento o que chamamos desengano; e é enfermidade o que nos parece virtude. Tudo são efeitos da tristeza; esta obriga-nos a seguir os partidos mais violentos, e mais duros; raras vezes nos faz reflectir sobre o passado, quási sempre nos ocupa em considerar futuros; por isso nos infunde temor, e cobardia, na incerteza de acontecimentos felizes, ou infaustos; e verdadeiramente a alegria nos governa em forma, que seguimos como por força os movimentos dela; e do mesmo modo os da tristeza.
Um ânimo alegre disfarça mal o riso, um coração triste encobre mal o seu desgosto: como há-de chorar quem está contente? E como há-de rir quem está triste? Se alguma vez se chora donde só se deve rir, ou se ri por aquilo por que se deve chorar, a alma então penetrada de dor, ou de prazer, desmente aquele exterior fingido, e falso. Só a vaidade sabe transformar o gosto em dor, e esta em prazer, a alegria em tristeza, e esta em contentamento; por isso as feridas não se sentem, antes lisonjeiam,

Continue lendo…

O Último Grau de Perfeição Costuma Ser o Primeiro na Ordem da Corrupção

Os que crêem que sabem mais que os outros, ou se enganam, ou se persuadem bem: se se enganam, o mesmo engano lhes serve de ludíbrio; se se persuadem bem, a vaidade da ciência os faz tão ferozes, e severos, que ficam sendo insuportáveis. A ciência humana comummente se reveste de um ar intratável; imagem tosca, desagradável, e impolida. A especulação traz consigo um semblante distraído, e desprezador; quanto melhor é uma ignorância educada. Toda a ciência se corrompe no homem; porque este é como um vaso de iniquidade, que tudo o que passa por ele, fica inficionado: as coisas trabalham por se acomodarem ao lugar donde estão, e por tomarem dele as propriedades, só com a diferença, de que as cousas boas fazem-se más, porém estas não se fazem boas. Nas sociedades, o mal é mais comunicável; a perdição é mais natural; o que é bom, mais depressa tende a perder-se, que a melhorar-se; os frutos da terra quando chegam ao estado de maturidade, nem persistem nele, nem retrocedem para o estado de verdura; antes caminham até que totalmente se arruinem; por isso o último grau de perfeição, costuma ser o primeiro na ordem da corrupção.