O Ferrador de Cavalos
Em que língua falarei
ao ferrador de cavalos?
Por que, na minha língua
de assombro e vogal,
só falo a mim mesmo
— ao meu nada e ao meu tudo —
e nem sequer disponho
do gesto dos mudos?
Se as palavras morrem
à míngua como os homens
e se o silêncio fala
seu próprio idioma
em que língua direi
ao homem diferente
que ele é meu semelhante
quando o vejo ferrar
o casco de um cavalo?
Empunhando o martelo
ele me conta histórias
de cravos perdidos
e cavalos mancos.
Palavras que se perdem
como ferraduras
no caminho do pasto.
Poemas sobre Cascos
3 resultadosOde Marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Posso Te Dar
Posso te dar a carta de marinha
mas o traço que nela insinuasse
um entre tantos rumos
não.Posso te dar as tábuas de marés
mas a leve emoção de cavalgar
onda e onda após onda
não.Posso te dar os índices das águas
conforme as densidades, mas a branda
flutuação do casco
não.Posso te dar a rosa e o timão
mas o desequilíbrio concertante
ao balanço de bordo
não.Posso te dar exemplos de ancoragens
mas o galeio do barco seguro
retesando as amarras
não.Posso te dar o longe no binóculo
mas acolá das lentes a paisagem
convidando à viagem
não.Posso te dar notícia do mar calmo
mas o rumor das franjas no espelhado
junto à roda de proa
não.Posso te dar o gorro marinheiro
mas a pressão do linho nos cabelos
enquanto sopra o vento
não.Posso te dar a direcção da chuva
mas o gosto da baga salitrada
escorrendo no rosto
não.