Passagens de Nauro Machado

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Abre-me as Portas, MĂŁe

Abre-me as portas, mĂŁe, enquanto as estrelas
buscam em mim agora a treva infinda,
sem luz alguma no meu olhar a vĂȘ-las
nessa cegueira a ser da altura vinda.
Assim, mĂŁe, invado tua noite, a sabĂȘ-las
eternamente em pĂł na luz que Ă© finda
sĂł para mim, que vou comigo pelas
manhĂŁs nascendo todas cegas ainda.
Como fazĂȘ-las ser de novo vivas?
Como, se nunca delas fui um conviva
Ă s vidas feitas festas para as vistas?
Para arrancĂĄ-las da morte onde as pus,
quero essa noite, Ăł mĂŁe, roubada Ă  luz
do céu que, embora cega, tu conquistas.

Parafuso

Sabem-me o rosto,
sabem-me os pés,
sabem-me a roupa.

Viram-me nu,
viram-me inteiro
no corpo imĂłvel.

Mas sĂł me sabem,
mas sĂł me vĂȘem,
mas sĂł me enterram:

inexistente,
alheio e estranho,
entrado em mim.

Chegada a Hora o Sonho SerĂĄ Terra

Chegada a hora o sonho serĂĄ terra,
o medo darĂĄ seu Ășltimo vintĂ©m,
e o passado e o futuro serĂŁo guerra
do não-ser sobre terras de ninguém
Árvore gémea à que em dor se enterra,
o céu descerå em busca de outro além,
e unidos ambos, corpo e céu, a alma er-
rarå distante, mas morta, também.
SerĂĄ possĂ­vel mesmo o fim de tudo,
tudo tão rápido? Ó pássaro ao vento,
Ăł ave sombria: cantai num templo mudo,
a atroz saudade da alma nunca vista,
passo perdido em negro firmamento,
paisagem morta — que a terra conquista!