Poemas sobre Cautela

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Poemas de cautela escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Impossível

Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham com fórmulas legais,
Unir as nossas mãos, eternamente,
As mãos sacerdotais.

Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.

Eu posso, se quiser, cheio de manha,
Sondar, quando vestida, pra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.

Posso sentir-te em fogo, escandescida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de verão.

Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo preparar lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite-creme,
E os mélicos pudins.

Eu tudo posso dar-te, tudo, tudo,
Dar-te a vida, o calor, dar-te cognac,
Hinos de amor, vestidos de veludo,
E botas de duraque

E até posso com ar de rei, que o sou!
Dar-te cautelas brancas, minha rola,
Da grande loteria que passou,
Da boa, da espanhola,

Já vês, pois, que podemos viver juntos,
Nos mesmos aposentos confortáveis,
Comer dos mesmos bolos e presuntos,

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Poema da Auto-estrada

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno,
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

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A Sésta

Pierrot escondido por entre o amarello dos gyrassois espreita em cautela o somno d’ella dormindo na sombra da tangerineira. E ella não dorme, espreita tambem de olhos descidos, mentindo o sôno, as vestes brancas do Pierrot gatinhando silencios por entre o amarelo dos gyrassois. E porque Elle se vem chegando perto, Ella mente ainda mais o sôno a mal-resonar.

Junto d’Ella, não teve mão em si e foi descer-lhe um beijo mudo na negra meia aberta arejando o pé pequenino. Depois os joelhos redondos e lizos, e já se debruçava por sobre os joelhos, a beijar-lhe o ventre descomposto, quando Ella acordou cançada de tanto sôno fingir.

E Elle ameaça fugida, e Ella furta-lhe a fuga nos braços nús estendidos.

E Ella, magoada dos remorsos de Pierrot, acaricia-lhe a fronte num grande perdão. E, feitas as pazes, ficou combinado que Ella dormisse outra vez.

Meteu-me Amor em seu Trato

Meteu-me Amor em seu trato,
Pôs-me os seus gostos na praça,
Quanto quis me deu de graça.
Mas é caro o seu barato.

Amor, que quis que tivesse
Os males por seu querer,
Deu menos bem, que escolhesse,
Para que quando os perdesse
Tivesse mais que perder.
Depois que em minha esperança
Me viu contra o tempo ingrato
Viver livre da mudança
Por tão grande confiança
Meteu-me Amor em seu trato.

Vi eu logo que convinha
Dar melhor conta do seu
Do que dei da vida minha:
Deixei perder quanto tinha
Por guardar o que me deu.
O desejo e o temor,
A fé, a vontade, a graça,
Tudo pus na mão de Amor.
Ele que é mais mercador
Pôs-me seus gostos na praça.

Entendeu que não sabia
A valia do interesse
Que eu dele então pretendia:
Perguntou-me o que queria
Antes que nada me desse.
Eu, que não soube o que fiz,
Quis um desprezo e negaça,
Quis uns desdéns senhoris,
E por ser graça o que quis.

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O Poema Pouco Original do Medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

*

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos