Até o Fim
Até o fim com esta garganta
e estes olhos
líquidos, até o fim
com estas mãos
trémulas.Até o fim com estes pés exaustos
e estes lábios costurados
ao pé da noite. Até o fim
sem dizer nada.Até o fim estes canais premindo
o sangue.
Até o fim o obrigatório oxigénio
sobrevivência
no abstracto
difícil ar.Até o fim a tinta ilesa do amor
na alma,
até que quebrem as epidermes
desta mentira,
e o fim prossiga
até o fim.
Passagens sobre Garganta
64 resultadosPequena América
Quando vejo a forma
da América no mapa,
amor, é a ti que eu vejo:
as alturas do cobre em tua cabeça,
os teus peitos, trigo e neve,
a tua cintura delgada,
velozes rios que palpitam, doces
colinas e prados
e no frio do sul teus pés completam
a sua geografia de ouro duplicado.Amor, se te toco,
minhas mãos não percorrem
apenas as tuas delícias,
mas ramos e terras, frutos e água,
a primavera que eu amo,
a lua do deserto, o peito
das pombas selvagens,
a suavidade das pedras polidas
pelas águas do mar ou dos rios
e a vermelha espessura
dos matagais onde
a sede e a fome espreitam.
E assim a minha extensa pátria me recebe,
pequena América, em teu corpo.Mais ainda: quando te vejo reclinada,
em tua pele eu vejo, em tua cor de aveia,
a nacionalidade do meu carinho.
Porque dos teus ombros
fita-me, inundado de escuro suor,
o cortador de cana
de Cuba abrasadora,
e através da tua garganta
pescadores que tiritam
nas húmidas casas do litoral
cantam-me o seu segredo.
Cidadania
Buquê de ruídos úteis
o dia. O tom mais púrpura
do avião sobressai
locomovida rosa pública.Entre os edifícios a acácia
de antigamente ainda ousa
trazer ao cimo a folhagem
sua dor de apertada coisa.Um solo de saxofone excresce
mensagem que a morte adia
aflito pássaro que enrouquece
a garganta da telefonia.Em cada bolso do cimento
uma lenta aranha de gás
manipula o dividendo
de um suicídio lilás.
Passagem das Horas
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite… Acordo de repente
Yat-iô–ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô … Ghi-…
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)…
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar…
Tempestades em torno ao Guardaful…
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada…
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo…Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei…
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos…
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu,