A Verdadeira Virtude
NĂŁo se pode pensar em virtude sem se pensar num estado e num impulso contrários aos de virtude e num persistente esforço da vontade. Para me desenhar um homem virtuoso tenho que dar relevo principal ao que nele Ă© voluntário; tenho de, talvez em esquema exagerado, lhe pĂ´r acima de tudo o que Ă© modelar e conter. Pela origem e pelo significado nĂŁo posso deixar de a ligar Ă s fortes resoluções e Ă coragem civil. E um contĂnuo querer e uma contĂnua vigilância, uma batalha perpĂ©tua dada aos elementos que, entendendo, classifiquei como maus; requer as nĂtidas visões e as almas destemidas.
Por isso não me prende o menino virtuoso; a bondade só é nele o estado natural; antes o quero bravio e combativo e com sua ponta de maldade; assim me dá a certeza de que o terei mais tarde, quando a vontade se afirmar e a reflexão distinguir os caminhos, com material a destruir na luta heróica e a energia suficiente para nela se empenhar. O que não chora, nem parte, nem esbraveja, nem resiste aos conselhos há-de formar depois nas massas submissas; muitas vezes me há-de parecer que a sua virtude consiste numa falta de habilidade para urdir o mal,
Textos sobre Longe de Agostinho da Silva
4 resultadosO Pensador
NĂŁo há nenhuma vida verdadeiramente intelectual em que a polĂ©mica nĂŁo seja um acidente, um desnĂvel entre o engenho e a cultura adquirida, por um lado, e, por outro, o meio ambiente; o pensador nĂŁo Ă©, por estrutura, polemista, embora nĂŁo fuja ante a polĂ©mica, nem a considere inferior; o seu domĂnio Ă© no campo da paz, nĂŁo entre os instrumentos de guerra; quando a batalha se oferece sabe, como o filĂłsofo antigo, marchar com a calma e a severa repressĂŁo dos instintos que o mundo inteiro, ante a sua profissĂŁo, tem o direito de exigir; o seu dever de cidadĂŁo impõe-lhe que tome, ao ecoar da voz bárbara, a lança que defende as oliveiras sagradas e os rĂtmicos templos. A sua linha, porĂ©m, o fio de cumeadas por que se alongam os seus passos melhores comportam apenas uma invenção superadora, um perpĂ©tuo oferecer aos seus amigos humanos de toda a descoberta possibilidade de um caminho mais belo e mais nobre. VĂŞ-se como um guia e um observador de horizontes que se estendam para alĂ©m dos limites do mar e dos limites do cĂ©u; a sua missĂŁo Ă© a de pĂ´r ao alcance de todos os que novamente contemplaram os seus olhos e de os ajudar a percorrer a estrada que abriu ou desvendou;
O Ideal PortuguĂŞs como Ideal para o Mundo
TrĂŞs pontos, segundo Camões, sobre os quais temos que meditar, e ver como Ă©. Ponto nĂşmero 1: Ă© preciso que os corpos se apaziguem para que a cabeça possa estar livre para entender o mundo Ă volta. Enquanto nĂłs estamos perturbados com existir um corpo que temos que alimentar, temos que fartar, que temos de tratar o melhor possĂvel, cometendo para isso muitas coisas extremamente difĂceis, nessa altura, quando a nossa cabeça estiver inteiramente livre e lĂmpida, nĂłs podemos ouvir aquilo que Camões chama «a voz da deusa». E que faz a voz da deusa? Arranca Ă queles marinheiros as limitações do tempo e as limitações do espaço. Arranca-os Ă s limitações do tempo o que faz que eles saibam qual vai ser o futuro de Portugal. E arranca-os Ă s limitações do espaço porque eles vĂŞem todo o mundo ao longe, o universo que está ao longe, a deusa lho mostra, embora com o sistema errado, digamos assim, ou imperfeito, de Ptolomeu, e eles estĂŁo portanto inteiramente fora do espaço. Aquilo que foi o ideal dos gregos, e que os gregos nunca conseguiram realizar. EntĂŁo o que Ă© que aconteceu? Aconteceu que um dia houve outro portuguĂŞs que tinha ido para o Brasil,
Hino à Tolerância
Já será grande a tua obra se tiveres conseguido levar a tolerância ao espĂrito dos que vivem em volta; tolerância que nĂŁo seja feita de indiferença, da cinzenta igualdade que o mundo apresenta aos olhos que nĂŁo vĂŞem e Ă s mĂŁos que nĂŁo agem; tolerância que, afirmando o que pensa, ainda nas horas mais perigosas, se coĂba de eliminar o adversário e tenha sempre presente a diferença das almas e dos hábitos; dar-lhe-ĂŁo, se quiserem, o tom da ironia, para si prĂłprios, para os outros; mas nĂŁo hĂŁo-de cair no cepticismo e no cĂłmodo sorriso superior; quando chegar o proceder, saberĂŁo o gosto da energia e das firmes atitudes. Mais a hĂŁo-de ter como vencedores do que como vencidos; a tolerância em face do que esmaga nĂŁo anda longe do temor; entĂŁo, antes os quero violentos que cobardes.
Mas tu mesmo, Marcos, com que direito és tolerante? Acaso te julgas possuidor da verdade? Em que trono te sentaram para que assim olhes de cima o resto dos humanos e todo o mundo em redor? Por que tão cedo te separas de compreender e de amar? Tens a pena do rico para o pobre, dás-lhe a esmola de lhe não fazer mal;